Páginas

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Anatomia comparada

Detendo-me aqui e ali, mais uma vez, atravesso para a outra margem.


Perdendo-me nas silhuetas esbatidas dos pequenos barcos, desço da Afurada à Granja, por praias que me são queridas tanto como as de Caparica.

Costa da Caparica, Romper do Sol, Adriano de Sousa Lopes (1879 - 1944).
Imagem: MNAC (museu do Chiado)

E podia ir mais longe, Costa Nova, Mira, Vieira, Nazaré, como o Raul Brandão, mas não quero.

Barco de Mar, companha de S. José, praia de Mira.
Imagem: ahcravo's Blog

Assim, junto ao mar, pelo Canidelo, Madalena, Valadares, na Aguda... a mística destes barcos, que como obstinado resolvo desmontar, recupera as velhas bateiras no horizonte dos já finados caparicanos.

Costa da Caparica, Adriano de Sousa Lopes (1879 - 1944).
Imagem: MNAC (museu do Chiado)

E sem melhor recurso, socorro-me da descrição do holandês que um dia, muito antes de mim, aportou aos areais da costa vareira, fazendo-se adoptar pelas gentes e pelos barcos:
As bateiras, em geral, tinham o formato de meia-lua, em que os bicos da prôa, da ré e o arqueado do fundo se acentuavam progressivamente do norte para o sul do país.

Praia da Aguda, João Marques de Oliveira (1853 - 1927), 1924.
Imagem: do Porto e não só

A bateira da praia da Aguda era um barco do tipo misto entre a bateira da Afurada e o da bateira do mar da arte da xávega da costa de Aveiro. O fundo era chato, sem quilha, podendo navegar a remos ou à vela. 

Media em média 8 metros de comprimento, 2,2 metros de boca e 0,8 metros de altura de pontal (a meio da embarcação). Era um barco alongado feito em pinho, cuja prôa se erguia até ao bico numa curva bem lançada.

O céu da prôa tinha um espaço coberto onde era guardada a vela, a roupa e a comida. O cabo do ferro ou fateixa (âncora) era amarrado em cima a dois golfiões.


in Weber, Mike, Jesus, Paulo, Santos, Assunção, Cem Anos na Praia da Aguda 1888 – 1988, Porto, Afrontamento, 2002

Costa da Caparica Meia Lua, Revista Ulisse.
Imagem: Caxinas... de "Lugar" a Freguesia

Distraídamente vou dissecando um e outro barco:  a arte da xávega que o da Aguda não conhece, porque as rochas da praia não querem; o leme de xarolo, trocado pela espadilha, a vela perdidos pelo de Caparica, quando deixou de transportar aos mercados... sem vela, o Meia Lua não arrola nas águas, bate-as à força de braços, a mesma força que puxa a rede a terra, a mesma que o vara no areal.

Costa da Caparica, Ilustracao Portuguesa, 1920.
Imagem: Hemerotreca Digital

E quando as silhuetas partem sou normalmente desagradável e mal-educado, quero lá saber.

Costa da Caparica, Mário Novais, 1946.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

E a coleccionar pôres do sol e molhando os pés nessas águas, a norte, me perco como um mouro, um "combertido", onde ninguém me liga.


Referências:
Weber, Mike, Jesus, Paulo, Santos, Assunção, Cem Anos na Praia da Aguda 1888 – 1988, Porto, Afrontamento, 2002
Caxinas... de "Lugar" a Freguesia
Sobre algumas embarcações que navegam na ria de Aveiro, e não só...


Artigos relacionados:
Ílhavos
Os saveiros meia lua da Costa da Caparica

Arte xávega descrita por Romeu Correia

Tema:
Saveiro meia lua

Sem comentários:

Enviar um comentário