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sábado, 23 de janeiro de 2016

Nacional

Viajar?... qual viajar! até á Cova-da-Piedade, quando muito, em dia que lá haja cavallinhos. Pois ficareis alfacinhas para sempre, cuidando que todas as praças deste mundo são como a do Terreiro-do-Paço, todas as ruas como a rua Augusta, todos os cafés como o do Marrare. (1)

Carris 255, AEC Regent Mk. III 255.
Imagem: Carris 255 Preservation Group

Fidalgo.
Esta barca onde vai ora, 
qu'assi está apercebida?

O Nacional, Soc. Jerónimo Rodrigues Durão, Herd. Lda, nacionalizada em 1975.
Imagem:hdpixa

Diabo.
Vai para a Ilha perdida, 
e há de partir logo essora.

Fidalgo.
Pêra lá vai a senhora?

Diabo.
Senhor, a vosso serviço.

Fidalgo.
Parece-me isso cortiço.

Diabo.
Porque a vedes lá de fora.

O Nacional atracado no pontão de Cacilhas, 1979.
Imagem: almaDalmada

Fidalgo.
Porém a que terra passais?

Diabo.
Para o Inferno, senhor.

Fidalgo.
Terra é bem sem sabor.

Diabo.
Quê! e também cá zombais?
E passageiros achais 
pêra tal habitação?
Vejo-vos eu em feição 
pêra ir ao nosso cais.
Parece-te a ti assi. 
Em que esperas ter guarida? 
Que deixo na outra vida 
quem reze sempre por mi.
Quem reze sempre por ti?
Hi hi hi hi hi hi hi.
E tu viveste a teu prazer
cuidando cá guarecer,
porque rezam lá por ti?

Cacilheiro Nacional atracado e ferry Eborense a aproximar.
Imagem: Retratos de Portugal

Embarca, ou embarcai,
qu'haveis d'ir à derradeira.
Mandai meter a cadeira,
qu'assi passou vosso pai.
Que, que, que! e assi lhe vai?
Vai ou vem, embarcai prestes:
segundo lá escolhestes,
assi cá vos contentai.
Poisque já a morte passastes,
haveis de passar o rio.

Fidalgo.
Não há aqui outro navio?

O MS Nacional em Cacilhas, década de 1990.
Imagem: Vitor Cid - Fotografia no Facebook

Diabo.
Não, senhor, qu'este fretastes,
e já, quando espirastes, 
me tínheis feito sinal.

O cacilheiro Nacional, iniciando a marcha a ré, década de 1970.
Imagem: José Luis Covita

Fidalgo.
Que sinal foi esse tal?

Diabo.
Do que vós vos contentastes.

Fidalgo.
A est'outra barca me vou.

Nacional nos estaleiros Baptistas em Alhos Vedros, Luis Miguel Correia, 2006.
Imagem: Lisbon Ferries - Cacilheiros

Hou da barca! pêra onde is?
Ah! barqueiros, não m'ouvis?
Respondei-me. Hou lá, hou! (2)


(1) Almeida Garrett, Viagens na minha terra, Lisboa, Imprensa Nacional, 1856
(2) Gil Vicente, Auto da Barca do Inferno, Lisboa, Liv. Pop. de Francisco Franco

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Iconografia de Lisboa (cronologia)

Este breve alinhamento cronológico tem por objetivo, depois de clicada uma imagem, criar na lightbox um acesso a uma sequência imediata, temporal ou espacial, dos pictogramas, de modo que com simples avanços e recuos, a diferença ou a continuidade entre o que eles representam se possa evidenciar.

Panorâmicas — Lisboa Manuelina

1500-1510

Lisboa c. 1500–1510, Crónica de Dom Afonso Henriques, Duarte Galvão.
Imagem: Wikipédia

1513 (?)

Lisboa, iluminura do frontispício da primeira parte da Crónica de D. João I, Fernão Lopes, 1513 (?).
Imagem: A Iluminura

1521-1557

1521 - 1557, Galeria das Damas do Paço da Ribeira e Ribeira das Naus, Livro de Horas de D. Manuel, António de Holanda.
Imagem: PortugalWeb

1572

Lisboa, Civitates Orbis Terrarum, Georg Braun [Georgio Braúnio], Frans Hogenberg, 1572.
Imagem: Prosimetron

Anterior a 1580

As imagens estão ordenadas pelo conteúdo representado, embora, em alguns casos, tenham sido produzidas mais tarde.

Lisboa, Vrbivm praecipvarvm mundi theatrvm qvintvm Georg Braun  [Georgio Braúnio Agrippinate], Franz Hogenberg, 1598.
Imagem: Wikipedia

Anterior in 1580

Lisbona, Giuseppe Longhi, 1670.
Imagem: BLR

Anterior a 1580

Lisboa amplissima lusitaniæ civitas, totius indiæ orientalis et occidental:
emporium celeberrimum, 1619.
Imagem: World Digital Library

Anterior a 1580

Vista panorâmica de Lisboa, História Genealógica da Casa Real de Portugal, Simon Bening, entre 1580 e l584.
Imagem: British Museum

Panorâmicas — Período Filipino

1613

1613, Joyeuse entrée Filipe III de Castela, Castelo de Weilburg Alemanha.
Imagem: MNAA

1619

Chegada do D Filipe II de Portugal a Lisboa para uma viagem no Reino de Portugal,
Gravura Ioam Schorquens, segundo Domingos Vieira Serrão, 1619.
Imagem: Wikimedia

1620

Lisboa, Ex-voto, Nossa Senhora de Porto Seguro Roga a seu Precioso Filho por esta Cidade e sua Navegação de Lisboa,
Igreja de São Luís dos Franceses, c. 1620.
Imagem: do Porto e não só...

Vistas gerais e panorâmicas — Lisboa da Restauração

1662

Lisboa, Terreiro do Paço, A entrada do Embaixador Francisco de Mello e Torres, Dirck Stoop, 1662.
Imagem: Museu da Cidade de Lisboa

1693

1693, Lisboa, Entrada de Giorgio Cornaro para a Primeira Audiência com D. Pedro II, 1693.
Imagem:

1680-1720

Lisbone, Ville capitale du Royaume du Portugal... Pierre Aveline (1656-1722) entre 1680 e 1720.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

1730

Lisabona, Georg Balthasar Probst (1732-1801), c. 1730.
Imagem: Swaen

1730

D. João III e o núncio apostólico da Índia, ou A partida de São Francisco Xavier, aut. desc. c. 1730.
Imagem: Wikipédia

Anterior ao terremoto de 1755

Vista geral da cidade de Lisboa capital de Portugal antes do terremoto.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Vistas gerais — Lisboa Manuelina

1521-1557

Galeria das Damas do Paço da Ribeira e Ribeira das Naus,
Livro de Horas de D. Manuel, António de Holanda.
Imagem: MatrizNet

1521-1557

Rua Nova dos Mercadores em 1521, Livro de Horas de D. Manuel,
iluminura atribuída a António de Holanda.
Imagem: MNAA

1570-1580

Relativamente aos quadros abaixo, ou faltam painéis sequenciais ou complementares,  ou os originais foram, possivelmente, cortados.

1570- 1580, Lisboa, Chafariz d’El-Rey, autor desconhecido (Colecção Berardo).
Imagem: Lisboa, cidade africana

1570-1620

Rua Nova dos Mercadores, aut. desc., século XVI.
Imagem: Society of Antiquaries of London

Rua Nova dos Mercadores, aut. desc., século XVI.
Imagem: Society of Antiquaries of London


Leitura adicional:
A genealogia das imagens de Lisboa...

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Iconografia de Lisboa (9.ª parte)

Ainda no último quartel do século XVIII foi Lisboa visitada por vários artistas e sábios estrangeiros que vieram a Espanha e a Portugal, em viagem de recreio ou científica, para colher elementos que interessavam aos seus estudos ou aos seus espíritos.

A View of the PRAÇA DO COMMERCIO at LISBON, taken from the Tagus : the original Drawing by Noel in the possession of Gerard de Visme Esq.r / Drawn by Noel ; Engraved by Wells.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal
Navios e barcos, num deles carregando um soldado e um padre, aproximam o porto de Lisboa no Rio Tejo. À esquerda a Praça do Comércio com a estátua equestre de D. José I. Ao centro vêem-se as torres da Sé acima dos telhados e ao fundo o castelo de S. Jorge sobre uma colina.

in British Library
Citaremos os seguintes artistas:

a) — Jean Alexandre Noël, pintor francês de marinhas e paisagens, que por várias vezes veio a Lisboa, uma das quais em 1780, onde pintou uma vista da "Torre de Belém", passada para gravura em cobre por Gaspar Fróis Machado cm 1783, como disse;

1500 Almada concelho Arte Gravura Alexandre Jean Noel Torre de Belem 02.jpg

8 quadros com diferentes vistas, das quais 5 de Lisboa, mandadas fazer por um rico inglês Gerard de Visme, e gravadas a água-tinta por J. Wells, de 1793 a 1795;

The Harbour of Lisbon, segundo Alexandre Jean Noël, 1796.

uma vista panorâmica de Lisboa e seu porto, gravada em cobre por Alix; além de vários desenhos a lápis, que se conservam num álbum no Museu de Arte Antiga.

Vista da parte ocidental de Lisboa, Alexandre Jean Noel, início da década de 1790
Imagem: FRESS

b) — Jean Baptista Pillement, que algumas temporadas veio passar em Lisboa, a última das quais em 1780;

Vista de Lisboa, Jean Baptiste Pillement.
Imagem: Viático de Vagamundo

c) — o pintor Nicolas [Louis Albert] Delarive [Delerive] (1755-1813);

Lisboa, Feira da Ladra na Praça da Alegria, Nicolas Delarive, aspecto na década de 1810.
Imagem: MNAA

d) e) — O duque de Chatelet, que viajou por Portugal em 1777, e o arquitecto James Murphy, que aqui esteve também, deixaram nas relações impressas das suas viagens, as vistas de alguns trechos olisiponenses.

Recuperando alguns dos artigos já publicados, pela nossa parte, faremos a propósito algumas referências:

a) — Rev. William Morgan Kinsey, Portugal Illustrated in a series of letters, 1827;

Belem Castle, Rev. William Morgan Kinsey, Portugal Illustrated in a series of letters, 1827.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

b) — Robert Batty (1789 – 1848), ilustrador e topógrafo que serviu na Guerra Peninsular, 1809 - 1814, e que, como Ajudante de Campo do General William Henry Clinton, regressou a Portugal (1826 - 1827). Foi o  autor de uma série de vistas de lisboa publicadas em Select Views of some of the Principal Cities of Europe, London, Moon, Boys, and Graves, 1832.

Lisbon from Almada, Drawn by Lt. Col. Batty, Engraved by William Miller, 1830.

Select Views of some of the Principal Cities of Europe inclui, por esta ordem, as gravuras "Torre de Belém", "Convento de S. Jerónimo em Belém", "Lisboa vista da rua de S. Miguel",

Lisbon from the Rua de San Miguel, Drawn by Lt. Col. Batty, 1830.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

"Lisboa vista da colina da capela de N.a Senhora do Monte", "O Largo do Pelourinho" e "Lisboa vista de Almada".

Lisbon from the chapel hill of Nossa Senhora do Monte, Drawn by Lt. Col. Batty, 1830.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Como na abordagem, prévia, tratada no artigo Originais de Roberto Batty, sabemos ainda existir outras imagens, que representam, o Convento de N.a Senhora da Graça (três versões) e a Torre do Bugio.

Como consequência das agitações políticas que em Portugal perturbaram toda a sua vida nos princípios do século XIX, o renascimento artístico que com bons auspícios se havia inaugurado, decaiu consideravelmente, e, pelo que respeita a iconografia de Lisboa, apenas podemos citar as estampas que acompanham os 2 volumes do "Jornal de Bellas Artes ou Mnémosine Lusitana" (1816/17), gravuras em cobre de P. A. Cavroé e desenhos de Fonseca filho (António Manuel da Fonseca).

Mas devido à descoberta do processo litográfico e à invenção da propaganda noticiosa, política e artística, que, por meio de publicações periódicas, revistas e jornais ilustrados, cerca do ano 1830 começou em Inglaterra, França, Alemanha, Itália, etc., foram estes métodos adoptados entre nós, nos princípios do segundo quartel do dito século, surgindo, e aumentando no decorrer do mesmo, uma plêiade de artistas nacionais, especializados em cada um dos processos de reprodução de desenhos, cujo número, na representação de aspectos da cidade, de edifícios, e de outros objectos com ela relacionados, ultrapassou rapidamente em muito o dos estrangeiros que também se ocuparam dos mesmos assuntos olisiponenses, ao contrário do que acontecera anteriormente.

Vista oriental de Lisboa tomada do jardim de S. Pedro de Alcântara, litografia Sousa e Barreto, 1844.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Cremos que as primeiras obras periódicas em que se publicaram estampas de Lisboa, depois da "Mnémosine Lusitana" (1816/17), foram principalmente as seguintes:

"O Recreio" (1835 a 1842), com litografias não assinadas;
"Jornal Encyclopedico" (1836/37), com litografias;
"O Panorama" (1837 a 1868), com gravuras em madeira.

A gravura em cobre foi abandonada quase por completo nestas publicações periódicas (jornais, como lhes chamavam, imitando a denominação francesa), e a gravura em madeira e a litografia, ao principio bastante toscas, foram-se desenvolvendo paralelamente, podendo dizer-se que as primeiras que aparecem mais correctas são: as de A Illustração (1852), e do semanário A Illustração Luso-Brazileira (1856 a 1859), pelo que respeita a gravuras em madeira, desenhadas ou feitas por Manuel Bordalo Pinheiro, Nogueira da Silva, Barbosa Lima, Caetano Alberto Nunes, Baracho, João Pedroso, Coelho pai e filho, Gomes da Silva, Flora, etc., e as da Illustração Popular (1866 a 1870), pelo que se refere a litografias, especialmente devidas aos artistas Legrand e Michellis.

Nas publicações periódicas até ao fim do século XIX a perfeição das gravuras em madeira atingiu o seu auge na ilustração do quinzenário O Occidente, que, sob a direcção de Manuel de Macedo, redador e desenhador, e de Caetano Alberto da Silva, gravador, foi entre nós, desde 1878, e durante 38 anos, o repositório mais perfeito dos principais acontecimentos nacionais e estrangeiros, adornado sempre com estampas, entre as quais são numerosas as que tratam de assuntos de Lisboa, geralmente copiadas do natural pelos desenhadores Luciano Freire, Cristino da Silva e outros, e gravadas em madeira por Caetano Alberto da Silva, Cazellas, etc.

Vista panorâmica de Lisboa tomada de Almada (recomposição), água-forte, Isaías Newton (1838-1921).
Imagem: Museu da Cidade de Lisboa

Muitas das revistas periódicas ilustradas nacionais tiveram uma vida pouco duradoura, devido à penúria de fundos para a sua publicação, reveladora da falta de apreço ou de preparação do público para tais leituras.

No estrangeiro, pelo contrário, as revistas ilustradas foram, no século XIX, muito numerosas, e tiveram longa existência, mas pouco se ocuparam de vistas e monumentos de Lisboa, havendo exibido principalmente vistas dos acontecimentos mais importantes sucedidos nesta cidade, daqui comunicados em esboços ou fotografias pelos artistas seus correspondentes.

Uma das aplicações mais importantes das estampas foi para ilustração de livros, quer em gravuras impressas com os textos, quer em litografias em folhas soltas intercaladas no texto.

Afora a sua inserção em livros e em revistas, foram produzidas durante o século XIX muitas estampas de Lisboa destinadas a quadros, tais como a "Vista do Convento de S.to Jerónimo de Belém e Da Barra de Lisboa" e a "Vista da Cidade de Lisboa Tomada da Junqueira", por Henrique L'Evêque [Henry], ou constituindo colecções ou albuns de vistas, acompanhadas ou não com um texto descritivo, não exclusivamente de Lisboa, mas juntamente com as de outras terras;

tal era, por exemplo, entre as nacionais, a "Collecção de Paizagens e Monumentos de Portugal", editada e litografada por João Pedro Monteiro, em que colaborou também Tomás J. d'Anunciação.

Várias medalhas se cunharam durante o século XIX, comemorativas de factos passados em Lisboa, e que por isso fazem parte da medalhística olisiponiana.

Descoberta a fotografia pelos meados do século XIX, algumas revistas e livros passaram a ser ilustrados com fotografias, ou sós, como, por exemplo, "Monumentos Nacionais" (1868), por J. da S. [José da Silva] Mendes Leal, ou conjuntamente com gravura, ou litografias, como: "Archivo de Architectura Civil" (1865). Ambas estas obras, assim oomo algumas outras mais, contêm trechos de Lisboa.

Vários fotógrafos, na 2.a metade do século XIX, tiraram [tiravam] e vendiam vistas fotográficas de terras e edifícios de Portugal, e entre elas figurava sempre Lisboa.

Baixa e Rio Tejo (montagem), Francesco Rocchini (1822 - 1895), c. 1868.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Os mais conhecidos foram Francisco [Francesco] Rocchini, que desde 1870 fotografou mais de 300 vistas panorâmicas e de edifícios e monumentos de Lisboa, coladas em cartões com os títulos impressos;

Praça do Comércio e Rio Tejo, Francesco Rocchini (1822 - 1895), c. 1868.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

A. S. Fonseca, Largo de S. João da Praça, de que conhecemos 20 fotografias de Lisboa;

e Moreira, Rua da Alegria, que apresentou 42, pelo menos, igualmente coladas em cartolina, e com os títulos impressos.

Também havia, de fabricação estrangeira, álbuns com fotografias de Lisboa, assim como litografias a uma ou mais cores.

No mercado apareceram colecções de vistas fotográficas estereoscópicas, tanto de publicação nacional como estrangeira.

Descobertos, no último quartel do século XIX, os processos fotomecânicos para a feitura de matrizes para a reprodução de estampas: fotolitografia, zincogravura, fotogravura, fototipia, cromolitografia, etc. que simplificaram e embarateceram as ilustrações de livros e de publicações periódicas, fizeram eles pôr de parte, quase por completo, os antigos processos de gravura e estampagem, dando também origem ao aparecimento de muitos objectos de preço acessível às pequenas bolsas, com vistas de Lisboa e de outras terras do pais, tais como albuns de propaganda de Portugal, bilhetes postais ilustrados, caixas de fósforos, selos de propaganda, marcas industriais e comerciais, anúncios, estampas litografadas a cores destinadas para quadros, etc.

Panorama de Lisboa, ed. Tabacaria Costa, c. 1900.
Imagem: Bosspostcard

Nestes géneros tem florescido, desde o meado do século XIX, mas principalmente no último quartel, continuando-se pelo corrente [XX], uma numerosa série de brilhantes artistas, que muito têm honrado a arte nacional, e cujos nomes têm ultrapassado as nossas fronteiras, emparelhando com os dos melhores e mais afamados artistas estrangeiros.

Panorama de Lisboa, ed. A. Myre (detalhe), c. 1900.
Imagem: Delcampe

Além das vistas de Lisboa, dos seus monumentos e trechos panorâmicos, impressos ou estampados em papel, pergaminho e tecidos, muitos aspectos de Lisboa têm sido produzidos, desde o século XVI, em quadros a óleo ou aguarela, existentes em museus ou em casas de particulares, em objectos de cerâmica, em painéis de azulejo, em galvanoplastia, em artigos cunhados, etc.

Muitos são desconhecidos do público, por constituírem documentos únicos, guardados pelos seus proprietários, sendo quase impossivel obter de todos eles esclarecimentos completos.

A maioria das estampas, tanto as antigas como as modernas, não é datada, e algumas não mencionam o nome do artista que as produziu, o qual muitas vezes não é português.

Quando o citado ou o signatário é estrangeiro, nem sempre se conhecem os dados biográficos ou a época em que exerceu a sua actividade artística.
Todas estas faltas tomam muito difícil, ou mesmo impossível organizar a seriação cronológica das estampas com vistas panorâmicas ou dos monumentos de Lisboa.

Uma das outras dificuldades com que se luta entre nós para se obter uma lista ou relação iconográfica de Lisboa que se aproxime bastante da perfeição, é a falta, nas nossas bibliotecas públicas, dos livros a que pertencem muitas estampas que se encontram avulsas no mercado. 

Essa falta diligenciámos supri-la recorrendo a pedidos de informação no estrangeiro, no que nem sempre fomos bem sucedidos.

Durante o século XX a abundância de estampas de Lisboa, em livros, revistas, jornais e folhas soltas, assim como em quadros a óleo, a aguarela e a pastel, é tão grande, que a sua inventariação e classificação desafia a paciência mais beneditina, podendo sem receio de desmentido afirmar-se que seria trabalho para uma vida inteira, e a lista que se organizasse ficaria necessariamente imperfeita.

Praça do Comércio, comandante Cyrne de Castro aos comandos do seu Curtiss "Helldiver", 1955.
Imagem: Na Rota do Yankee Clipper

Essa abundância é devida não só à grande facilidade da fabricação de matrizes para tal produção, mas ao maior grau de apreço por esta manifestação artística, que o progresso da cultura geral do povo tem criado e estimulado. (1)


(1) Vieira da Siva, Augusto, Iconografia de Lisboa, Revista Municipal n.° 32, Câmara Municipal de Lisboa, 1947
 
Artigos relacionados:
Da fábrica que falece à cidade de Lisboa
Delícias ou descrições de Lisboa
Panorâmica de Lisboa em 1763

Leitura adicional:
Lisboa do século XVII "a mais deliciosa terra do mundo"

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Iconografia de Lisboa (8.ª parte)

Na segunda metade do século XVIII quatro factos em Lisboa atraíram a atenção de artistas, para assunto das suas estampas. Foram eles:

Aqueduto das águas livres, vista a montante dos arcos, século XIX.
Imagem: Turismo Matemático

a) — "O Aqueduto das Águas Livres". Esta obra deu origem a uma gravura em cobre, de autor desconhecido, que representa a "Exzata Copia da formatura dos Arcos da Agua Livre", e a outras.

Aqueduto das águas livres, ponte e ribeira de Alcântara, século XIX.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

b) — "A Catástrofe do Terremoto do Primeiro de Novembro de 1755" impressionou consideravelmente a imaginação de muitos artistas estrangeiros, que gravaram grande número de estampas, alegóricas umas, e outras representando a cidade durante o cataclismo, as quais foram decalcadas sobre vistas panorâmicas já conhecidas, em que os diferentes artistas representaram os edifícios a desconjuntarem-se e a desmoronarem-se, com o fogo a irromper por todos os lados.

Lisboa antes do terramoto de 1755 - exibido no Museu Nacional de Arte Antiga from Lisbon Pre 1755 Earthquake on Vimeo.

Todas essas vistas dão bem a medida da fecunda imaginação e fantasia dos seus autores!

Lisboa 1755, fantasia de antes e durante o terremoto, Mateus Sautter.
Imagem: Histórias com História

Apenas dois desenhadores franceses, Paris e Pedegache, vieram a esta cidade copiar "algumas ruinas de Lisboa causadas pelo terremoto e pelo fogo do primeiro de Novembro do anno 1755", que foram gravadas em Paris por Jac. Ph. Le Bas em 1757.

Ruínas da Torre de S Roque ou Torre do Patriarca, Sé de Lisboa e Igreja de S. Paulo, Jacques-Philippe Le Bas, 1755.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

É uma colecção de 6 gravuras. Com o respectivo frontispício, que mostram bastante fantasiosamente o estado a que ficaram reduzidos seis edifícios da cidade por efeito daquele cataclismo.

Ruínas da Praça da Patriarcal, Igreja de S. Nicolau e Ópera do Tejo, Jacques-Philippe Le Bas, 1755.
Imagem: Cabral Moncada Leilões


Além desta colecção de Le Bas, um musico de Augsburgo, Johan Michael Roth, coligiu as matrizes de cobre, e editou uma obra: "Augsburgische Sammlung derer wegen des höchstbetrübten Untergangs der Stadt Lissabon", etc. que contém, além de varios mapas e vistas das cidades de Portugal, Espanha e outras, algumas gravuras que haviam sido publicadas sobre o terremoto de 1755, sucedido em Lisboa e noutras terras.

Lisboa, Terremoto de 1755, ex voto dedicado a Nossa Senhora da Estrela.
Imagem: Museu da Cidade de Lisboa

A medalhística também foi enriquecida com algumas medalhas cunhadas com vistas em baixo relevo da cidade a desmoronar e a incendiar-se durante o terremoto.

Apenas um artista português é que, sobre o terremoto de Lisboa, produziu uma vista iconográfica: consiste ela num quadro a óleo, devido ao pincel de João Armando Glama Ströberle, e representa uma cena de desolação junto às ruinas da desaparecida Igreja de Santa Catarina. Está no Museu de Arte Antiga.

Alegoria ao Terremoto de 1755, João Glama Strobërle (1708–1792).
Imagem: Wikipédia

Quanto ao terremoto de 1755, e à descrição dos lugares e estragos por ele provocados, mencionaremos a Panorâmica de Lisboa em 1763 de Bernardo de Caula, conforme abordagem que fizemos em janeiro de 2015.

Vista e perspectiva da Barra Costa e Cidade de Lisboa (detalhe),  Bernardo de Caula, 1763.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

c) — "O atentado contra D. José e a Execução dos indigitados criminosos" foi objecto de várias gravuras em cobre, nacionais e estrangeiras.

"Desta forma morreram justiçados...", retrato simbólico do acto da execução dos Távoras.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

d) — O "Monumento de D. José e a Praça do Comércio", onde ele foi erigido, também desde antes da sua inauguração serviram de assunto para gravadores.

Alçado lateral do projecto da estátua equestre de D. José I.
Eugénio dos Santos e Carvalho.
Imagem: ComJeitoeArte

A primeira gravura do monumento foi aberta em cobre para uma estampa não assinada, que serviu de modelo para o desenho estampado nos aparelhos de louça que o Marquês de Pombal mandou fazer na China para servirem no banquete que se efectuou por ocasião da inauguração do monumento.

Pouco depois foram gravadas duas estampas da Praça com o Monumento, devidas ao buril de Gaspar Fróis Machado, que foram reproduzidas por artistas anónimos no mesmo século.

Praça do Comércio, projecto Eugénio dos Santos, gravura de Fróis Machado (?), século XVIII, reprodução anacrónica.
Imagem: Bic Laranja

A Joaquim Carneiro da Silva se deve uma gravura da "Estátua Equestre de D. José", depois reproduzida, em menor escala, por Gaspar Fróis Machado, que também gravou uma "Vista da Torre de Belém, P.° Lx.a" em 1783.

Em 1767 foi pintado pelos pintores franceses L. Michel Vanloo e C. Joseph Vernet um quadro a óleo, comemorativo dos principais actos da administração do Marquês de Pombal, com o retrato do mesmo.

Marquês de Pombal, Louis-Michel van Loo e Claude-Joseph Vernet, 1767.
Imagem: Oeiras com História

Esta excelente pintura esteve no palácio dos Marqueses de Pombal em Oeiras, e acha-se hoje numa sala da Câmara Municipal da mesma vila.

Foi objecto de uma gravura de J. Beauvarlet, sobre desenho de A. J. Padrão e J. S. Carpinetti., em 1767, mais tarde reproduzida em vários formatos e por quase todos os processos conhecidos.

Nesta segunda metade do século ainda a maioria dos artistas que tomaram a cidade de Lisboa ou os seus edifícios para assunto dos seus trabalhos eram estrangeiros, e pouco mais de meia dúzia de nomes de nacionais se podem mencionar.

No último quartel do século XVIII, ainda como consequência do impulso dado pelo Marquês de Pombal a todos os ramos de ensino, originou-se em Portugal uma nova renascença artística.

Do estrangeiro vieram artistas arquitectos, escultores, gravadores; artistas portugueses foram estudar a Itália; e deste intercâmbio resultou uma maravilhosa criação de artistas nacionais.

Os pintores Domingos António de Sequeira (1768-1837), Francisco Vieira Portuense (1765-1805) e João Glama Ströberle (1708-1792) [v. acima], os gravadores Joaquim Carneiro da Silva (1727-1818), Gaspar Fróis Machado (1759-1796) e Francisco Vieira Lusitano, o arquitecto José da Costa e Silva, os escultores Joaquim Machado de Castro e João José de Aguiar, e tantos outros, podem pôr-se em confronto com os melhores que havia no estrangeiro.

Sopa de Arroios, população portuguesa deslocada durante a Guerra Peninsular, 1813,
des. Domingos António de Sequeira,  grav. Gregório Francisco de Queiroz.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

A estes artistas devemos acrescentar o nome de Francesco Bartolozzi [1728-1815], que gravou em cobre uma estampa alusiva ao epicurismo, tendo ao fundo o Aqueduto das Águas Livres. No século XIX há outras estampas deste artista sobre assuntos olisiponenses.

Embarque do principe regente de Portugal com toda a Familia Real em 27 de novembro às 11 horas da manhã [1807],
des. Henri L' Évêque (1769-1832), grav. Francesco Bartolozzi (1728-1815).
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

No que respeita, porém, a estampas de Lisboa, poucas, mas excelentes, se produziram no final do referido século, tanto nacionais como estrangeiras. (1)


(1) Vieira da Siva, Augusto, Iconografia de Lisboa, Revista Municipal n.° 32, Câmara Municipal de Lisboa, 1947
 
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