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sexta-feira, 16 de outubro de 2015

De S. Sebastião à Cova da Piedade

Da ermida

O rei D. João III [em 1554] mandou erguer igrejas, nas periferias das cidades e das vilas em honra de S. Sebastião. O mártir protegê-las-ía da peste. Esta Ermida de S. Sebastião, erguida na freguesia de Santiago de Almada nasceu provavelmente desta provisão real.

Ermida de S. Sebastião, aguarela, aut. desc..
Imagem: Paróquia de Cristo Rei - Pragal

Ergueram-na fora de portas para, logo ali, atalhar todo o mal.

Um assento da Mesa da Santa Casa da Misericórdia de Almada, datado de 26 de Junho ou Julho, refere a existência da Ermida de S. Sebastião. (1)

Ao Sul e perto de Cacilhas [ao cabo da vila de Almada], está uma ermida, dedicada a S. Sebastião, martyr, que foi do padroado da camara municipal de Almada, a qual apresentava o respectivo eremitão.

S. Sebastião, Jean Poyer, Horas de Henry VIII, c. 1500.
Imagem: The Morgan Library & Museum

Ha n’esta ermida uma imagem de Nossa Senhora dos Prazeres, que foi alli collocada em 1669 [cf. Santuário Mariano, Fr. Agostinho de Santa Maria], por uns individuos que ninguem d’alli conhecia, e que não tornaram mais a apparecer.

Passados muitos annos, Catharina Maria, mulher de Francisco d’Azevedo Peleja, carcereiro da côrte, que tinha por estes sítios varias fazendas, e costumava vir aqui passar temporadas; tendo seu marido preso, por ter deixado fugir um criminoso (pelo que lhe tinham sequestrado tudo) e depois de ter despendido uns vinte mil cruzados (oito contos de réis) recorreu a afflicta mulher ao patrocinio da Senhora dos Prazeres, e é certo que o marido foi sôlto, e lhe foram entregues os bens sequestrados.

Nossa Senhora dos Prazeres.
Imagem: Arquidiocese de Fortaleza

Catharina Maria, em reconhecimento d’esta ventura, que attribuiu a milagre da Senhora, lhe restaurou a ermida, comprou paramentos, fez vestidos ricos á Senhora (que é de roca) e fez-lhe uma grande festa no seu dia (1.ª segunda feira depois da oitava da Paschoa) que d’ahi em diante se lhe fazia em egual dia, todos os annos. (2)

Provisão do rei D. João V [13 de Julho de 1729] pela qual autoriza à Câmara Municipal de Almada o desvio das verbas necessárias do cabeção das sisas para as obras da Ermida de S. Sebastião. A decisão do rei responde ao pedido dos vereadores e procuradores da Câmara, para que se sustivesse a ruína da Ermida de S. Sebastião.

A Provisão do Magnânimo refere que "a Irmida de S. Sebastião da mesma villa se achaaua ameassando ruína", diz ainda que os custos das obras necessárias ascenderiam a mais de trezentos mil réis "(...) os quais se deuião tirar dos bens reais, porque a dita Irmida hera do Povo e sempre se reparara pellos ditos bens (...)"

Realiza-se [em 15 de Julho de 1732] a bênção da 1ª pedra da (nova) Ermida [...]

O Terramoto [de 1 de Novembro de 1755 ] deixa a Ermida de S. Sebastião. arruinada assim permanecendo ainda em 1758.

[Em 1775 a ] Ermida de S. Sebastião encontra-se reconstruída [...] 

É extinto o cargo de Capelão da Ermida de S. Sebastião [1836].

A Ermida é utilizada como abegoaria e palheiro [1850].

Lanço de S. Sebastião à Cova da Piedade na extensão de 1.106,50 m,
Estrada districtal n.° 89 de Cacilhas a Cezimbra e Setubal
Imagem: Hemeroteca Digital

[Em 1904] a Ermida é vendida em hasta pública pela Câmara de então, sendo adquirida por particulares que a transformaram em imóvel de habitação e comércio.

Carta dos Arredores de Lisboa — 1 (detalhe),
Corpo do Estado Maior, 1902.
Imagem: IGeoE

28 de Julho de 1932 – Data do alvará sanitário nº 41 que dá licença a Maria dos Anjos para explorar um estabelecimento de taberna, sito em S. Sebastião.

É [em 31 de Dezembro de 1937] emitida a caderneta predial com o artº 211 de um prédio localizado ao cabo da vila e identificado como Ermida de S. Sebastião, o qual é composto por 1 loja, 13 habitações e 3 anexos.

"mais de uma dezena de famílias habitam agora num 1º andar improvisado e no pátio da que outrora foi a Igreja de S. Sebastião. Como se esta invulgaridade não bastasse, no r/c do ex-templo explora-se uma taberna"  [...] Correio da Manhã, 5 de Novembro de 1985 (3)

Almada, Largo das Andorinhas, ed. J. Lemos, 64, década de 1950.
Imagem: Flores, Alexandre M., Almada antiga e moderna... Freguesia de Almada

[...] chama-se Largo das Andorinhas à confluência das Ruas Capitão Leitão, dos Espatários e Dr. Julião de Campos. A designação que não tem qualquer consagração oficial estende-se à proximidade imediata da citada confluência. É topónimo recente.

O lugar chamava-se de S. Sebastião até fins do Século XIX e retirava o seu nome do orago da ermida aí edificada no Século XVI. O edifício da ermida ainda existente é a reconstrução efectuada em fins do Século XVIII por o terramoto de 1755 ter deixado o templo muito arruinado.

Após a reconstrução foi fixada perto do altar-mor, com autorização do Patriarcado de Lisboa, uma lápide onde se dizia que a igreja pertencia ao povo de Almada. Junto da ermida existiam várias casas rodeando um pátio que entre os Séculos XVIII e XIX podem ter sido utilizadas como recolhimento.

Encimando o portão do pátio estava um conjunto de azulejos onde se lia: "1776 / AGORA HE RETIRO DECUIDADOS". O painel de azulejos bem como dois pequenos paineis circulares tendo ao centro uma argola para prender animais foram levados para o Convento dos Capuchos para ornamento deste, quando se demoliram as casas do pátio da quinta, na década de 50. 

Agora he retiro decuidados, antigo painel de azulejos da Ermida de S Sebastião, hoje no Convento dos Capuchos, Caparica.

O painel com a inscrição enfeita agora um portal no jardim inteiramente a despropósito sem qualquer legenda que lhe esclareça o sentido.

A Quinta já não era retiro em 1850, data em que estava na posse particular talvez por arrendamento. Era então conhecida por "retiro de cuidados". 

Na proximidade da ermida, cerca de 8o metros a Sueste levantou-se em 1810-11, o Forte de S. Sebastião das linhas de defesa da margem Sul do Tejo. (4)

À Cova da Piedade

Cova da Piedade, Largo 5 de Outubro, a multidão aguardando os ciclistas da 7a Volta a Portugal em 1938.
À esquerda da imagem o início da rua Dr. Oliveira Salazar, a antiga ligação S. Sebastião - Cova da Piedade.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

Cova da Piedade, substituição da placa da rua Dr. Oliveira Salazar pela actual, rua da Liberdade, 1974.
Imagem: ed. desc.

Cova da Piedade, substituição da placa da rua Dr. Oliveira Salazar pela actual, rua da Liberdade, 1974.
Imagem: Fernando Cruz


(1) Paróquia de Cristo Rei - Pragal
(2) Pinho Leal, Soares d'Azevedo Barbosa de, Portugal antigo e moderno..., 1876  Mattos Moreira, Lisboa
(3) Paróquia de Cristo Rei - Pragal
(4) PEREIRA DE SOUSA, R. H., Almada, Toponímia e História, Almada, Biblioteca Municipal, Câmara Municipal de Almada, 2003, 259 págs.

Outras leituras:

2 comentários:

  1. Bom resumo sobre a história da Ermida de São Sebastião, a que acrescento três comentários:

    Data de fundação:
    Foi encontrada a data de 1535 numa investigação arqueológica do subsolo da ermida, onde no pavimento de tijoleira do corpo central e altar-mor, havia uma inscrição do nome de D. João III e a data de 1535, data da construção, o que foi divulgado em: Ângela Luzia [Coord.], Luís de Barros, Fernando Henriques e Telmo António [Textos], na Exposição «Chão de Memórias», Museu da Cidade, Almada, Novembro, 2012.

    Quinta de São Sebastião, ou «de Retiro de Cuidados»:
    Aparece nos Livros da Décimas do século XVIII como pertencente a «António Joze, Surgião Mor do Regimento do Ex.mo Conde de Sam Payo», com casas nobres e ermida.

    Imagem de Nossa Senhora dos Prazeres:
    A lenda, referida no Santuário Mariano de Fr. Agostinho de Santa Maria, diz que a imagem estava na Ermida de S. Sebastião que localiza «Ao S. e perto de Cacilhas, está uma ermida, dedicada a S. Sebastião, martyr, que foi do padroado da camara municipal de Almada, a qual apresentava o respectivo eremitão». O que me coloca a dúvida se Fr. Agostinho não se estaria antes a referir à Ermida de S. Simão.
    Quanto a Catarina Maria, mulher de Francisco d’Azevedo Peleja, carcereiro da côrte, de facto é verdade toda a história confirmada por outras fontes que dizem o dito Francisco teve problemas conforme regista o livro «Cristãos-novos», de José Gonçalves Salvador (1969): «Anos depois o rei de Portugal solicitava providências ao bispo do Pôrto, a respeito do carcereiro da Côrte, Francisco de Azevedo Peleja, implicado na fuga da cadeia de Paulo da Cunha Souto Maior, filho de João da Cunha», e o livro «Inventário dos manuscritos da Biblioteca da Ajuda referentes à América do Sul», de Carlos Alberto Ferreira (1946), que refere: «sobre o que representou Catarina Maria, e seus filhos, mulher de Francisco de Azevedo Peleja, carcereiro da Cadeia da Corte, das necessidades que padece pela falta de seu marido, que se acha ausente, em razão de ter fugido daquela cadeia, Paulo da Cunha Souto Maior, filho de João da Cunha».
    Este Francisco foi pai de Pedro Paulo de Azevedo, e de outros filhos naturais da freguesia do Castelo de Almada, que depois foram para o Brasil.

    Esta senhora Catarina Maria, foi a «Carcereira» que deu nome à Quinta da Carcereira na Sobreda, pois em 1745 regista o Livro do Rol de Confessados da Caparica de 1745:
    «A quinta da Carçareyra que Possue Pedro Paulo de Azevedo».

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  2. Obrigado caro Rui Mendes, por este comentário e todos os outros contributos dados à história de Almada e Caparica

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