Trafaria (Portugal), Vista geral e rio Tejo, ed. Martins/Martins & Silva, 28, década de 1900. Imagem: |
Esta localidade tinha, em 1940, 1716 habitantes, repartidos em 679 lareiras e cerca de 700 famílias, das quais hoje [1946] apenas 40 vivem bem.
Há na Trafaria 330 famílias indigentes, o que quer dizer que cerca de 50% da população se encontra nesta má situação económica.
A localidade foi, na sua origem, uma aldeia de pescadores.
Aproximadamente no ano 1914, vieram instalar-se nela 3 fábricas de conservas de peixe.
Nesta altura, o peixe abundava na costa da Trafaria, de tal modo que as fábricas empregaram, além dos homens locais, operários que ali chegaram de fora.
Transporte da sardinha na Trafaria, Joshua Benoliel, início do século XX. Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa |
Mas actualmente, como já o dissemos, não se acha peixe nenhum perto da costa. Ora, os pescadores não estão apetrechados para poder pescar ao largo da costa.
Trafaria, João Ribeiro Cristino da Silva, 1933. Imagem: Cabral Moncada Leilões |
De maneira que a base económica da Trafaria deixou de existir.
As duas fábricas de conservas não trabalham senão por intermitência, e a população local caiu na miséria.
O único expediente da localidade reside no facto de o desembarcadouro para os turistas da Costa de Caparica estar neste ponto da margem Sul do Tejo.
Les amants du Tage, Henri Verneuil , 1954. Imagem: CAIS DO OLHAR |
A Trafaria é portanto um lugar de trânsito e de estacionamento para os autocarros desta carreira.
Trafaria, paragem de autocarros, Mário Novais, década de 1940. Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian |
Existem em volta do embarcadouro vários cafés e restaurantes que servem principalmente os turistas de Lisboa e que estão particularmente frequentados nos domingos de Verão quando multidões enormes se encaminham para a grande praia da Caparica e inundam mesmo a praia local.
A praia da Trafaria não é conveniente para os banhos de mar, pois que as correntes do Tejo trazem para cá e acumulam em frente dela todos os despejos dos esgotos de Lisboa.
A primitiva aldeia nasceu de um triângulo natural disposto entre o Tejo e as duas encostas de um vale que aí desemboca; as casas mais antigas, por vezes muito pitorescas, estão aí agrupadas.
A localidade cresceu depois mais para o fundo do vale e ao longo da estrada (ramal da E.N. nº. 76-2ª) que liga com a Costa de Caparica.
Trafaria, Estrada da Costa, ed. Manuel Henriques, 16, década de 1900. Imagem: Delcampe |
Construiu-se tudo em grande desordem.
Há um número exagerado de ruas, muitas das quais são demasiado estreitas, e todas elas (ou quase) não tem arranjo nenhum, nem são conservadas de qualquer maneira.
Reina em muitos sítios um cheiro desagradável por falta de instalações sanitárias nas casas.
Há horríveis barracas, feitas com pranchas e com ferro-velho, e um grande número de casebres de todas as espécies que servem como habitação para uma grande parte da população, que por causa disso sofre de todos os danos físicos e morais.
A tuberculose reina aí.
Ouvi dizer que não era raro verificar que numa destas barracas minúsculas habita uma família numerosa composta por 12 ou 13 pessoas, o que cria uma porcaria inimaginável e uma promiscuidade depravadora.
Felizmente, a Trafaria possui uma boa escola primária e um bonito mercado.
Trafaria — Avenida Florestal, ed. Alberto Aguiar, década de 1930. Imagem: Delcampe |
Está actualmente em obras um pequeno "bairro para pobres".
As suas casas são bem pequenas, mas a sua criação respondeu a uma necessidade imperativa e deve ser considerada como o primeiro passo para o melhoramento da saúde física e moral dos indigentes da Trafaria.
O bairro contém 36 casas com 3 divisões, e 14 casas com 4 divisões.
As casas estão dispostas numa parte da mata do Estado e estão rodeadas de árvores que será preciso conservar na medida do possível.
Na parte Este da Trafaria, num terraço acima do rio, há uma cadeia militar e, na parte Sudoeste do vale, um quartel.
Nos pontos altos que dominam a região estão instalados dois fortes, e a maior parte da mata que veste os declives do planalto é pertença do Ministério da Guerra (zona militar).
No entanto, há também atrás da estrada nacional, uma linda encosta arborizada que não constitui parte deste domínio militar e do alto do qual se disfruta uma vista esplêndida sobre o Tejo e sobre as vastas paisagens da banda oposta.
Trafaria, Valle da Enxurrada, ed. J. Quirino Rocha, 3, década de 1900. Imagem: Delcampe |
Algumas pessoas muito espirituosas colocaram ali umas casinholas de fim-de-semana.
O sossego, a frescura e a beleza da vista de que elas gozam são objecto de inveja.
Grandes e lindas matas estendem-se ao pé desta encosta e a Oeste da Trafaria e pertencem ao Estado e à Companhia das fábricas de Explosivos.
Nos domingos de Verão, estas matas estão cheias de pessoas que aí resolveram fazer um pic-nic, vindas de Lisboa, o que é muito natural, visto estas florestas serem as mais acessíveis aos habitantes da capital, entre todas as dos seus arredores.
Com efeito, a passagem do Tejo num barco é muito agradável e não custa caro.
Infelizmente, o facto de haver nesta mata duas fábricas de explosivos, com os seus respectivos depósitos, constitui um perigo para toda esta gente, perigo que se agrava à medida que cresce o número da população local e dos passeantes.
Não devemos perder de vista a possibilidade de qualquer falta de cuidado da parte dos fumadores ou das mães de família que trazem consigo pequenos fogões para poderem cozinhar durante estes dias feriados.
Ora, vemos ao longo da praia da Trafaria uma verdadeira muralha contínua, feita de pedaços de madeira: são as barracas fixas para o “camping”, quase encostadas umas às outras, cuja construção foi autorizada pela Direcção do Porto de Lisboa, sem que tivesse sido aplicada uma regulamentação severa.
Trafaria, Praia dos Banhos, ed. J. Quirino Rocha, 4, década de 1900. Imagem: Delcampe |
É fácil imaginar que um incêndio venha, num dia qualquer, a estalar neste agrupamento perigoso, transformando-se forçosamente num braseiro que porá fogo à mata.
Este poderá chegar até aos depósitos de explosivos, que se encontram nela e mesmo bastante perto das ditas barracas.
Nestas condições é lógico preconizar o afastamento das fábricas de dinamite para fora deste sítio já tão povoado.
[...] a "Cova do Vapôr", um pequeno porto formado por uma enseada entre as dunas, perto da embocadura do Tejo.
Trafaria, Ponte de embarque, ed. Manuel Henriques, década de 1900. Imagem: Restos de Colecção |
Sobre a língua de areia que se formou entre o rio e o mar, ergueram-se minúsculas barracas de madeira, sobre estacaria, construídas nas parcelas das dunas que alugou aos seus proprietários a direcção do Porto de Lisboa. São casas de fim-de-semana ou de "camping".
Trafaria, casa na Cova do Vapor, 1949. Imagem: Público |
Lamento ter de dizer que tudo isto foi construído na maior desordem possível: as casinholas estão demasiado perto umas das outras e apresentam, no seu conjunto, o aspecto de uma aldeia de pretos.
Trafaria, casa na Cova do Vapor, 1952. Imagem: Público |
Não têm nem água, nem esgotos. As águas usadas e tudo o resto deita-se na areia, que se torna progressivamente insalubre e de mau cheiro. (1)
(1) Gröer, Etienne de, Plano de Urbanização do Concelho de Almada, PUCA, Análise e Programa, Relatório, 1946, mencionado em Anais de Almada, 7-8 (2004-2005), pp. 151-236.
Artigos relacionados:
Costa da Caparica — urbanismos
Mata do Estado e Quinta de Santo António
Leitura relacionada:
Restos de Colecção
tenho 82 anos e sou do tempo em que as casas na Lldeia do Sol eram uma comunidade divertida.
ResponderEliminarO nome de Aldeia do Sol foi-lhe dado por um morador que foiel eito"xerife" e tinha leis e regras que mesmo a brincar eram cumpridas com humor.Tornou-dr tão célebre,que teve direito a uma reportagem do Diário Popular A primeira casa a ser construída no areal deserto enre a Rafaria e a Costa da Caparica, foi por conta da Companhia dos telefones, que por vezes mantinha lá um funcionário.