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segunda-feira, 31 de março de 2014

O Ginjal não é para raparigas solteiras

Cais do Ginjal, Óleo, Alfredo Keil
Imagem: Casario do Ginjal


... no Ginjal nem tudo era pitoresco e divertido. 

As minhas tias e a meia dúzia de raparigas solteiras não gostavam de morar no cais. 

Queixavam-se elas de que viver debruçadas naquela muralha só lhes trazia tristeza e infelicidade.

Por  aquele caminho só passavam operários, trabalhadores braçais e tripulantes das fragatas e dos rebocadores, que vinham carregar a mercadoria para os grandes navios.

Tudo gente que mourejava nos armazéns e nas fábricas, velhos e jovens andrajosos, muitos deles descalços, que alugavam a força de trabalho aos proprietários das firmas.

No dizer das moças casadoiras, aqueles homens não haviam sido talhados para elas lhes darem atenção.

E os anos passavam e o cais continuava embruxado. Nada alterava a vida das mulheres que não perdiam a esperança de casar.

Repetiam as tias que viver ali era como se fossem condenadas ao degredo, a um viver sem futuro, que nada mais pudesse existir para lá do sustento e dos carinhos do papá e da mamã.

Quando, certa tarde, apareceu no Ginjal o amanuense da Câmara Municipal, José Carlos de Melo, solteirão de quarenta anos, a tirar o chapéu à tia mais nova, semeou o pânico nas três filhas do Zé Correia.

Mas a Ema enveredou por uma atitude de soberba, evitando o pretendente mal ele aparecia à esquina do cais.

Tantas partidas destas lhe fez que espicaçou a curiosidade da irmã mais velha, Julieta de seu nome, que resolveu aproveitar, prantando-se à janela todas as tardes. 

E foi deste modo que o Zé Melo entrou para a família.

Quanto às outras duas, a Ema e a Eugénia, não lhes apareceu outra oportunidade de casamento. 

Ficaram para sempre, e só, tias — e assim envelheceram e morreram, coitadinhas. (1)

Taxi Diver, Acrílico s/ tela, Carlos Farinha, 2013
Imagem: Carlos Farinha



(1) Correia, Romeu, O Tritão, Lisboa, Editorial Notícias, 1982, 174 págs.

domingo, 30 de março de 2014

Cova da Piedade em 1890, a ponte do Caramujo

Em princípios do século XIX o local [Caramujo] era uma larga restinga de areia que fechava um antigo esteiro, então já reduzido a um grupo de valas e uma caldeira de moinho de maré [dito da Mutela ou do Mesquitela] 

A sul da caldeira ficavam as valas alimentadas pelas águas do ribeiro da Mutela (o que corre pelo vale de Mourelos) e pelas águas de maré. A passagem entre as valas e a caldeira era "a ponte", nome que ainda hoje é lembrado. (1)

Cova da Piedade, Arnaldo Fonseca, 1890
Imagem: Boletim do Grémio Portuguez d’Amadores Photographicos *

A ponte do Caramujo, na sua forma primitiva ligava a Mutela ao Caramujo nos finais do séc. XIX... A grande vala representada na ilustração [sic] era uma das valas provenientes do largo da Piedade, que mais tarde foi aproveitada para colocação do colector.

Em 1923, [o Dr. António Resende Elvas] montou o consultório na rua Capitão Leitão (Almada), depois na rua Manuel Febrero e, em 1935, mandou construir a "Clínica Dr. António Elvas" na Mutela, no lugar da ponte do Caramujo (2).

Clínica de Dr. António Elvas, 1935
Imagem: João Elvas 

É criada [em 1944] uma zona de protecção ao conjunto de instalações da marinha do Alfeite e, dentro dela, uma zona de expansão e influência dessas instalações.

A zona de protecção é demarcada, pelo lado do rio, pela linha de margem compreendida entre o limite SE das instalações do quartel do Corpo de Marinheiros e o ponto de encontro dessa linha com o prolongamento, até a rio, das fachadas do lado norte da rua que liga à estrada nacional n.° 19-1.° no local designado por Ponte do Caramujo. (3)

Zona de protecção das Instalações da Marinha no Alfeite
Imagem: Diário da República, I Série, n° 138, 28 de Junho de 1944


(1) Pereira de Sousa, R. H., Almada, Toponímia e História, Almada, Biblioteca Municipal, Câmara Municipal de Almada, 2003, 259 págs.

(2) Flores, Alexandre M., Almada antiga e moderna, roteiro iconográfico, Freguesia da Cova da Piedade, Almada, Câmara Municipal de Almada, 1990, 318 págs.

(3) Diário da República, I Série, n° 138, 28 de Junho de 1944, pág. 584
 
* Barrocas, António, Arte da luz dita, revistas e boletins teoria e prática da fotografia em Portugal (1880-1900), Vol. II, 2006

sexta-feira, 28 de março de 2014

Almada pelo conde de Sabugosa, em 1905 (parte I)

Apelidaram-na os latinos Caetobrix  ou Caetobica, e os arabes Hosnel-Madam (fortaleza da mina) ou Almadan (mina de ouro ou prata).  (1)

(1) Sabugosa, Conde de, Almada pelo conde de SabugosaSerões: revista mensal ilustrada, n° 1, Lisboa, 1905.
Fonte: Hemeroteca Digital 



Almada pelo conde de Sabugosa, em 1905 (parte II)

Foi durante um daqueles recrudiscimentos da peste em Lisboa, que a rainha D. Leonor, em 1509, se retirou para Almada.  (1)

(1) Sabugosa, Conde de, Almada pelo conde de SabugosaSerões: revista mensal ilustrada, n° 2, Lisboa, 1905.
Fonte: Hemeroteca Digital 



O laboratório químico da Margueira

Margueira: do lado sul, sobre a chamada Cova da Piedade: está ali estabelecido o grande Laboratório Chimico o maior que há em Portugal pertencente a João Paulino de Almeida [que, instalado desde 1823, utilizava a tecnologia da máquina a vapor]. (1)

Serzedello & Ca., década de 1840
Imagem: documento do acervo de Carlos António Serzedelo Palhares, Lisboa


A Serzedello & Companhia começou por ter apenas o depósito na Rua do Corpo Santo, onde fazia o seu comércio (incluindo de e para o Brasil) e onde a preparação química seria uma componente residual. 

Foi a partir da aquisição da Fábrica da Margueira, nos anos 40 do séc. XIX que viria a sofrer um extraordinário impulso de crescimento, tendo estado na primeira linha da tecnologia e como presença referenciada nas grandes exposições universais como a de Paris em 1850, Londres em 1855, Filadélfia em 1872, etc. onde recebeu distinções e honrosas menções aos seus produtos (2). 


(1) AHMOP, Memoria Económica da Vila d'Almada, e seu Termo, 1835, citado e documentado em Silva, Francisco Manuel Valadares e, Ruralidade em Almada e Seixal nos séculos XVIII e XIX, Imagem, Paisagem e Memória, Lisboa, Universidade Aberta, 2008, 271 págs.

(2) "Janêllos" da História: Os Serzedello

quinta-feira, 27 de março de 2014

Os saveiros meia lua da Costa da Caparica

O meia-lua da Costa da Caparica, também conhecido pelo nome de saveiro e barco da arte era o barco usado na Caparica para a arte xávega, que lembra pelo seu arqueado e pela quase igualdade das bicas uma meia-lua perfeita.

Pormenor da praia da Caparica, ed. Fotex, 144
Imagem: Delcampe

Manuel Leitão define o meia-lua como sendo mais pequeno que o barco do mar, com fundo chato, mas com um tosado importante, que o levanta numa curva bastante acentuada até às rodas de proa e de ré, produzindo o perfil característico em crescente, que dá à embarcação o seu nome. (1)

Praia do Sol, Caparica, ed. José Nunes da Silva, s/n
Imagem: Delcampe

Cada “meia-lua” era manobrado por uma “companha” ou associação de pescadores que vieram sobretudo de Lavos e Buarcos para tomar parte numa forma particular de arrasto com rede de cerco.

Caparica, Aguarela, Carlos Pinto Ramos
Imagem: Cabral Moncada Leilões

Alguns dos homens que trabalhavam nesta ocupação eram também do Algarve.

Barco varado, Aguarela, Carlos Pinto Ramos
Imagem: Cabral Moncada Leilões

Estas grandes embarcações eram construídas com quatro bancadas para os remadores e as posteriores, mais pequenas, e em menor número, que mediam 8,50 x 2,40 metros aproximadamente, eram construídas com três. 

Costa da Caparica, Saíndo para a pesca, ed. Lif , 2
Imagem: Delcampe

A parte de ré do casco era deixada aberta para permitir espaço no qual era alojada a rede, as suas numerosas poitas e flutuadores de cortiça e os cabos de puxar.

Costa da Caparica, ed. desc.

Nos tempos antigos, alguns “meias-luas” eram aparelhados com vela e leme do tipo “xarolo” para a pesca no Rio Tejo, para vender o peixe nos mercados da margem norte.

Souza, João de, Caderno de Todos os Barcos do Tejo tanto de Carga e transporte como d'Pesca,
Sociedade de José Fonseca, 1785

Em 1948 existiam 14 “Meias Luas” na Caparica, mas o seu número foi descendo, podendo em 1970 serem contados pelos dedos de uma mão. 

Costa da Caparica, 1946, Mário Novais

Prevendo o seu rápido desaparecimento, o Museu de Marinha adquiriu em Junho de 1975 um exemplar que se encontra exposto junto à entrada para o Planetário e onde o visitante pode admirar as suas belas formas e toda uma arte que se vai extinguindo. (2)

Costa da Caparica, 1956
Imagem: Eulália Duarte Matos


(1) Lopes, Ana Maria, Marintimidades, O meia-lua: da praia para o Museu?... 

(2) Leitão, Manuel, Revista da Armada, Dezembro 2002, (pág. 397, ou pesquisar "Caparica")

Leitura relacionada: Fonseca, Senos da, Factos & História , A arte da xávega

terça-feira, 25 de março de 2014

Cova da Piedade elegante e encantadora em 1874

Cacilhas está se tornando um dos passeios mais lindos para a gente de Lisboa.

Vapor da carreira de Cacilhas, 1890, Óleo, Alfredo Keil
Imagem: Casario do Ginjal


A chamada Cova da Piedade acaba de ser elegantemente ajardinada com um coreto de música no centro.

Jardim da Cova da Piedade (detalhe), 1946, Mário Novais

No último domingo abriu-se ali um Hotel Club magnífico.

Hotel Club da Cova da Piedade
Imagem: Flores, Alexandre M., Almada antiga e moderna, Freguesia da Cova da Piedade

O local é encantador. Todos os domingos há música no jardim e é grande a concorrência do povo.

Jardim da Cova da Piedade, ed. Paulo Emílio Guedes & Saraiva, 13
Imagem: Fundação Portimagem

Perto da Cova da Piedade há a magnífica quinta real do Alfeite, cujas portas el-rei deu ordem para estarem abertas para os visitantes passearem. (1)

Paço Real do Alfeite, Aguarela, Enrique Casanova
Imagem: Cabral Moncada Leilões

(1) Diário do Maranhão, sexta-feira, 26 de Junho de 1874



Plano Hydrográfico do Porto de Lisboa (detalhe), 1847


segunda-feira, 24 de março de 2014

Convento dos Capuchos

Artigo reeditado e disponível em: A Costa romântica de Bulhão Pato

Illustração Portugueza, Convento dos Capuchos, Lisboa, 29 outubro 1906

sábado, 22 de março de 2014

Quinta Távora e Mosteiro da deceda

Mapa de Portugal
Fernando Álvares Seco, 1561
Imagem: Wikimedia Commons
Quando D. Sebastião foi aclamado rei (1557), preparou-se uma embaixada a Roma, para tratar de importantes assuntos de Estado. O embaixador escolhido foi Lourenço Pires de Távora (1510-1573), que chegou a Roma em Junho de 1559. 

Guido Sforza, cardeal protector de Portugal, terá então recebido de Estaço um particular presente: um mapa de Portugal, preparado por Fernando Álvares Seco (fl. 1560), cartógrafo de quem pouco ou nada se sabe.

Dois pormenores foram introduzidos, que delatam o autor, como acontecia muitas vezes nas telas de mestres pintores: a “Quinta dos Secos”, perto de Tomar, e a “Quinta Távora”, morgadio da família do embaixador, na península de Setúbal. (1)

O mapa de Portugal de FERNANDO ALVARO SECO, publicado em Roma em 1561 é provavelmente o primeiro mapa de conjunto do território nacional, serviu de base a toda a cartografia do país que se imprimiu durante um século.

Mapa de Portugal, Fernando Álvares Seco, 1561
Imagem: Wikimedia Commons (detalhe)

Cem anos depois, em 1662, era dada a conhecer em Madrid a «descrição do reino de Portugal...» de PEDRO TEIXEIRA ALBERNAZ que durante outro século serviria de modelo às edições de mapas de Portugal que entretanto iam surgindo. 

... numa data em que ainda não era possível o conhecimento exacto das longitudes, o país aparece distorcido, se bem que as posições das várias povoações na maioria não apresentem grandes desvios em relação às suas localizações reais. Contrariamente ao que era seguido nos mapas árabes (com o Sul para a parte superior) e na cartografia europeia a partir de meados do século XVI (com o Norte para cima), A. SECO orienta Portugal com o Ocidente para cima.

No mapa de 1662... desaparecem, na península da Arrábida, as representações gráficas bem destacadas de Sesimbra, Mosteiro da Deceda (não identificado) e Quinta Tauora (St.° António dos Capuchos — Caparica). (2)

Nas ruínas do convento de Santo António na Caparica
Alfredo Keil, óleo
Imagem: Rui Manuel Mesquita Mendes

Lourenço Pires de Távora mandou erguer, em 1558, o Convento dos Capuchos para alojar uma comunidade religiosa de frades arrábidos vinda da Quinta da Conceição, em Murfacém (Trafaria), onde ficaram durante mais de três séculos.

O crescimento da comunidade e a pobreza inicial do convento obrigaram a consecutivas obras de ampliação e beneficiação do edifício, com a reconstrução dos dormitórios (1618) e da própria capela, acrescida, em 1630, do coro alto e do alpendre.


Em março de 1834, o convento foi extinto por portaria do Duque de Bragança, possivelmente pelo alinhamento de parte da comunidade religiosa a favor dos absolutistas no contexto da guerra civil de 1832-34.

A extinção dos Capuchos marcou o início de uma etapa atribulada e ainda mal conhecida, que levou ao abandono do antigo Convento, à completa pilhagem do seu recheio e à gradual ruína do edifício.

Costa da Caparica - Convento dos Capuchos
Ed. Comissão Municipal de Turismo (fotografia original de Mário Novais)

Depois de passar pela posse de vários proprietários particulares, foi adquirido, em 1950, [e restaurado em 1952,] pela Câmara Municipal de Almada, que iniciou a sua requalificação em 2000. (3)

O declínio do convento coincide com a queda dos Távoras. A família Távora foi perseguida pelo Marquês de Pombal e os seus membros foram cruel e impiedosamente executados em 13 de Janeiro de 1759, sob a acusação de terem conspirado para assassinar o rei D. José I de Portugal.

Quando se procedeu ao seu restauro em 1952, foram colocados painéis de azulejo, que têm como tema os sermões de Santo António e o retábulo em talha oferecido pelo Director do Museu de Arte Antiga (Lisboa). (4)

Costa da Caparica, Almada, Convento dos Capuchos (após o restauro em 1952)
Ed. Passaporte, 32
Imagem: Fundação Portimagem


O alto dos Capuchos é o lugar no extremo poente da Vila Nova, muito perto perto da arriba da Costa de Caparica.

Costa da Caparica, Almada, Miradouro dos Capuchos e Caparica
Ed. Passaporte, 30

O lugar, que outrora era o "Outeiro do Funchal", colhe o seu nome dos franciscanos arrábidos conhecidos por "capuchos" para os quais foi construído o convento, em 1558 por Lourenço Pires de Távora, Senhor de Caparica, que reservou para si túmulo na igreja, em cripta agora vazia.

Contornando por Norte e Oeste o alto dos Capuchos passa o caminho que no Século XVIII é mencionado como "descida" e que era o acesso mais fácil às praias da Costa. (5) 

A Praia do Sol - Uma vista parcial. Subida para os "Capuchos".
Ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, 110
Imagem: Fundação Portimagem


(1) BNP adquire exemplar do mais antigo mapa de Portugal (1561)

(2) O povoamento a sul do Tejo nos séculos XVI e XVII

(3) A história do Convento dos Capuchos em exposição, Câmara Municipal de Almada, Nota de imprensa, 19 de junho de 2013

(4) Convento dos Capuchos (Caparica), Wikipedia 

(5) Pereira de Sousa, R. H., Almada, Toponímia e História, Almada, Biblioteca Municipal, Câmara Municipal de Almada, 2003, 259 págs.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Almada em 1960

Texto de Tomás Ribas, Fotos de António Homem Christo, Ilustração de Carlos Ribeiro, Almada, a cidade satélite, Revista Eva, Dezembro 1960
Fonte: Dias que Voam


terça-feira, 18 de março de 2014

Arte xávega descrita por Romeu Correia

Quando a companha deita ao mar as novecentas braças de corda deita todo o Calamento.
— Calamento é, pois, limite de andanças e anseios, traçado pela rotina do pescador.

Costa da Caparica, Entrando no mar, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, s/n, cliché João Martins

De novo o Deus te guie fez proa ao mar, e o calador foi folgando cabos e pondo coiros a flutuar de oito em oito cordas...

Praia do Sol, Caparica, ed. José Nunes da Silva, s/n
Imagem: Delcampe, Bosspostcard




A bica da vante está voltada ao sul. As mãos do calador atam a corda à rede. Vão descer as primeiras malhas... Todos se descobrem. E o arrais diz:
— Vai em louvor de Nossa Senhora do Cabo!
Braça a braça, as pandas da rede tocam na água e todo o tecido é luz, é prata, fosforecendo em todos os quadradilhos e rasgões. Cortiças sobre cortiças caiem das mãos do calador; chumbos sobre chumbos, das do vareiro, que fez novo trajecto da vante à ré.


Num ritmo calmo, compassado, os remos são puxados com brandura. Tem garbo, tem galhardia, assim, o meia-lua, a singrar para o sul! Chega a vez de o saco, de malhas fechadas e escuras, ser arrumado pela borda fora... E é que é mesmo — mas pela borda contrária. A espadilha flecte agora numa manobra: o cerco acentua-se. Rema-se na sóta um pouco mais.

Cabazeiros e almocreves, transportando recoveiras, canastras e sarricos, esperam o meia-lua. Três catraios, endemoninhados, brincalhões, salpicam o pessoal nas correrias. Barafusta-se. Sobem ameaços. Mas o jogo continua...

"Gigas" (Costa de Caparica), Álvaro Colaço, Objectiva nº 7, Dezembro 1937
Imagem: Alexandre Pomar

O Deus te guie vence a rebentação e aporta de ré. O grosso dos homens bota pés à cinta e pula para o areal. Toda a companha se divide em dois grupos: o da banda panda e o da panda barca. Situam-se a uma distância como duzentos metros. Os fedelhos voltam os xalavares e os homens escolhem o seu cinto para para o puxa-puxa. O arrais percorre os dois alares, a saber distâncias.

Costa da Caparica, Almada, Passaporte, 60, Arribação dos pescadores após o lançamento das redes

— Ala a panda barca!
O pessoal do sul, firmes os cintos, e, de peito ao mar, recostado na tala de lona, recua, recua...
Três aselhas e seis nós, cicatrizados na corda, chegam ao mar. Uma voz avisa o arrais: 

— À mestre, caçámos trinta e seis cordas!
Trinta e seis cordas, na panda barca, significa que foi atingido o par com o lado norte, vindo a rede, agora, direitinha para terra.


A Praia do Sol, Alando a rede, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, 106
Imagem: Delcampe, Bosspostcard

— Ala da banda panda!
E os homens, às arrecuas, passinho sobre passinho, calcanhares firmados, troncos recostados, puxam as sirgas. Cada um, ao dar por findo o seu reboque, liberta a roldana e volta ao princípio. Vai caindo corda morta no areal, de ambos os lados.


Praia do Sol, C. Caparica, ed. José Nunes da Silva, s/n
Imagem: Delcampe

Um coiro, túmido e acastanhado, surge a lume de água, escorrendo limos: oito cordas vencidas ou sejam cento e quarenta e quatro braças. Pés fincados na areia resvaladiça, braços cruzados sobre a arca do peito, os homens forcejam, forcejam, mas a sirga cede tão lentamente como se arrastasse os infernos.

Costa da Caparica, Almada, Passaporte, 64, Pescadores enrolando as cordas da rede
Imagem: Fundação Portimagem

De tão esticada, a sirga parece cabo de aço, vindo contínuamente babujada de sargaço e mexoalho.
— Atrasar dessa panda! — berra o arrais para os do norte.
Os pés amortecem de ligeireza, mãos nas talas, caras postas na névoa, que branqueia agora o céu. As sirgas vão-se aproximando, cada vez mais, cada vez mais.



Excertos do romance de Romeu Correia, Calamento, Lisboa, Editorial Minerva, 1950.



(n.do e.) Anos mais tarde encontrei o "Deus te guie"... não era um meia lua como eu pensara, nem tinha a distinção e a elegância dos meia lua.

Vi-o sereno, com duas crianças que sorriam... sem se importarem que ele não fosse um meia lua.

Deus te guie, Costa da Caparica, ed. desc.
Imagem: Delcampe, Bosspostcard

domingo, 16 de março de 2014

O castelo, a igreja, a vila e a cerca

"... em 1374, D. Fernando prorrogou por mais um ano o prazo para serem terminados os muros da cerca... Nos séculos XVI-XVII a cerca desenvolvia-se já desde o castelo, passando pelas traseiras das casas da Rua Direita até à 'Praça Velha'..." (1)

Portogallo, Lisbona dal promontorio.
Gravura executada por Terzaghi sobre desenho de Barbieri reproduzido de um original do século XVII.


Configuração do castelo de Almada. (2)

Planta do castelo de Almada em 1772.
Imagem: Rui Manuel Mesquita Mendes.


Almeida por Almada.

O erro sistemático do esboço de Page, ou do desenho de Stanfield, associado à data tardia de publicação das reproduções, tende a deslocar, ou a misturar e confundir, eventos e análises da Guerra Penínsular e das Guerras Liberais. (3)

Lisbonne , vue du fort d'Almeida [sic] .  
Hugo, Abel, France militaire, Histoire des armées françaises de terre et de mer, de 1792 à 1837, Paris, Delloye, 1838, 5 vols.

O fumo que sai das chaminés, os mastros do navio a vapor, o Mar da Palha, os braços do Tejo. Lisboa mais bela, talvez, que Napoles ou Constantinopla.

Vue de la rade et de la ville de Lisbonne
Imagem: Le Monde illustré, 1858, M. de Bérard.

Realidade, fantasia, que faz viajar e sonhar.

Lisbonne
Imagem: L'Illustration, Journal Universel, 1860, Anastasi.

Imagens com castelo e casario que descrevem ou inspiram poemas românticos.

Lisbon view from the south bank of the Tagus
Trousset encyclopedia, 1886
Imagem: Byron, George Gordon, Childe Harold's Pilgrimage..., London, John Murray, 1869 (detalhe).

(1) PEREIRA DE SOUSA , R. H., Fortalezas de Almada e seu termo, Almada, Arquivo Histórico da Câmara Municipal, 1981, 192 págs.

(2) Arquivo Nacional Torre do Tombo.

(3) Almada bélica e bucólica no século XIX.

quarta-feira, 12 de março de 2014

Cacilhas em 1793

Margens e imagens do Tejo.

Vista norte de Cacilhas. Em primeiro plano ao lado esquerdo, dois marinheiros carregam cestos a partir de uma barcaça, com a inscrição 'JWells Aqua', para o convés de um ferry-boat onde uma mulher e dois homens aguardam. Do lado direito um barco transporta um passageiro abrigado por um dossel e seis remadores. Vista da igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso, do porto e do lugar de Cacilhas. A bandeira inglesa sobre o hospital. Ao fundo, veleiros no rio Tejo. (1)

(1) Texto: British Library    

A View taken from LISBON of the Point of Cassilhas, the English Hospital, & the Convent of Almada * : On the opposite side of the Tagus _ the original drawing by Noel in the possession of Gerard de Visme Esq.r / Drawn by Noel ; Engraved by Wells.
* (n. do e.) Deve tratar-se do convento que existia na Rua da Terras (da igreja). Acima do hospital inglês avista-se o forte ou castelo de Almada. O convento de S. Paulo situa-se na colina a poente deste, não visível na gravura.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal


Navios e barcos, num deles carregando um soldado e um padre, aproximam o porto de Lisboa no Rio Tejo. À esquerda a Praça do Comércio com a estátua equestre de D. José I. Ao centro vêem-se as torres da Sé acima dos telhados e ao fundo o castelo de S. Jorge sobre uma colina. (2)

(2) Texto: British Library

A View of the PRAÇA DO COMMERCIO at LISBON, taken from the Tagus : the original Drawing by Noel in the possession of Gerard de Visme Esq.r / Drawn by Noel ; Engraved by Wells.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal





terça-feira, 11 de março de 2014

Almada em 1908

A vila de Almada, assente num planalto, para o qual se vai subindo desde o cais de Cacilhas, coroa nobremente o território do concelho.  (1)

(1) Pimentel, Alberto, A Estremadura portuguesa, Volume II, Lisboa, Empreza da História de Portugal, 1908, 539 págs.
Fonte: Internet Archive 


segunda-feira, 10 de março de 2014

Carta e vistas de Lisboa e arredores anteriores a 1755

Vista de Lisboa antes de ser reduzida a pedaços de pedra pelo terramoto do 1° de dezembro de 1755, descrição fantasiosa do sismo de  Lisboa em novembro de 1529, plano de Setúbal, torre de Belém e fortificação de Évora.

Karte und Ansichten von Lissabon und Umgebung, 1756