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segunda-feira, 9 de junho de 2014

Rosas do Pombal

[...] no sítio onde hoje passa a Rua Rosas do Pombal, antes Rua do Cabral, houve uma Quinta chamada do Cabral. (1)

Carta dos Arredores de Lisboa — 1 (detalhe), Corpo do Estado Maior, 1902.
Imagem: IGeoE

Era a quinta do ti Zé Guimarães, a quinta do Pombal, a quinta do ti António (mais tarde, disse-me ele, descobriu que era a quinta do Teotónio), a quinta do Plantier, um francês há muito radicado em Portugal e outras que ele me descreveu mas que, peço perdão, não tendo a mesma memória, já se me varreram os nomes. (2)

Chafariz do Pombal, Almada, ed. desc., década de 1900.
Imagem: Delcampe

A relojoaria da rua do Oiro foi um centro obrigado de palestra.

Passaram por lá muitos escriptores e jornalistas em evidência.

Eram certos todas as tardes, às quatro, hora a que principiavam os momentos felizes de Paulo Plantier, que se via entre a sua gente.

E começavam os tiroteios e comentários sobre artes e lettras, e escândalos, e cozinha, e política, e torpezas, e flores, e sobre o eterno tema inesgotado — a Mulher.

E era de ver o Plantier avultando entre os do grupo e enchendo o passeio com o seu casaco amplo, descaído dos lados, cabello ao vento, uma rosa vermelha e fresca na botoeira, e a rir e a carregar nos rr e a escandalisar os passantes com a sua voz sonora de barytono.

Muitos passavam ao lado, tímidos, evitando o escolho daquella espécie de Carybdes.

Ellas seguiam rez vez do grupo, um sorriso á fera logo amansada e num olhar de cubiça admirativa ás montras cheias de rosas.

Porque eram um modelo de originalidade, de graça e de bom gosto as montras do Plantier.

Concha de Vieira, P. Plantier fils, c. 1850.
Imagem: Antiquorum

Da sua quintarola da Piedade, em Cacilhas [sic], vinham todas as manhãs, braçadas de rosas que elle espalhava pelos escaparates, artísticamente, pondo aqui e ali, em sabio destaque, pedras preciosas, adereços de valor, perolas em collares nabalescos, brilhantes soltos caídos ao acaso, pingos vermelhos de rubis amortecidos na folhagem.

Alfeite, Vista Geral (tomada da Quinta do pombal), ed. desc., década de 1940.
Imagem: Bosspostcard

Um dia parou toda a gente a ver uma rosa, uma maravilha de pétalas. Uma rosa só campeava sobre as joias.


A esse phenomeno consagrou António Ennes no Correio da Noite um delicioso artigo humoristico.

Não era uma rosa, era um repolho, uma brutalidade vegetal, um aborto colossal posto sobre uma haste grossa como um varapáu.



Plantier nesse dia não saiu dos humbrais da porta a espreitar a casa dos transeuntes [...]

Podia lá suportar o desaforo da indiferença por um producto seu que cercára de cuidados, de estrumes saborosos, de vigilância paternal no seu grande viveiro da sua grande quinta da Piedade ao lado das muitas centenas de roseiras de raças por elle apuradas em enxertos e reenxertos sucessivos!

Avenida em abóboda florida de roseiras.
Imagem: Archive.org

Em contacto com gente de lettras Plantier fez-se editor de livros.

[...] entre os quaes figura a que lhe mereceu maiores disvelos, que foi por elle dirigida e em que collaboraram poetas e prosadores com curiosos conselhos em prosa e verso — O Cozinheiro dos Cozinheiros. 

Ver artigo relacionado: À Bulhão Pato

Nos ultimos annos o azedume de Plantier recrudesceu e os do grupo começaram desertando da loja. A freguezia diminuiu e apenas um ou outro se detinha a ver as rosas.

Só ellas não desertaram. (2)

Com 68 annos de edade morreu hontem de cachexia [...] Paul Henry Plantier [...]


Grande amador de rosas, possuia as melhores de Portugal na sua pittoresca quinta da Piedade, na outra margem do Tejo, quinta onde elle reunia d'antes notabilidades na arte, na sciencia, na politica, e na imprensa.

Portal da Quinta do Pombal, rótulo de garrafa de vinho (detalhe).
Imagem: Soc. Com. Theotónio Pereira, Lda.

Foi um original, foi um typo, que vem a fazer falta no nosso meio... em que abunda a vulgaridade. (4)


P. Plantier Fils Lisbonne, c. 1900.
Imagem: Kaplans Auktioner


(1) Pereira de Sousa, R. H., Almada, Toponímia e História, Almada, Biblioteca Municipal, Câmara Municipal de Almada, 2003, 259 págs.
 
(2) Constantino, Guardador de Vacas, L(u/a)gares, 19 de setembro de 2011.

(3) Jornal do Brasil, Paul Plantier, Gente do meu tempo, 21 de maio de 1917.

(4) Jornal do Brasil, Paul Plantier, 23 de junho de 1908.



Leitura adicional: Baltet, Charles, La greffe et la taille des rosiers..., Paris, Mason, 1904. 

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