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quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Sociedade de Pedro Marques de Faria

A rua da Judiaria em Almada foi sempre, como ainda é, uma rua feia e immunda, com a diferença de que hoje varrem-na mais amiudo do que antigamente, e é illuminada de noite a azeite de peixe;

Lisbon from Almada (edited), Drawn by Lt. Col. Batty, Engraved by William Miller, 1830

mas apesar d'isso era ali, n'uma casinha de primeiro andar, que se reunia a rapaziada fina de Almada e dos logares próximos.

O dono da casa, Pedro Marques de Faria, era um velho folgasão, em cujo animo nunca entrou a tristeza, ainda mesmo nos momentos mais graves da vida. 

Dizidor e peteiro, sempre tinha alguma nova anecdota que contar, alguns versinhos que recitar, algum caso notavel de que ouvira fallar em Lisboa, ou as novidades politicas falsas e verdadeiras de que a epoca era abundante. [...]

O terror miguelista: os caceteiros, aguarela de  Alfredo Roque Gameiro, publicada em1932.
Imagem: www.roquegameiro.org

Era pois a época em que florescia em Almada a sociedade de Pedro Marques de Faria, e era vespera de S. João do anno de 1831. [...] 

Na tarde do dia seguinte corriam-se touros em S. Paulo.

A esta funcção não concorria Pedro Marques que a detestava; mas ia lá Espanta-maridos, e quasi toda a sociedade de Pedro Marques. [...]

Em consequencia, annunciando-se um cavalleiro, que havia de tourear mascarado para não ser conhecido, todos se perdiam em conjecturas ácerca de quem seria, chegando-se a fazer algumas muito despropositadas, e as mais razoaveis eram de que algum grande fidalgo tinha tido este devaneio, mas que naturalmente se daria a conhecer se saísse airoso do combate. [...]

Toureiro mascarado, anúncio ou ingresso relativo a corrida de touros na praça do Campo de Sant'Ana, 1881.
Imagem: Fórum Touradas

Era o touro claro, e arremetteu direito ao cavalleiro. Este desviando o cavallo evitou a marrada de frente; mas quando na corrida ia enterrar a farpa, o cavallo afocinhou, e o touro apanhando o cavalleiro pelas pernas, arrancou-o da sella e deu com elle em terra, levando-lhe toda a parte trazeira dos calções e mais roupas sob-postas, deixando-o n'um estado indecente. [...]

Era o caso que sendo Gomes costumado a ir tourear com os fidalgos, e sabendo da paixão de Diniz por este divertimento, tinha imaginado conquistar n'aquelle dia uma grande preponderancia no animo de Diniz, e por consequencia os affectos de sua filha: feliz ou infelizmente saiu mal do intento.

Mas o populacho era inexoravel e gritava com grande algazarra — fóra! fóra porco! fóra porco!


Ainda Diniz e outros, condoidos do infortunio de Gomes, lhe bradaram – Animo! Torna a picar! (1)


(1) Silva, Avelino Amaro da, O Caramujo, romance histórico original, Lisboa, Typographia Universal, 1863, 167 págs.

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Praça de touros do campo de S. Paulo

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