Nessa manhã de inverno, os arrais do mestre Chíco, resolveram que fosse para o mar o Pensativo, o S. Francisco, e também iria o S. José, do Júlio da Filipa. Em terra ficaria encalhado o Portugal, propriedade como o Pensativo e S. Francisco, de Francisco José da Silva (Mestre Chico).
Costa da Caparica, Praia do Sol, 1934. Imagem: Praia do Sol (Caparica)..., Monografia de propaganda do Guia de Portugal Artístico |
Era escuro, e como era vulgar, o chamador andou gritando pelas ruas da povoação chamando os pescadores: "P'ró mar! É pescadores p'ró mar!"
Costa da Caparica, Praia do Sol, cliché João Martins, 1934. Imagem: Praia do Sol (Caparica)..., Monografia de propaganda do Guia de Portugal Artístico |
Dos três barcos, o primeiro a sair foi o S. Francisco que tinha o Cavalinha por arrais, depois o Pensativo e, por último, o S. José.
Menos de uma hora andou o Pensativo ao largo, enquanto o S. José e o S. Francisco se faziam a terra, e uma leve neblina pairava ao longe. Mestre Vitorino escolheu o sítio que lhe pareceu mais sujeito a peixe, e mandou largar a rede.
Começava levemente a clarear, fazia trio, e os faróis do Bugio e do Cabo Espíchel ainda mostravam os seus sinais luminosos. Lançada a rede e dadas mais umas remadas o Pensativo aproava à praia, isolado de tudo e de todos.
O nevoeiro cerca o barco e quando guiados pela espia que ficara em terra procuram voltar à praia, a espia quebra-se!
A tripulação percebeu o perigo. Estavam perdidos. O barco sem governo tornou-se frágil e o leme inútil, e com o seu peso o Pensativo, voltou-se como um barquinho de criança.
Acudam! Socorro! Gritam os náufragos; é enorme a confusão. e o barco fica de fundo para o ar, e sob ele os pescadores lutam para salvar a vida. [...]
Para exemplificar melhor o que era a pesca nessa data, devemos dizer que os verdadeiros e antigos meia-lua, tinham 22 homens de tripulação, assim distribuídos:
na proa, dois remos com três homens cada (estes remos como é de calcular, não podiam trabalhar em paralelo, em face do seu comprimento) e os três pescadores nestes remos classificam-se por punho, ajuda e forro; depois, nos remos da "fraquinha", mais dois homens em cada, chamados punho e ajuda; a meio, outros dois remos, com dois homens cada um;à ré, os últimos remos, com quatro homens divididos, dois por cada remo; na popa, iam ainda, o caIador, o arrais e o espadilheiro; à proa, o sota, que era o homem da vara, num total portanto de vinte e dois homens.
Costa da Caparica, Praia do Sol, cliché João Martins, 1934. Imagem: Praia do Sol (Caparica)..., Monografia de propaganda do Guia de Portugal Artístico |
Nesse dia de 12 de Dezembro de 1929, o Pensativo levava apenas vinte homens, sendo seu arrais, o conhecido pescador, Vitorino José, homem conhecedor e para quem o mar da Costa de Caparica não tinha segredos. [...]
Para o relato ser quanto possivel completo, devemos dizer que os barcos quando vão para o mar, deixam ficar em terra uma corda com a qual puxam a rede que vão lançar e pela qual o barco é orientado para vencer a ressaca.
Costa da Caparica, Praia do Sol, 1934. Imagem: Praia do Sol (Caparica)..., Monografia de propaganda do Guia de Portugal Artístico |
Na ponta dessa corda, fica enterrada na praia uma recoveíra ou estaca, como lhe queiram chamar, onde de noite é colocado um candeeiro para, como farol, indicar ao arrais, onde está a ponta da corda pela qual se deve dirigir para terra.
Naquele tempo todas as artes tinham pelo menos, duas redes e as respectivas cordas: as mais usadas eram para serem servidas no verão em que o tempo é melhor, e não há tanta maresia ou corso, como dizem os pescadores, e as mais novas, no Inverno, por causa do que apontámos anteriormente.
Costa da Caparica, Praia do Sol, 1934. Imagem: Praia do Sol (Caparica)..., Monografia de propaganda do Guia de Portugal Artístico |
Outro pormenor interessante é quando o barco aproa a terra salta o arrais, e, é colocada uma fateíxa na ponta de um cabo e enterrada na areia.
Se a maré enche, fica um homem a bordo ou em terra que vai puxando o barco. Se a maré vasa, o barco fica em seco e portanto não ê preciso ficar alguém para o puxar.
Mas, voltando ao Pensativo, devemos dizer que por motivos que ainda hoje se desconhece não se encontra justificação como a corda nova rebentou quando o barco vinha para terra na crista de um vagalhão.
Costa da Caparica, Praia do Sol, 1934. Imagem: Praia do Sol (Caparica)..., Monografia de propaganda do Guia de Portugal Artístico |
Dizia-se nessa data, e ainda hoje a dúvida existe, que a corda fora picada, isto é, tinha sido cortada de propósito. [...] (1)
(1) Correia, António, Subsídios para a História do Concelho de Almada, Almada, Câmara Municipal de Almada, 1974.
Imagens: Praia do Sol (Caparica): estância balnear de cura, repouso e turismo, Monografia de propaganda do Guia de Portugal Artístico, 1934, M. Costa Ramalho, Lisboa.