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sexta-feira, 2 de maio de 2014

O cerco castelhano de 1384

Fernão Lopes
Excertos publicados da Crónica de el-rei D. João I:

  1. O cerco castelhano de 1384
  2. O Meijão Frio
  3. A ribeira do arrabalde descontra Coina

Vendo que passar não podia por azo da frota, chegou e mandou dizer aos de Almada, que lhe dessem a villa, e que fossem seus, que lhes faria por ello mercês. 

Vista parcial do lado sul de Almada, Possidónio da Silva, 1863
Imagem: Revista pittoresca e descriptiva de Portugal

Os do logar responderam entre outras razões, que elles eram portuguezes, e não entendiam fazer mudança, mas como Lisboa fizesse, que assim fariam elles.

Almada, O interior do castelo, ed. Paulo Emílio Guedes & Saraiva, 7, década de 1900
Imagem: Delcampe

Estando d'esta guisa, a cabo de três ou quatro dias, que Diogo Lopes* chegou, sabendo el-rei parte de sua vinda mandou de noite encubertamente passar em galés e bateis e naus muitas gentes e besteiros e cavallos, e duas galés d'ellas foram a Margueira, que é um porto acerca da villa, e estiveram quedas.

Vista panorâmica da Margueira, Mário Novais, década de 1930
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

Duas ou trés galés passaram toda a noite aquelles que el-rei mandou, e foram aportar ao cabo de Martim Affonso, acima da Mutela da Ribeira.

Vista panorâmica da Mutela, Mário Novais, década de 1930
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

Quando foi manhã a gente dos castellãos se foi a estrada que vem de Coina para o logar, e as escuitas que tinha a villa, foram-lhe dar novas de sua vinda d'elles.

A manhã era muito nevosa, e sahiram homens de cavallo e de pé, e Diogo Lopes, e seus filhos com elles, e eram na villa por bons e comunaes até oitenta de cavallo, gente de pé, e os besteiros quatrocentos e cincoenta.

Os castellãos seriam quatrocentos de cavallo e muitos besteiros e peões, e ao topar que fizeram uns com outros, cahiram dos inimigos entre de pé e de cavallo quarenta, e dos portuguezes sete.

Massano, Pedro, A Batalha — 14 de Agosto de 1385, Lisboa, Gradiva, 2014
Imagem: Central Comics (detalhe)

Uma cillada que os castellãos tinham entre a villa e onde aportaram sobreveiu dar em elles, e morrendo de uma parte e da outra, foi preso Diogo Lopes, e fugiram os filhos em cima de seus cavallos para um castello que se chama Cezimbra, que são d'ahi três léguas, que mantinha voz do Mestre, e foi mais preso Afonso Gallo, recebedor da villa, e outros com elles, e d'elles fugiram para Cezimbra.

Castelo de Sesimbra, dito dos mouros, Cazellas, finais do século XIX
Imagem: Sesimbra identidade e memória

Os castellãos que eram muitos, combateram logo Almada, e não lhe podendo então fazer cousa que muito damno lhe fizesse, pozeram cerco sobre ella de socego, desde então a tiveram cercada.

Diogo Lopes foi trazido a el-rei de Castella e tinham-o preso no arraial, havendo d'elle mui grão queixume.


* Diogo Lopes Pacheco, um dos responsáveis pela morte de Inês de Castro, já octagenário, teria regressado de castela para servir o Mestre. Com ele vieram os seus três filhos e trinta homens. 

(1) Lopes, Fernão, Chronica de el-rei D. João I, Vol. I, Cap. CXVII, Lisboa, Escriptorio, Bibliotheca de clássicos portugueses, 1897-1898.

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