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quarta-feira, 30 de abril de 2014

O primeiro de maio

A reivindicação das oito horas de trabalho era o eixo fundamental daquela greve em 1886.

O pior aconteceu a 4 de Maio, em Haymarket Square quando explodiram várias bombas, numa altura em que estavam reunidas 15000 pessoas.

Anúncio da manifestação em Haymarket, 1886
Fonte: Haymarket Riots

Morreram 38 operários, 115 ficaram feridos, um polícia morreu e 70 ficaram feridos.

As perseguições contra anarquistas iniciadas pelo comissário Michael Schaack não se fizeram esperar.

Os nomes de August Spies, Michael Schwab, Oscar Neebe, Adolf Fischer, Louis Lingg, George Engel, Samuel Fielden e Albert Parsons passaram a ser notícia de primeira página.

A 11 de Novembro de 1887 era executada a sentença contra os condenados à morte. Spies, Parsons, Fischer e Engel foram enforcados.

Lingg suicidou-se no dia anterior. Os outros acusados sofreram nas prisões durante vários anos.

Para a memória ficaram os discursos que os acusados proferiram no tribunal.

... para o movimento operário internacional, a data do Primeiro de Maio converteu-se num dia de comemoração para recordar os “Mártires de Chicago” e para reivindicar a jornada de oito horas de trabalho. (1)

Il quarto stato, Giuseppe Pellizza da Volpedo, 1901
Imagem: Museo del Novecento

No dia 23 de abril de 1919, o Senado francês ratificou as 8 horas de trabalho e proclamou o dia 1.º de maio como feriado, e um anos depois a Rússia fez o mesmo.

No calendário litúrgico celebra-se a memória de São José Operário por tratar-se do santo padroeiro dos trabalhadores.

Em Portugal, os trabalhadores assinalaram o 1.º de Maio logo em 1890, o primeiro ano da sua realização internacional.

Mas as ações do Dia do Trabalhador limitavam-se inicialmente a alguns piqueniques de confraternização, com discursos pelo meio, e a algumas romagens aos cemitérios em homenagem aos operários e ativistas caídos na luta pelos seus direitos laborais.

Com as alterações qualitativas assumidas pelo sindicalismo português no fim da Monarquia, ao longo da I República transformou-se num sindicalismo reivindicativo, consolidado e ampliado.

O 1.º de Maio adquiriu também características de ação de massas.

Até que, em 1919, após algumas das mais gloriosas lutas do sindicalismo e dos trabalhadores portugueses, foi conquistada e consagrada na lei a jornada de oito horas para os trabalhadores do comércio e da indústria.

Mesmo no Estado Novo, os portugueses souberam tornear os obstáculos do regime à expressão das liberdades.


Diário de Lisboa, edição mensal, maio de 1933
Imagem: Hemeroteca Digital

Em Lisboa, tranquilidade.

A nota oficiosa do dia emanada do Governo diz:

"O dia 1.° de Maio decorreu com absoluta tranquilidade em todo o país.

Apenas em Lisboa, cêrca das 17 horas no Largo do Chafariz de Dentro, explodiu uma bomba de choque, não causando ferimentos.

A polícia efectuaou, por este motivo, a prisão de alguns indivíduos suspeitos.

Todas as classes trabalharam normalmente."

Não houve greves, e em todo o país tudo decorreu em sossêgo.

Diário de Lisboa, edição mensal, maio de 1933
Imagem: Hemeroteca Digital

As greves e as manifestações realizadas em 1962, um ano após o início da guerra colonial em Angola, são provavelmente as mais relevantes e carregadas de simbolismo.

Nesse período, apesar das proibições e da repressão, houve manifestações dos pescadores, dos corticeiros, dos telefonistas, dos bancários, dos trabalhadores da Carris e da CUF.

No dia 1 de Maio, em Lisboa, manifestaram-se 100 000 pessoas, no Porto 20 000 e em Setúbal, 5000.

Ficarão como marco indelével na história do operariado português, as revoltas dos assalariados agrícolas dos campos do Alentejo, que tiveram o seu grande impulso no 1.º de Maio de 62.

Mais de 200 mil operários agrícolas que até então trabalhavam de sol a sol, participaram nas greves realizadas e impuseram aos agrários e ao governo de Salazar a jornada de oito horas de trabalho diário.

Claro que o o 1.º de Maio mais extraordinário realizado até hoje, em Portugal, com direito a destaque certo na história, foi o que se realizou oito dias depois do 25 de Abril de 1974. (2)

Almada, 1 de maio, Vitor Soeiro, 1974
Imagem: Cibersul
Almada, 1 de maio, Vitor Soeiro, 1974
Imagem: Cibersul


(1) Basterra, Mauricio, CNT, Confederación Nacional del Trabajo, traduzido em Portal Anarquista

(2) euronews

 

terça-feira, 29 de abril de 2014

Castelo de imagens e fantasia

As Aventuras de Paio Peres começaram a ser publicadas no jornal Outra Banda, do Seixal, em 27 de Fevereiro de 1992...

A história foi suspensa na 19ª prancha em 30 de Outubro de 1992, quando terminámos a colaboração no Outra Banda...

Castelo de Almada
Imagem: Borges, Victor, As Aventuras de Paio Peres

Original ... segundo as indicações do arqueólogo Dr. Luís Barros, então director do Centro de Arqueologia de Almada. 

O esquiço teve por base gravuras antigas de Almada e na planta que representa o Castelo de Almada antes do terramoto de 1775, publicada na revista Almadan nº2, 2ª série. 

O Arquitecto Salvador Neto fez o favor de transformar os esboços da reconstituição (e fiz uma dezena deles) em "realidade virtual" através da maquetização em Auto Cad e 3D-Studio, em 1994.

Respondo, com esta informação, a um comentário de Luíz Beira sobre a "pouco fidedigna" reconstituição do castelo de Almada apresentada nesta imagem... (1)

Vista nascente tomada do castelo de Almada
Imagem: Borges, Victor, As Aventuras de Paio Peres

Existe uma gravura, com uma vista de Lisboa, anterior a terramoto de 1755, onde o castelo é observado de um ponto imaginário do lado sul.

No entanto o castelo desenhado é pura fantasia.

É representado como uma fortaleza medieval típica, aspecto que desde há muito não tinha, pois a gravura deve datar dos séculos XVII-XVIII.

O autor suprimiu toda a construção à roda do castelo, excepção de uma igreja que, pela orientação do portal e implantação, se deve tomar igualmente como fantasia. (2)

Vista de Lisboa tomada de Almada, século XVIII
Imagem: Museu da Cidade de Lisboa

A Peregrinação de Childe Harold narra as viagens e os amores de um herói desencantado, ao mesmo tempo em que descreve a natureza dos países da região do Mediterrâneo. 

Os primeiros dois cantos do livro contemplam as viagens feitas por Byron pela Espanha, Portugal, Albânia e Grécia, entre outros países. 

O terceiro canto, escrito 6 anos depois, na Suíça, traz as auto-reflexões que caracterizam o "herói byroniano". (3)

Vista de Lisboa tomada de Almada
Imagem: Byron, George Gordon, Childe Harold's Pilgrimage..., London, John Murray, 1869


(1)
Dias
, J. Machado (argumento), Borges, Victor (desenhos), As Aventuras de Paio Peres, O Espião

Dias, J. Machado (argumento), Borges, Victor (desenhos), As Aventuras de Paio Peres, Missão em Al-Mahadan

(2) Pereira de Sousa, R. H., Fortalezas de Almada e seu termo, Almada, Arquivo Histórico da Câmara Municipal, 1981, 192 págs.

(3) A Peregrinação de Childe Harold, Revista Superinteressante, Agosto, 2005

segunda-feira, 28 de abril de 2014

O concelho de Almada

Depois da concessão do foral, [por D. Sancho I em 1190, Almada] passou a concelho independente com os seus magistrados próprios como é natural.

El Atlas del Rey Planeta (detalhe), Pedro Teixeira, 1634
Imagem: La descripción de España y de las costas y puertos de sus reinos

As suas confrontações primitivas eram: ao norte, o rio Tejo; ao sul, o concelho de Sesimbra; a oeste o oceano Atlântico, e a leste os rios Tejo e Coina.

Descripcion del reyno de Portugal (detalhe), Pedro Teixeira, 1662
Imagem: Biblioteca Nacional de España

Em 1350, como do concelho de Sesimbra se desanexou Vila Nogueira de Azeitão e outras freguesias, para formarem o concelho de Azeitão, ficou Almada sendo limitada ao sul por Sesimbra e Azeitão.

Sabemos que as freguesias de N. Sra. da Anunciação [sic, leia-se Assunção] do Castelo e de S. Tiago de Almada são muito antigas.

Presumimos que, para além destas, existam já também as freguesias de  N. Sra. da Graça de Corroios e N. Sra. da Conceição [sic, leia-se Consolação] de Arrentela.

Arrentela, vista geral, Jorge Almeida Lima, 1886
Imagem: Representações do Seixal e da Época no Olhar de Jorge Almeida Lima

Em 1472, à custa da freguesia da N. Sra. da Assunção, formou-se a freguesia de N. Sra. do Monte de Caparica.

Desde 1472 até 1724, ficou constituído o nosso concelho com as seguintes freguesias:
  • N. Sra. da Assunção do Castelo de Almada (também conhecida pela invocação de Santa Maria do Castelo de Almada);
  • S. Tiago de Almada;
  • N. Sra. do Monte de Caparica;
  • N. Sra. da Graça de Corroios;
    N. Sra. da Graça de Corroios (parece que desta freguesia fazia parte N. Sra. de Monte Sião de Amora que depois teria passado a ser freguesia);
  • N. Sra. da Consolação de Arrentela.

Por provisão do Cardeal Patriarca de Lisboa, D Tomás de Almeida, em 28 de Junho de 1734, foi desanexado da Arrentela o lugar do Seixal, que ficou constituindo uma paróquia sob a invocação de N. Sra. da Conceição.

Seixal, lado do nascente, Jorge Almeida Lima, 1886
Imagem: Representações do Seixal e da Época no Olhar de Jorge Almeida Lima

Da mesma foi também desanexado o lugar, depois freguesia, denominado Aldeia de Paio Pires.

Aparece-nos por estes tempos também a freguesia da Amora.

Vista da Amora, Tomás da Anunciação, 1852
Imagem: MNAC (museu do Chiado)

Almada foi assim uma grande circuncrição territorial que se manteve até 1834 com estas oito freguesias:
  • N. Sra. da Assunção,
  • S. Tiago,
  • Caparica,
  • Amora,
  • Corroios,
  • Arrentela,
  • Seixal,
  • e Aldeia de Paio Pires.

Moinho de maré de Corroios
Imagem: Pimentel, Alberto, A Estremadura portuguesa

Começa então a decadência.

Em Novembro de 1834, a freguesia de N. Sra. da Assunção foi anexada à de S. Tiago.

Em 6 de Novembro de 1836 foi constituído o concelho de Seixal, à custa do de Almada.

Aquele ficou com as Freguesias de Amora, Corroios (que estava anexado a Amora, sendo depois desanexado), Arrentela, Seixal e Aldeia de Paio Pires.

Almada conservou apenas as freguesias de S. Tiago e de Caparica.

Em 1895 foi extinto o concelho do Seixal, passando para o de Almada a freguesia de Amora (de que já fazia parte a de Corroios) [as outras freguesias, Arrentela, Seixal e Aldeia de Paio Pires, passaram para o concelho do Barreiro, tendo, em 1898, voltado para o concelho do Seixal].

Mas logo por decreto de 13 de Janeiro de 1898 foi criado de novo o concelho do Seixal, perdendo Almada mais uma vez a freguesia de Amora.

Almada fazia parte do distrito de Lisboa, mas passou a pertencer ao de Setúbal, quando este foi criado em 23 de Dezembro de 1926.

Mais tarde, em 7 de Fevereiro de 1928 (por Decreto n.° 15.004, publicado no Diário do Governo de 10 de Fevereiro de 1928), foi desanexada da freguesia de S. Tiago a freguesia da Cova da Piedade;

Limites da freguesia da Cova da Piedade
Imagem: Diário do Governo de 10 de Fevereiro de 1928

e, da freguesia do Monte de Caparica, a da Trafaria [criada pelo decreto n.º 12 432 de 7 de Outubro de 1926].

Trafaria (Portugal), Vista geral e rio Tejo, ed. Martins/Martins & Silva, 28, década de 1900
Imagem: Delcampe

Quanto à Costa da Caparica, essa torna-se freguesia pelo  Decreto n.° 37.301, publicado no Diário do Governo de 12 de Fevereiro de 1949. (1)

Costa da Caparica, Mário Novais, 1946
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian


(1) Correia, Romeu, Homens e Mulheres vinculados às terras de Almada, (nas Artes, nas Letras e nas Ciências), Almada, Câmara Municipal de Almada, 1978, 316 págs.

domingo, 20 de abril de 2014

O Domingo no Tejo

Aos Domingos a Lisboa que durante uma longa semana, mourejou  na fábricas, nas oficinas, nos estabelecimentos de comercio, procura sempre que póde, e principalmente quando chega o Verão, com os seus dias grandes e belos desencalmar-se nos suburbios, encher os pulmões de ar tonificante, deliciar-se na contemplação sonhadora dos extensos horisontes e refazer as energias que o contacto com a natureza apura e exalta... (1)


(1) Ilustração Portuguesa, 1911 (?) Lisboa, Empreza do Jornal O Seculo, 1903-
Fonte: Olhai Lisboa 


sábado, 19 de abril de 2014

Cacilhas vista do Tejo, em 1847

Cacilhas vista do Tejo, gravura xilográfica, João Pedroso, 1846
Imagem: revista O Panorama, n° 18, 1847 [*]

Lisboa é abastecida de todos os generos, precisos para as principaes necessidades e tambem para o regalo e commodos da subsistencia da sua grande população, não só pelo fertil territorio adjacente, que fica ao norte do Tejo, como pelo da margem fronteira, abundante em fructos de toda a casta,  vinhos excellentes, lenhas. caças e outros muitos objectos que concorrem ao consumo immenso da capital.

A outra-banda, como usualmente nomeamos a parte ao sul do Tejo mais directamente opposta à cidade, é uma das vastissimas quintas de Lisboa, um dos seus recreativos passeios domingueiros, que offerece a variedade do transito pelo rio. e das excursões terra dentro pelo meio de fazendas deleitosas ou pela crista das alturas d'onle se desfructam extensas e mui picturescas vistas já de pais, já da cidade.

Campeia sobre esta margem. atalaia da capital por este lado, a mui antiga villa de Almada, cujo porto é o pequeno logar de Cacilhas.

Extravagantes etymologias teem alguns marcado àquelle nome ; o certo é que deriva de origem radicalmente arabica : al maden significa a mina : tal nome provem das minas d'ouro que d'esta banda se exploravam desde tempos muito remotos, entre outras a da Adiça, lavrada já no começo da monarchia.

Os arabes, grandes prescrutadores das riquezas mineralogicas, lhe deram esta denominação, que com mais certeza procede d'aquellas palavras de que da causa que lhe assigna Ebn Edrisi, que escreveu pelos annos de 1151 a 1153, o qual, fallando do castello de Almada, que signillca castello da mina, diz que assim se chama por causa do ouro que para alli acarreta o mar quando anda bravo.

D'esta asserção do geographo arabe o mais que pode inferir-se é que n’aquella praia se achavam palhetas d'ouro, como nas areias do Zezere e do Alva, justificando de algum modo a fama de aurifero, de que já em tempo dos romanos gozava o Tejo : a verdadeira razão explica-a o sabio naturalista José Bonifacio de Andrada e Silva, na Memoria sobre a nova mina d'ouro da outra banda do Tejo — " ... posteriores e mais miudas observações me tem convencido que este ouro não vem de fóra, mas se acha mais ou menos disseminado nas formações alluviaes d'aquelle terreno, o qual foi formado das ruinas e detritos de montes e vieiros auriferos, ou distantes ou visinhos, que as antigas inundações do oceano ou de grandes lagos e rios internos causaram em diversos tempos.

É provavel que polo andar dos seculos as chuvas, penetrando as camadas, desmoronando as barreiras oabrindo canaesinhos, lavassem as terras e ajunctassem o ouro, e o fossem depondo nos baixos e sitios mais azados da costa, onde as ondas lavam e apuram as suas particulas disseminadas.

Querendo verificar esta suspeita que tive logo que pela primcira vez examinei o local e a natureza da formação, mandei no mez de abril passado (1815) trabalhar de novo em alguns sitios já lavrados no estio antecedente.

Desde 16 de abril até 6 do corrente mez de maio. o ouro que temos recolhido d’aquella mina foi todo tirado das antigas catas, que o mar do novo enchéra revolvendo e lavando repetidas vezes as areias e as terras desmoronadas das faldas da Barreira.

Verdade é que a camada aurifera que se formou de novo não tem por ora mais do que um palmo de grossura ; e o palmo cubico só rende um grão d'ouro; todavia, em tres semanas em que so não poude abrir em sitio virgem catas mais rendosas, pela falta de agua e outros embaraqos locaes que já estão vencidos, deu esta segunda colheita 416 oitavas, on 6 marcos e 4 onças de excellente ouro em pó e amalgamado. — Assim, se por um lado as ondas do mar embravecido sobre a immensa praia desabrigada contrariam muitas vezes os nossos trabaihos mineraes, por outro é o oceano au mesmo tempo um valentissimo e excellente operario,que ajuncta e deposita as fagulhas sem conto do ouro derramado, e as lava a apura sobre as rampas da praia, que lhe servem então de optimo bolinete ou lavadouro de concentração, quando acha base firme, qual é o salão ou greda já descripta." — Todo o contexto d'este Memoria é de muita curiosidade e instrucção.

O castelo de Almada é, como vimos, do tempo do dominio sarracano ;  contam porém os nossos historiadores que a villa foi povoada por cavalleiros inglezes que vieram e este reino na armada do norte de Guilherme da Longa Espada, e auxiliaram com seus companheiros o nosso primeiro rei na conquista de Lisboa.

No tomo 3.° da Monarchia Lusitana vê-se approveitada esta circumstancia para crear uma falsa etymologia do nome da villa.

Teve o seu primeiro foral d'el rei D. Sancho I, que d'ella fez doação aos cavalleiros da ordem de Santiago, pelos annos de 1187 : el rei D. Diniz a incorporou na corôa, dando em troca aquella ordem as villas de Almodovar e Ourique em Alemtejo, com os castellos de Marachique e Aljezur.

É de notar que no regimen absoluto, era a unica villa que a corôa tinha no Ribatejo, pelo que ainda no meado do seculo passado constituiu com o seu termo comarca de per si, separada das que então eram confinantes, Azeitão e Setubal.

Segundo se lê na Geographia de Rego, tom. 1.° pág. 116 ; posteriormente o provedor  e ouvidor de Setubal era conjunctamente corregedor d'Almada, não entrando esta villa na provedoria, que abrangia vinte villas : a correição de Almada comprehendia também as de Azeitão, Lavradio, Moita, Camora Correia, S. Thiago de cacem, Cezimbra e Torrão.

O extincto logar de juiz de fóra foi creado em 1686.

Na mui levantada eminencia, fóra da villa, d'onde se avista um magestoso amphitheato de edificios da capital, tendo na raiz o Tejo animado pelo movimento marítimo, está assentado o convento da invocação de S. Paulo que foi da ordem dominicana, fundação do muito lettrado padre Fr. Francisco Foreiro, confessor dos reis D. João III e D. Sebastião.

A distancia de uma legua da villa ficava tambem o couvento de religiosos de S.Paulo eremita, com o titulo de Nossa Senhora da Rosa, e o mencionámos porque diz o padre Carvalho em sua Corographia qua na cerca há uma fonte de  aguas saluliferas para curar a lepra, e assim o cita o doutor Fonseca Henriques no Aquilegio Medicinal. 


Este ultimo auctor tambem refere que a fonte do Alfeite, chamada a Biquinha, é excellente para os achaques de padra e areias da bexiga, e que por isso era de varias pessoas de fóra procurada : já o mesmo se lia na Descripção de Portugal de Nunes de Lião.

A bem conhccida Fonte da Pipa, á beira do Tejo, é notavel pela copia d'agua, perenne em todos os tempos, fornecendo provimento facil de aguadas aos numerosos navios que demandam o porto de Lisboa.

Foi natural de almada o nosso escriptor Diogo Paiva d'Andrade sobrinho, distincto em poesia latina, obras moraes e critica historica.

Offerecemos uma vista da pequenina abra ou calheta do logar de Cacilhas, tomada do barco de vapor que para alli faz constante carreira diaria.

[*] Seja-nos permittida, por esta occasião, uma breve observação: — Todas as gravuras que temos estampado n'esta segunda ephoca são do buril do Sr. Baptista Coelho sobre desenhos do Sr. Bordalo Pinheiro, aos quaes o publico já tem feito em seus elogios a merecida justiça pelos bem acabados trabalhos que illustraram muitas paginas das primeiras series do jornal: repetimos, todas estas gravuras são devidas aquelles senhores, posto que muitas sejam copias de desenhos de jornaes, e outras obras estrangeiras — nenhuma procede de cliché vindo de fóra, e os originaes em madeira podem ver-se na typographia onde imprimimos.

Porém, a que vae na frente deste numero é obra de um joven, assaz digno de louvor pela sua applicação;revela porém uma certa falta de estylo de gravar e de certa animação, se nos é lícito exprimir-nos assim, que á primeira vista, não aparece nas outras, para as quaes póde esta servir de termo de comparação : também n'este ramo ha eschola, a eschola moderna com o seu estylo, mimo e perfeição particulares ; o joven artista dá esperanças de que poderá bem aproveitar-se d'ella. (1)


(1) O Panorama, n° 18, vol. IX, Lisboa, Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Úteis, 1847.
Fonte: Hemeroteca Digital 

terça-feira, 15 de abril de 2014

Decauville Cacilhas Lazareto em 1894

Foi pedida pelo sr. Garland a concessão de uma linha ferrea de via reduzida, 60 centimetros, systema Decauville, entre Cacilhas e Lazaretto,

Cacilhas (Portugal), Largo do Costa Pinto, ed. Martins/Martins & Silva, 18, década de 1900
Imagem: Delcampe

com uma estação na Piedade e paragens nos pontos de cruzamento de localidades intermédias, como Caramujo, Mutela etc.

A construção entre Cacilhas e Piedade, 3 kilometros, começará assim que o projecto seja aprovado.

Aqui está uma linha que promette ter um bello rendimento. (1)

Rua Direita — Cacilhas, ed. desc., década de 1900
Imagem: Delcampe, Oliveira

[Paragens propostas:] largo Costa Pinto [actual Largo Alfredo Diniz], rua Direita [actual rua Cândido dos Reis], rua da Oliveira [actual rua Cmdt. António Feio],

Vila Brandão, azinhaga da Margueira, actual rua Liberato Teles, Hélio Quartim, 1976
Imagem: Museu da Cidade de Almada

estrada de Mutela [actuais ruas D. Sancho I e Manuel Febrero],

Rua Manuel Febrero, largo da Mutela (designação não oficial)
Imagem: ed. desc.


Tramway Decauville de Royan
Imagem: Delcampe

largo da Piedade [largo 5 de Outubro], rua do Tenente Valadim,

Cova da Piedade, Largo 5 de Outubro e rua Tenente Valadim
Imagem: ed. desc.

rua da Romeira [rua Francisco Ferrer],

As cheias na Cova da Piedade, rua Francisco Ferrer, 1945
Imagem: Flores, Alexandre M., Almada antiga e moderna, roteiro iconográfico, Freguesia da Cova da Piedade

e largo da Romeira. (2)

Romeira, Lavadeiras no Rio das Rãs, início do século XX
Imagem: Flores, Alexandre M., Almada antiga e moderna, roteiro iconográfico, Freguesia da Cova da Piedade

O caminho de ferro Decauville foi uma das atracções da Exposição Universal de Paris em 1889.

O percurso, aqui feito, do Largo de Cacilhas ao Largo da Romeira, passou por locais cuja toponímia foi mudando ao longo do tempo.

O comboio de 1894, nunca chegou ao Lazareto. Nem à Piedade, nem a lado algum.

Em 1960, sessenta e seis anos depois, o sistema Decauville destinado ao transporte de passageiros reaparecia no concelho com a inauguração do Transpraia, na Costa da Caparica.


(1)
Pedido de concessão de linha, Gazeta dos Caminhos de Ferro, 16 de Agosto de 1894
Imagem: Hemeroteca Digital

(2) Pereira, Hugo José Silveira da Silva, A política ferroviária nacional, anexo 26, Porto, Faculdade de Letras, 2012

Uma elegante caçada ás raposas, em 1916

A équipe Saint-Hubert, organizada por senhoras e cavalheiros da primeira sociedade de Lisboa, que levaram o seu entusiasmo pelas caçadas até ao ponto de mandarem vir de Inglaterra um pratico para dirigir as suas diversões com todo o aparato que requerem, realisou mais uma das suas batidas, para o que escolheram os extensos pinheiraes proximos da Charneca de Caparica. (1)


(1) Ilustração Portuguesa, n° 523 II série, Lisboa, Chaves, José Joubert, 1903 -.
Fonte: Hemeroteca Digital 


segunda-feira, 14 de abril de 2014

Trafaria em 1865

Se nunca foste à Trafaria, não ficarás de certo muito adiantado ácerca d’ella pelo que eu te disser a seu respeito, que bem pouco será.

Vista da Trafaria — Saída da barca Martinho de Mello, João Pedroso, gravura
Imagem: Archivo Pittoresco, vol. X, 1867

Pobre povoação de pescadores, onde, como em todas as da beira-mar, o rapazio accusa uma fecundidade genésica diversamente explicada, nada apresenta notavel que provoque a attenção do viajante.

Pobre e modesta como é, está, comtudo, muito mais adiantada em construcções, hygiene publica e policia municipal, do que uma colónia que possuímos ha séculos, e de que no decorrer d’estas cartas terei occasião de te fallar. 

Trafaria, Vista do Largo da Egreja, ed. Manuel Henriques, década de 1900
Imagem: José Matos

Da Trafaria ficou-me gravado na memoria um bello typo de homem, uma excellente cabeça, digna de ser reproduzida na téla pelo pincel de Rubens ou de Van Dyck.

Quando, cercados por numeroso bando de rapazes, percorriamos as ruas da povoação e a punhamos em alvoroço pela estranheza que a grande parte d’aquella pobre gente causava o nosso uniforme, tratámos de indagar se haveria um botequim, uma botica, ou outra qualquer casa accessivel em que podessemos entrar.

D’entre os rapazes, um, que se arvorou em guia, prometteu conduzir-nos á loja do Francisco Parola.

Depois de andarmos ao longo de duas ou três viellas, deparou-se-nos n’uma esquina uma casa de venda, escura e acanhada, diante da qual o nosso guia, parando, exclamou: "É aqui".

Trafaria, Rua 5 de Outubro
Imagem: Fundação Portimagem

O nosso desapontamento foi grande; o rapaz tinha-nos supposto provavelmente subditos de sua magestade britannica: estavamos á porta de uma taberna!

Quando nos dispunhamos a retribuir o equivoco com alguns sopapos, e a retirar-nos, saiu á porta saudando-nos, de barrete azul na mão, o dono da casa, ancião respeitável, de cabellos nevados fluctuando-lhe sobre a testa rasgada e alta, onde as rugas venerandas da edade, desenhadas em dois sulcos perfeitamente parallelos, imprimiam um cunho de magestade que nos impressionou.

Aquella cabeça elegante, e erguida a prumo, apesar dos annos, sobre os hombros largos e ainda robustos; o ar ao mesmo tempo severo e prazenteiro com que o homem se nos apresentou, inspiravam, de certo, um bello vulto de Daniel a um pintor privilegiado.

Tinha sido marinheiro o bom do velho, e a sua sympathia pela gente do mar o trouxe á porta a comprimentar-nos logo que viu o nosso uniforme.

Com que enthusiasmo nos fallou das suas viagens de cabos a dentro!

Era uma chronica maritima. 

Falleceu-nos, porém, o tempo para conversarmos á vontade com elle.

Despedimo-nos saudosos de Francisco Parola, que, ao dar-nos a boa viagem, nos declarou que mesmo assim, alquebrado pelos annos, ainda de sentia com animo para subir á verga a rizar uma gavia debaixo de tempo. (1)

Torre do Bugio na Barra de Lisboa, João Pedroso, gravura
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal


(1) Lacerda, João de, Recordações de viagem, Cartas ao meu amigo Xavier da Cunha, Archivo Pittoresco, vol. X, 1867, págs 244-246.
Fonte: Histórias Almadenses

sábado, 12 de abril de 2014

A ribeira do arrabalde descontra Coina

Fernão Lopes
Excertos publicados da Crónica de el-rei D. João I:

  1. O cerco castelhano de 1384
  2. O Meijão Frio
  3. A ribeira do arrabalde descontra Coina

Então se trigou Nuno Alvares de andar mais rijo, e, saindo o sol, chegou a um lugar que chamam a Sovereda, que é a cerca de uma légua de Almada, e vendo tão tarde, fallou aos seus, que andassem a trote e a galope, quanto as bestas os levar podessem, e elles o fizeram, de guisa que pareceu que toda a terra era já cercada e cobrida do sol, ainda elles chegaram a tempo, que muitos dos castellãos ainda jaziam nas camas, que mal prestou o somno da manhã.

Vista parcial do lado sul de Almada, Possidónio da Silva, 1863
Imagem: Revista pittoresca e descriptiva de Portugal

Portugal, Alfeite, Vista Geral, ed. desc., década de 1940
Imagem: Delcampe, Bosspostcard

O primeiro que ás barreiras chegou foi Nuno Alvares com três escudeiros, que á pressa deram por terra, e com estes entrou Nuno Alvares pela ribeira do arrebalde descontra Coina, dando-se ás lanças com alguns castellãos, que o embargar queriam, depois chegou logo a sua bandeira, que vinha muito perto, com todos aqueles que a guardavam, e tomaram a rua direita que vai contra Cacilhas, fazendo cada um o melhor que podia.


Prédio Queimado, Tenda Moderna, Almada
Imagem: Delcampe, Oliveira

A bandeira de Nuno Alvares chegou bem acompanhada até à porta do castelo, cuidando de a achar aberta como levavam divisado, mas os do castelo cerraram as portas, recolhendo primeiro lá dentro aqueles que puderam; dos restantes, alguns deles lançavam-se na barbacã, e outros pelas barreiras, cada um como melhor podia. (1)

Vista do castelo de Almada e de Lisboa, 1663 (detalhe)
Imagem: MALLET, Alain Manesson, Les Travaux de Mars, ou l'art de la guerre


[Courelas,] sítio entre a Praça do Comércio e a Praça Gil Vicente, a sul da Pedreira.

Dava também o nome à azinhaga das Courelas (rua José Fontana e rua de Olivença), que no século XIX era conhecida popularmente por azinhaga do Mata Cães.

Almada, Mercado, ed. J. Lemos, 103, década de 1950
Imagem: Flores, Alexandre M., Almada antiga e moderna, roteiro iconográfico, Freguesia de Almada

É possível que esta saída fosse a saída da vila para sul, onde estaria a porta da cerca "descontra Coina", de que fala Fernão Lopes, dizendo que por ela entrou Nuno Álvares Pereira quando atacou a vila ocupada por castelhanos, em 1384.

No primeiro quartel do século XIX algumas da primeiras casas da azinhaga pertenciam ao Marquês de Castelo Melhor. (2)


(1) Lopes, Fernão, Chronica de el-rei D. João I, Vol. III, Cap. CXLVII, Lisboa, Escriptorio, Bibliotheca de clássicos portugueses, 1897-1898.

(2) Pereira de Sousa, R. H., Almada, Toponímia e História, Almada, Biblioteca Municipal, Câmara Municipal de Almada, 2003, 259 págs.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Construção naval tradicional no lugar da Mutela

Aproveitando a tradição do local para a prática da querenagem e as condições naturais de um baldio que existia junto à Quinta do Outeiro, uma das sete propriedades que a Casa do Infantado possuía no Alfeite, o industrial António José Sampaio instala um pequeno estaleiro nesse terreno junto ao salgado do rio, confinando a Sul com a referida Quinta do Outeiro, a Poente com a Romeira Velha, a Norte com o Caramujo e a Nascente com o rio Tejo.

Plano Hydrográfico do Porto de Lisboa (detalhe), 1847

Este estaleiro, vocacionado apenas para a construção de embarcações em madeira, encontrava-se em plena laboração em 1850.

Em 1855, o seu proprietário, por escritura notarial celebrada em Lisboa no dia 27 de Janeiro, toma de foro ao Conde de Mesquitela, um pedaço de terreno na praia da Mutela, junto à Margueira, para ali instalar uma caldeira em estacaria ou de pedra e cal, na extremidade da qual projectava construir duas rampas para querenagem de embarcações.

Alfeite, D. Carlos de Bragança, aguarela, 1891
Imagem: Museu Municipal de Coimbra, colecção Telo de Morais

Desconhecem-se por quanto tempo estas instalações se mantiveram na posse da família após a morte de António José Sampaio, tendo como certo que desde finais do século XIX, João Gomes Silvestre, conhecido por “João Marcela”, natural de Ovar, surge como proprietário do estaleiro da Mutela, partilhando a sua direcção com o irmão Bernardino Gomes Silvestre.

Em 1917, ainda na posse dos mesmos industriais, o estaleiro mantinha as mesmas confrontações do aforamento primitivo, apenas acrescido da serventia, para arrecadação de ferramentas, de um moinho de maré que era propriedade dos herdeiros dos Condes de Mesquitela, e se encontrava desactivado.

Estaleiros da Mutela, Carlos Pinto Ramos, aguarela, 1931
Imagem: Museu José Malhoa

Vista geral da Mutela, Mário Novais, década de 1930
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

O estaleiro dos “Silvestres” funcionou até 1947, ano em que teve lugar um processo de expropriações, tendo por objectivo a abertura do troço da Estrada Nacional n° 10, ligando Cacilhas à Cova da Piedade.

Vista aérea da variante à Estrada Nacional 10, zona da Mutela e da Margueira, 1958
Imagem: IGeoE

Com este estaleiro naval desapareceram muitos outros que se situavam nas imediações, como os de Manuel Caetano, Américo Cravidão, Francisco Cavaco, João Fialho, Joaquim Maria da Silva, ou Pedro Lopes e Serafim Matos, transferindo-se alguns para o concelho do Seixal enquanto outros simplesmente deram por terminada a sua actividade. (1)

Zona dos estaleiros da Mutela em 1941, Vitalino António
Imagem: Flores, Alexandre M., Almada antiga e moderna, roteiro iconográfico, Freguesia da Cova da Piedade

  1. Estaleiro e oficina do Peres
  2. Estaleiro do Pinhal, Zé dos ovos, Chico de Sezimbra
  3. Zona da represa para os toros de madeira estarem na água
  4. Muralha da Luíza da água
  5. Cais da fábrica Ramos (cortiça)
  6. Cais do Martins (vinhos)
  7. Cantinho da lapa onde os esgotos descarregavam na praia
  8. Fábrica da farinha
  9. Clínica António Elvas
  10. Estaleiro do João Marcelo (herdeiros), Manuel Lino, Cravidão (sócios)
  11. Moinho de maré (pertença da sociedade Manuel Lino) onde eram guardados os apetrechos náuticos
  12. Ferraria do João Vieira (João Ferreiro)
  13. Estaleiro da sociedade Manuel Caetano, Lázaro, Américo Cravidão
  14. Ferraria do Chouffer em brasa
  15. Zona de encalhe das embarcações para ficar em cima dos picadeiros (para raspar fundos e aplicar bréu)
  16. Estação de toros de madeira de Zé Cravidão (fornecimento dos estaleiros)
  17. Cavalariça do André
  18. Residência (barraca do Manel Preto) empregado do forno de cal
  19. Esplanada do liberdade
  20. Estaleiro do Chico Cavaco
  21. Estaleiro do Fialho (irmão do Chico Cavaco)
  22. Ferraria do Fialho
  23. Cais da fábrica Cabruja & Cabruja Lda. (cortiça)
  24. Estaleiro do Joaquim Picadeiro
  25. Estaleiro da sociedade Pedro, Serafim e Fernando
  26. Largo da Mutela
  27. Serração do Cereja (anteriormente Santo Amaro, Manuel Febrero)
  28. Taberna do Adelino Baeta
  29. Taberna da Emília da Praia 



(1) Grupo parlamentar do PCP, Deputados do, Cria o Museu Nacional da Indústria Naval, Lisboa, Parlamento, 2005, 19 págs.




Como conheci os irmãos Silvestre (Mestres “Marcelas”)

Conheci o Sr. João Marcela e o Sr. Bernardino em 1936, em Mutela, onde eram construtores de fragatas e barcos de madeira.


O João Gomes Silvestre era mestre carpinteiro de machado, e o mestre Bernardino Gomes Silvestre era calafate, tendo sido ambos construtores em Ovar, num estaleiro que tinham ali para os lados da Ribeira. Eu mesmo andei numa fragata, a "Sertória", construída por eles em Ovar, e lançada ao mar em 7/3/1907.

O mestre João era grande na estatura e grande nas obras que fazia. Tudo o que saía das suas mãos era perfeito.

O irmão, mestre Bernardino, era a mesma coisa. Vi-o a calafetar uma fragata com água pela cintura…

Havia vários estaleiros na Praia de Mutela, mas os dos Marcelas rivalizavam com todos: serviam uma clientela das melhores que havia, de que faziam parte alguns proprietários de fragatas naturais de Ovar.

Muita coisa boa poderia dizer destes dois gigantes e competentes fragateiros da minha terra, que Deus chamou ainda novos.

João Pinto Ramalhadeiro (*)


(*) Artigos do jornal João Semana Fragateiros de Ovar

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Na Cova da Piedade com António Avelino Amaro da Silva

Pinheiro dos Frades, Cova da Piedade, ed. desc.
Imagem: A árvore do centenário

Quem sae da quinta dos Frades, na Outra-Banda, e segue a estrada para o norte, vae ter a um lindo valle, a que chamam Cova da Piedade, ficando-lhe da esquerda, na correnteza das casas, aquella onde está a aula de instrucção primaria, e a taberna da tia Libania, e da direita a capella real de Nossa Senhora da Piedade, fundada em 1762, e que deu o nome ao valle e á povoação que n'elle existe.

Largo e Mercado, Cova da Piedade, ed. desc., década de 1900

Era este o caminho que n'uma manhã de março de 1831 seguia o contra-mestre de navios mercantes, Joaquim de Jesus, por alcunha Espanta-maridos, montado n'um jumento de aluguel, d'aquelles que a toda a hora se encontram na praia de Cacilhas, e seguido de um rapazinho de pé descalço.

Almada [Cova da Piedade], Uma Burricada, ed. Paulo Emílio Guedes & Saraiva, 14, década de 1900.
Imagem: Flores, Alexandre M., Almada antiga e moderna, roteiro iconográfico, Freguesia da Cova da Piedade, Almada, Câmara Municipal de Almada, 1990, 318 págs.

A alcunha foi-lhe posta por ter salvado uma pobre mulher, que o marido queria deitar da janella abaixo.

Gritava ella que lhe acudissem, e toda a gente em alaridos, sem o brutal marido desistir, até que os brados e a expressiva mimica de Joaquim de Jesus lhe fizeram largar a presa.

Entrada do Jardim, Cova da Piedade, ed. desc., década de 1900

Já se vê que o epitheto não era devido a motivos desfavoraveis para o contra-mestre. (1)


(1) Silva, Avelino Amaro da, O Caramujo, romance histórico original, pág. 1, Lisboa, Typographia Universal, 1863, 167 págs.
 


Ver artigo biográfico dedicado: António Avelino Amaro da Silva



António Avelino Amaro da Silva 

Não sei si nasceu no Brazil ou si naturalizára-se brazileiro, tendo seu berço em Portugal. Sendo piloto examinado pela escola naval portugueza, serviu alguns annos como agrimensor na cidade de Valença, provincia do Rio de Janeiro. Escreveu: — O caramujo: romance historico original. Rio de Janeiro, 1863, 
in Diccionario Bibliográfico Brasileiro PELO DOUTOR Augusto Victorino Alves Sacramento Natural da Bahia PRIMEIRO VOLUME, RIO DE JANEIRO, TYPOGRAPHIA NACIONAL 1883.

Aranha, Pedro Wenceslau de Brito, Factos e homens do meu tempo, memórias de um jornalista, Lisboa, A.M. Pereira, 1908, 1042 págs.

Notícia do falecimento de Avelino Amaro da Silva
Imagem: Tribuna Liberal, Domingo, 24 de Março de 1889