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terça-feira, 27 de maio de 2014

Freguesia de Caparica no século XIX

Caparica — freguezia, Exlremadura, comarca e concelho de Almada, 6 kilometros ao S. de Lisboa, 1:430 fogos. 

Em 1717 tinha 1:193 fogos.

Orago Nossa Senhora do Monte. 

Patriarchado e districto admintstrativo de Lisboa.

Situada na esquerda do Tejo, e d'ella se gosam deliciosas vistas.

Carta chorographica dos terrenos em volta de Lisboa, 1814.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

É n'esta freguezia a chamada Torre Velha, ou de S. Sebastião de Caparica, que serviu de lasarêto. Fica em frente da torre de S. Vicente, de Belém.

Foi mandada edificar por el-rei D. Sebastião, pelos annos dé 1575.

Torre Velha ou Torre de S. Sebastião da Caparica, Francisco de Alincourt, técnica mista, 1794.
Imagem: Instituto Geográfico do Exército

Principia a freguezia logo á entrada da barra do Tejo, que a banha na extensão de 12 kilometros, pelo N.: o Oceano lhe serve de termo pelo O., e na praia está a aldeia da Costa, d'esta freguezia.

A matriz é um bello templo, fundado nos fins do século XVI.

O terreno d'esta freguezia é em geral fertil e seu clima saudável. Antes do oidium produzia annualmente, termo médio, 6:500 pipas de bom vinho.

Na aldeia de Mofacem, d'esta freguezia ha 30 e tantas cisternas, todas magnificas e de dispendiosa construcção, obra dos árabes. 

Foram elles que deram a esta aldeia o noma de mo-hacem, que significa barbeiro.

Vè-se pois que esta povoação é muito antiga. Capa tambem é palavra arabe (que os mouros adoptaram dos persas) significa mesmo capa. (Capote é diminutivo de capa.)

Ha duas tradições sobre a etymologia de Caparica.

Uns dizem que morrendo aqui um velho, declarou no testamento que deixava a sua capa para ser vendida e com o producto da venda se fazer uma capella a Nossa Senhora do Monte. Fez isto rir bastante; mas sabidas as contas, a boa da capa estava recheiada de bellos dobrões de ouro, que chegaram de sobra para a fundação da capella.

A segunda versão (e mais verosimil) é que, sendo a Senhora do Monte, de muita devoção para estes povos limitrophes, concorreram todos para lhe fazerum esplendido manto (ou capa) pelo que a Senhora ficou d'álli em diante sendo conhecida por Nossa Senhora da Capa Rica.

Junto a Caparica está o convento de capuchos arrabidos, fundado por D. Lourenço Pires de Távora quarto senhor de Caparica, em 1564. Elle morreu em 15 de fevereiro de 1573, e jaz na egreja do mesmo convento.

Costa da Caparica, Convento dos capuchos antes da restauração, ed. Passaporte, 30, c. 1950
Imagem: Delcampe, Oliveira

Este fidalgo, sendo embaixador de Portugal em Hespanha, em uma occasião que o imperador Garlos V estava zangado com elle, lhe disse : "Eu sei muito bem quantos rios e pontes tem Portugal" ao que Tavora respondeu: "Os mesmos que linha em 14 de agosto de 1385." Digna resposta de um bravo portuguez.

Caparica foi antigamente da comarca de Setúbal.

D'esta freguezia se avista a serra da Arrabida, Palmella, o mar, o Tejo, Lisboa e outras muitas povoações, montes e valles.

Antes de 1834 era o povo da freguezia que apresentava o cura, a quem davam anualmente, 1 moio de pão meiado e 5 pipas de vinho em mosto, a saber: os que tinham liuna junta de bois davam nm alqueire de pão, os que tinham duas ou mais, dois alqueires, e cada fazendeiro um pote de vinho. Andava tudo por 250$000 réis.

Além do convento dos capuchos arrabidos, ha mais n'esta freguezia um convento de frades paulistas, fundado em 1410. Este mosteiro está em um profundo valle, e era denominado, convento de Nossa Senhora, da Rosa. Na sua cêrca ha uma fonte, cuja agua dizem que cura a lepra e outras moléstias cutaneas. Foi fundador d'este convento Mendo gomes de Seabra.

Outro de frades agostinhos descalços, fundado em 1677. Este é no logar da Sobrada [Sobreda].

Ha n'esta freguezia nada menos de 24 capellas, entre publicas e particulares.

É terra muito abundante de aguas.

Tem vários portos de mar, sendo os principaes, Benatega, Porto Brandão, Paulina, Portinho da Costa e Trafaria.

Enseada da Paulina, revista Branco e Negro n° 60, 1897 (ver artigo dedicado)
Imagem: Hemeroteca Digital

Benatega é a palavra árabe ben-ataija. Significa, filho ou descendente da coroada. Vem de ben filho, ou descendente e de ataija coroada.

No logar da Costa, d'esta freguezia esteve (julgo que em 1823 ou 1824 D. João VI, hospedando-se na única casa de pedra que alli então havia (todas as mais eram cabanas da palha) 

Bellas Artes, 15, Costa de Caparica, A. Roque Gameiro, 1909.
Imagem: Delcampe

e tanto gostou da caldeirada que alli lhe deram, que fez o cosinheiro (dono da casa) mestre das caldeiradas (!) com a renda de 800 réis diários emquanlo vivo.

Costa da Caparica, casa da coroa.
Imagem: almaDalmada

Também aqui esteve a sr.a D. Maria II e depois, quando rei, seu filho, o sempre chorado D. Pedro V. (1)

A Sobreda (antigamente Suvereda) está ligada com a Charneca pelos terrenos de Vale Figueira.

Costa da Caparica, Carta dos Arredores de Lisboa — 68 (detalhe), Corpo do Estado Maior, 1902.
Imagem: IGeoE

Lugar solitário, assente sobre alguns outeiros, que lhe fornecem ao centro o caminho principal, desigual e pedregoso, que lhe circundam a parte baixa, a que chamavam no final do século passado [XVII] Largo do Rio, em consequência da bica que em parte do ano ali corre e fornece água às lavadeiras, e do poço público que por volta de 1800 a 1830 no mesmo largo foi aberto a expensas de um cavaleiro daquele lugar, o Fidalguinho da Sobreda, Francisco de Paula Carneiro Zagalo e Melo.

E para fazermos segura ideia do que era Charneca antiga e de que então era Vale de Rosal, e a sua importância histórica, ouçamos o que em 1647 diz o Padre Baltazar Teles em sua Chronica da Companhia de Jesus em Portugal

— Tem o colégio de Santo Antão (uma das primeiras casas da companhia de Jesus em Lisboa) uma grande quinta ou para melhor dizer, uma vinha chamada Vale de Rosal, que está na banda d’além, no termo de Almada, limite de Caparica, na freguesia de Nossa Sra. Do Monte, distante do porto de Cacilhas quase uma boa légua.

O martírio dos 40, Mathaeus Greuter, gravura, 1611.
Louis de Richeome, La peinture spirituelle, Folger Shapespeare  University
Imagem:  Aspectos de devoção e iconografia dos Quarenta Mártires do Brasil...

Fica esta quinta no meio de uma grande e estendida charneca: é lugar todo à roda muito tosco, seco e estéril, cheio de silvados incultos, continuado de matos maninhos, e de areais escalvados, escondido em vales, cercado de brenhas, coberto de pinheiros bravios, de zimbros, de tojos e de outros frútices silvestres: é sítio mais acomodado para caças de monteria que para morada de gente culta, e por isso mui frequentao de corças e veados, infesto de lobos e de outros animais monteses. (2)

Afonso Costa, o Ministro da Justiça  visita a Quinta do Vale do Rosal, 1911.
Ilustração Portuguesa, n° 263 II série, Lisboa, Chaves, José Joubert
Imagem: Hemeroteca Digital



(1) Pinho Leal, Soares d'Azevedo Barbosa de, Portugal antigo e moderno..., 1874  Mattos Moreira, Lisboa,

(2) Vieira Júnior, Duarte Joaquim, Villa e termo de Almada: apontamentos antigos e modernos para a história do concelho, Typographia Lucas, Lisboa, 1896

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