Tanoeiros. Imagem: Memórias e Identidades da Cooperativa de Consumo Piedense |
Fundada em 4 de Março de 1893, pela iniciativa de dez operários e artesãos residentes na Piedade, Caramujo e Mutela, a Cooperativa chegou a ser considerada a mais importante cooperativa da Península Ibérica [...]
Placa evocativa aos fundadores da Sociedade Cooperativa Piedense. |
[...] e nessa altura eram os socialistas e os anarquistas, anarco-sindicalistas que têm a influência do Proudhon, Bakunine, Malportini, Mellaerts, todos esses indivíduos são mentalidades muito esclarecidas [...]
Largo e Mercado, Cova da Piedade (ao centro o primeiro edifício-sede da CCP), ed. desc., década de 1900. |
A direcção é quase toda composta por corticeiros e que por isso mais razão tinha em administrar a secção, quando administra a padaria e outras secções. Que se nomeie uma comissão para administrar lá dentro está de acordo. Mas que a direcção não deve eximir-se a essa responsabilidade. Só a direcção com uma comissão é que pode administrar a secção de cortiças [...]
Grupo de sócios organizadores da Secção de Cortiça, 1931. Imagem: Memórias e Identidades da Cooperativa de Consumo Piedense |
Nós saíamos da fábrica, naquela altura a Cooperativa não tinha empregados, eram os sócios que saiam das fábricas ou dos seus trabalhos e depois das cinco horas é que a Cooperativa abria. E então os sócios eram escalados, uns tantos por semana, para irem trabalhar lá na Cooperativa, até à uma duas da manhã, três da manhã, depois ficavam outros tantos para fazer limpeza, foi o que aconteceu, foi quando eu comecei na Cooperativa. (…)
A Cooperativa fechava à meia-noite e nós ficávamos lá para fazer a limpeza até às três horas da manhã, … e depois tínhamos de pegar na fábrica às oito [...]
Em 1910 a Bucknall depois da fusão com a empresa Jonh L. Wilson que integrava a Companhia Londres & Lisboa passou a ser designada pelos seus operários de Companhia. Em 1911 com a compra da fábrica Vilarinho & Sobrinho a Bucknall tornou-se na maior unidade fabril corticeira do Concelho de Almada, com escritórios em Lisboa, Londres e Glasgow.br />
Os incêndios ocorriam com alguma frequência nestas unidades fabris e a Bucknall teve os de maior dimensão em 1912, 1929 e 1946.
Este último incêndio terá contribuído para o declínio da empresa, agravado pela expropriação das fábricas do morro de Cacilhas, para a construção da estrada marginal em 1950. Dos 600 trabalhadores da empresa, em 1945, 300 foram dispensados até 1952, altura em que a Bucknall foi vendida à firma Barreira & Companhia [...]
Quando foi da greve de 1943, a Cooperativa durante trinta dias sustentou esta população da Cova da Piedade e a PIDE e as forças da Guarda Republicana instalaram-se aqui na Cova da Piedade e não deixavam as mercearias fornecer quaisquer alimentos aos grevistas que eram os corticeiros.
E, a Cooperativa, através das cadernetas dos sócios, levantavam para aquele, levantavam para o outro e muitos ficaram com dívidas na Cooperativa, e a Cooperativa é que teve de suportar naquela altura algumas dezenas de contos, e eu ainda fui lá encontrar cadernetas onde se explicava isso [...]
Depois veio aquela gente do Arsenal, já tinham arrebentado com a cooperativa deles, a Cooperativa dos Arsenalistas que era ali no Cais do Sodré, salvo erro...
Arsenal do Alfeite, Mário Novais, c. 1938. Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian |
E o Salazar entendeu que não queria ninguém civil dentro do Alfeite, e então estava-se a acabar aqui este Bairro, aquele bairro era para aqui para a gente todos, para o povo aqui da Piedade, ... tiraram os rapazes de lá e quase todos foram para o Bairro, eu quis ir para lá não ganhava o suficiente para ir para o bairro que era um Bairro de trabalhadores.
Entraram todos para a Cooperativa e depois aqui houve um defeito péssimo do povo da Piedade, quando aparecia um indivíduo a dizer duas larachas numa Assembleia: "É pá este gajo é bom para a Direcção!"
Ilustração de Quino, Joaquin Lavado. Imagem: Fernando Vásquez Rodríguez |
... e uma parte deles fizeram parte ali da Direcção [...]
As primeiras obras no Arsenal do Alfeite foram os bairros de casas económicas destinadas a oficiais subalternos, sargentos da Marinha e a operários do futuro Arsenal, e só posteriormente, em 1928, se iniciaram as obras de construção do novo Arsenal. A instalação do Arsenal do Alfeite, inaugurado oficialmente em Maio de 1939, e da Base Naval do Alfeite, veio contribuir, na década de 1940, para um desenvolvimento significativo do Concelho de Almada [...]
Cova da Piedade, vista aérea (detalhe), 1938. Terraplanagens para a construção do Bairro das Casas Económicas (metade direita superior da fotografia). Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian |
Sendo as atribuições [das casas] feitas prioritariamente a sargentos e cabos da Armada e a membros dos sindicatos nacionais e outros organismos corporativos. Só muito acessoriamente foram contemplados funcionários administrativos e operários especializados do Arsenal – a primeira prioridade era política e a segunda, a da solvência das famílias [...]
Bairro das Casas Económicas, Júlio Diniz, década de 1950. Imagem: Cibersul |
Estas novas condições de habitabilidade contrastavam com a da maioria da população operária, maioritariamente corticeira, que vivia em núcleos habitacionais desprovidos de água canalizada e saneamento básico; onde "grande parte dos aglomerados não tinha sistemas de esgotos e os dejectos eram despejados directamente em valas a céu aberto ou em fossas escavadas na terra, sem paredes e sem coberturas, facilitando as infiltrações que contaminavam as águas das fontes e poços".
Vista Geral — Cova da Piedade ed. desc., década de 1900 Imagem: Delcampe |
Por outro lado, os baixos salários e o desemprego que atingiam as famílias corticeiras, marginalizavam este grupo do processo de desenvolvimento habitacional, contribuindo para a construção das dicotomias entre grupos profissionais [...]
A 22 de Novembro de 1938 a construção da nova sede foi adjudicada pelo valor de 291 contos a Celestino Rodarte de Almeida [...]
Grupo de colegas na varanda da nova sede, década de 1960. Imagem: Cibersul |
A electrificação da sede foi adjudicada sob proposta mais favorável ao sócio Manuel Minhós. A fiscalização do andamento da obra foi feita pelo sócio José Gil Duarte auxiliado pelo sócio Luís Galinha.
A Direcção aprovou [em 14 de abril de 1940] a Comissão para a Biblioteca que ficou constituída pelos seguintes consórcios: Luís Fernandes, João Valério, Felisberto Fernandes; Carlos Jóia, José Correia, Geordano da … e José Maria da Silva. 7 elementos. Os quais se comprometem administrar a biblioteca angariando dentro da medida do possível, livros, donativos, etc. que enriqueça, tão útil e educativo organismo [...]
Aspecto Biblioteca da Cooperativa de Consumo Piedense em 1956. Imagem: Memórias e Identidades da Cooperativa de Consumo Piedense |
A criação de bibliotecas representava uma prática do movimento associativo dos finais do século XIX, tendo sido considerada matéria prioritária no âmbito das “Reformas de Carácter Económico” do Programa do Partido Socialista, redigido por Azedo Gneco e aprovado na II Conferência Nacional Socialista em Tomar, em Outubro de 1895 [...]
Da mesma forma que a fundação da Cooperativa remonta historicamente ao movimento associativista desta época, a criação da biblioteca parece-nos representar a continuidade de um projecto, justificando uma função cultural de compromisso para com os seus associados maioritariamente operários.
Ferreira de Castro na Cooperativa de Consumo Piedense, 1964. Imagem: Memórias e Identidades da Cooperativa de Consumo Piedense |
Mas o desenvolvimento da biblioteca, como actividade organizada, apenas se iniciou em 1949, ano que assinala a sua inauguração, resultante do trabalho de um grupo de jovens associados.
A Cooperativa naquela época, estávamos no final dos anos 50 princípios de 60 e a Cooperativa Piedense tinha uma característica, aliás como todas as cooperativas, quer fossem de consumo ou de ensino, era regulada pelo Código Comercial.
Como eram reguladas pelo código comercial não estavam sujeitas à tutela administrativa do Governo. O Ministério do Interior daquela altura é que exercia tutela administrativa sobre as colectividades através dos Governadores Civis.
Na Cooperativa não era possível isso, porque era uma sociedade comercial, então tínhamos uma certa liberdade de actuação que as outras colectividades não tinham. Daí que a Cooperativa Piedense, como quase todas as outras Cooperativas daí da região, eram uma espécie de quartel-general da oposição ao regime. De maneira que as nossas vivências eram mais de critica e de encontrar soluções para fugir à vigilância das polícias politicas, porque eles embora não pudessem intervir, intervinham [...]
A informação mais antiga, produzida pela PIDE, sobre a constituição dos Órgãos Sociais da Cooperativa data de 1958 e consta de uma informação assinada pelo agente Lucílio Loureiro que começa por descrever a tarefa de que foi incumbido:
"Incumbido superiormente de averiguar os nomes completos, restantes elementos de identificação, modo de vida e porte moral e politico dos indivíduos que fazem parte dos corpos gerentes da Cooperativa de Consumo Piedense, com sede na Cova da Piedade, informo V. Ex.ª do seguinte [...]"
O MUD, Movimento de Unidade Democrática, foi uma organização política de oposição ao Estado Novo, criada por iniciativa de trezentos cidadãos de tendências liberais, onde se destacavam importantes figuras da intelectualidade portuguesa.
Foi em Outubro de 1945 no Centro Escolar Republicano Almirante Reis, em Lisboa, que o MUD nasceu numa situação de legalidade politica resultante do contexto da vitória dos Aliados, na Segunda Guerra Mundial e da consequente democratização de toda a Europa Ocidental. Salazar, isolado face ao novo contexto da política internacional foi forçado a “dissimular" uma aparente abertura política, reconhecendo o MUD como movimento de oposição democrática.
Dia Internacional da Mulher, 1958. Imagem: Memórias e Identidades da Cooperativa de Consumo Piedense |
É neste contexto que a PVDE sofrerá uma reorganização interna e passará a designar-se por PIDE, Policia Internacional de Defesa do Estado, designação substituída em 1969 por Direcção Geral de Segurança durante a "Primavera Marcelista".
Os jovens que integravam as Comissões Culturais da Cooperativa e de outras colectividades locais encontraram neste movimento social uma oportunidade de participar e de concretizar a utopia de uma sociedade democrática que encontrou o seu momento mais significativo na campanha presidencial do General Humberto Delgado porque, "o regime só virá a sentir-se ameaçado em 1958. O sono letárgico das classes trabalhadoras durante grande parte da década de 1950, descrito por Mário Soares, seria antes a capa da actividade subterrânea de reorganização, tecendo na sombra os fios que permitiriam desembocar nas formas de luta expressa cuja espoleta foi retirada pela candidatura presidencial oposicionista do General Humberto Delgado" [...]
Este movimento popular, que mobilizou o país democrático de norte a sul, teve particular impacto sobre as memórias de alguns sócios da Cooperativa que viveram mais intensamente esta experiência como um processo de aprendizagem da vida política [...]
Segundo as narrativas das histórias de vida podemos depreender a existência de dois períodos de prisões políticas que marcaram as memórias de um grupo de sócios da Cooperativa: um primeiro período resultante da repressão pós eleitoral de 1958 e um segundo período, resultante do desmantelamento da rede do Partido Comunista Português da margem Sul até ao Algarve, em 1967 [...]
Na barbearia da Cooperativa de Consumo Piedense. Imagem: Cooperativa de Consumo Piedense (grupo) no Facebook |
Os sócios da Cooperativa que por afinidades de parentesco ou de amizade integravam esta rede social clandestina evocam nas suas memórias os nomes daqueles que representam os símbolos da resistência local, simultaneamente vítimas de um regime onde o medo e a violência se institucionalizavam através dos mecanismos de repressão e como meios de controlo social [...]
Quando cruzamos a porta principal do edifício deparamo-nos à nossa direita com uma porta de acesso ao espaço comercial e em frente com uma escadaria, no cimo da qual somos surpreendidos por um enorme painel em baixo relevo encomendado em 1939 ao escultor Júlio Vaz Júnior.
O referido trabalho apresenta duas figuras homem e mulher; ao lado do homem, este segurando um martelo, fica uma bigorna, ao meio de ambos figura uma roda dentada e na retaguarda das mesmas figuras humanas aparece uma chaminé fumegando, de tipo industrial.
Escadaria à entrada principal Cooperativa de Consumo Piedense, concurso de fotografia realizad na década de 1960. Imagem: Arquivo Histórico da C.C.P. cf. Memórias e Identidades da Cooperativa de Consumo Piedense |
As duas figuras referidas estão de pé, frente a frente com as respectivas mãos direitas enlaçadas, como símbolo do aperto de mão em solidariedade. (1)
(1) Simões, Maria Dulce Dias Antunes, Memórias e Identidades da Cooperativa de Consumo Piedense, Lisboa, ISCTE-IUL, 2009
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