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segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Um lugar ao sol

A primeira colónia balnear da FNAT [inaugurada a 31 de Julho de 1938] é, assim, instalada na Mata da Caparica, com a designação "Um Lugar ao Sol" [...]

Costa da Caparica, FNAT, Colónia de férias Um Lugar ao Sol.
Imagem: Delcampe

A diferença mais significativa entre "Um Lugar ao Sol" e as restantes colónias balneares, está no facto de esta ter sido construída de raiz para o efeito, pensada como uma "cidade de férias", enquanto as restantes resultariam da adaptação de edifícios já existentes àquela função [...]

Introduzindo o conceito de "Turismo de massas" em Portugal, ou, neste contexto específico, talvez mais "para as massas", a filosofia de "Um lugar ao Sol" do Estado Novo nada tinha a ver com a visão futurista de Cassiano Branco para a Praia Atlântico, apresentada cinco anos antes, embora ambas anunciassem, pioneiramente, a conquista de direitos sociais que só com a regulamentação das férias pagas, em 1937, se vieram a concretizar, e timidamente [...]

Costa da Caparica, Jardim da FNAT, ed. Passaporte, 46, década de 1960.
Imagem: Delcampe

Em 1934, os Sindicatos Nacionais dos Bancários, Escritórios, Seguros, Balcão e Música apresentam à Comissão do Centro de Estudos Corporativos da União Nacional, presidida pelo engenheiro Higino de Matos Queiroz, a proposta conjunta da criação de uma "Colónia de Férias e Repouso" para o usufruto dos seus filiados.

A iniciativa é bem recebida pelas entidades oficiais e assumida pelos Serviços de Acção Social do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência (INTP), organismo integrado na Presidência do Conselho de Ministros e a funcionar sob a supervisão do Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social.

Para a concretização desta obra é pedida à Direcção Geral da Fazenda Pública a cedência de terrenos do Estado na Mata da Caparica, área classificada em regime florestal e abrangida pela zona de servidão militar das Baterias de Alpena e Raposeira [...]

Costa da Caparica, Bairro de Santo António e Foz do Tejo, ed. Passaporte, 2, década de 1960.
Imagem: Delcampe, Oliveira

A escolha da melhor implantação para o estabelecimento deste equipamento levanta alguma polémica. A Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas defende uma outra localização que não no interior da Mata, argumentando que "no interesse da população [e da própria instituição que se vai fundar] tão meritória obra pode ser realizada sem prejuízo da massa de pinhal existente" [...]

É na sequência deste pedido de cedência de terrenos que é criada a FNAT, a 13 de Junho de 1935, instituição à qual é feita a cessão da parcela escolhida e "que a princípio se destinava [apenas] a manter e dirigir" a Colónia de Férias, mas, logo, vê a sua acção estendida a “um campo mais largo, capaz de abranger todos os trabalhadores portugueses e promover o aproveitamento do seu tempo livre" [...]

Costa da Caparica, Colónia de Férias da Federação Nacional para a Alegria no Trabalho, Mário Novais, 1946.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

O jornal O Século [ed. 13 Julho 1938] visita as instalações, ainda antes da obra concluída, para nos dar conta da disposição geral do conjunto:

"Separados, existem dois dormitórios para solteiros, outros tantos para casados, e um para raparigas.

Costa da Caparica, alunas do Centro Católico Português no pinhal, 1938.
Imagem: Delcampe, Bosspostcard

Mais afastado, foi construído o pavilhão que se destina ao pessoal e onde se instalou também a lavandaria e armazem.

Cada quarto tem quatro camas dispostas como nos beliches de bordo. Só os que se destinam aos (...) casados possuem apenas uma cama, além de outra de menores dimensões para os filhos. Nos refeitórios existem duches, lavabos e retretes privativas. (...)

A área total da colónia é de cento e oitenta mil metros quadrados. Ali se pensa, em breve, construir uma secção para crianças, dotada de uma piscina com água do mar."

Interessante é que, em apenas três anos, a superfície de pinhal ocupada pela instalação da Colónia de Férias tinha aumentado de cerca de 40.000 metros quadrados para 180.000, mais que quadruplicando a área cedida no "Têrmo de Cessão" de 19 de Agosto de 1935 [...]

Costa da Caparica, FNAT - Um lugar ao Sol, Vista aérea, ed. Neogravura.
Imagem: Delcampe, Bosspostcard

Após a inauguração oficial da Colónia da Costa da Caparica, um outro artigo deste jornal fazia referência ao facto de os autores do projecto, "embora respeitando fielmente a tradição arquitectónica das construções portuguesas [, terem aproveitado] muitos ensinamentos colhidos na visita que fizeram no ano passado, às colónias de férias oficiais, italianas e alemãs".

Federação Nacional para a Alegria no Trabalho (F.N.A.T.).
Costa da Caparica, aspecto do almoço dos trabalhadores dos Sindicatos Nacionais, 1937.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

Acrescentava, ainda, que em todo o conjunto se podiam reconhecer as feições de uma obra que Salazar desejava "simples, despretenciosa, agradável, higiénica e confortável" [...]

Costa da Caparica, Colónia de Férias da Federação Nacional para a Alegria no Trabalho, Mário Novais, 1946.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

O sino da FNAT é o alarme que faz levantar da cama os preguiçosos às 8 horas da manhã, às 9 horas toca a sineta para o pequeno almoço, às 10 horas vai-se até à praia privativa da FNAT, onde o banheiro é conhecido pelo Tarzan.

António Gonçalves Ribeiro, Tarzan da Costa.
Imagem: Notícias da Gandaia

Por volta das 12 e 30, os colonos (...) regressam e cada um dirige-se para os seus aposentos onde um duche fresco dessalga o corpo. Entretanto ouve-se a sineta, convidando (...) ao almoço.

Costa da Caparica, Entrada ao refeitório da FNAT, ed. Passaporte, 45, década de 1960.
Imagem: Delcampe

À tarde dorme-se a sesta, joga-se uma partida de pingue-pongue, ou uma bilharada. Os mais idosos (...) passam a tarde jogando o loto.

E até às 17 horas pouco movimento se nota na Colónia.

Costa da Caparica, FNAT, Salão de Jogos 1946.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

Por volta das 18 horas os colonos mais novos jogam voleibol e patinam.

Cerca das 20 horas a sineta faz-se ouvir novamente — São horas de jantar. Depois, o Bar e as salas de diversão enchem-se de pessoas e, por vezes, faz-se um Pé de Dança.

A partir das 23 horas o silêncio reina em absoluto [...]

Pela publicação celebrativa dos Dez Anos de Alegria no Trabalho ficamos a saber que, em 1945, o complexo da colónia "Um Lugar ao Sol" era constituído por 29 edifícios. Número que, em comparação com os 7 pavilhões inicialmente construídos, testemunhava o sucesso da iniciativa junto dos Sindicatos Nacionais.

Um ano depois, na presença do Presidente da República, o General António Oscar de Fragoso Carmona, são inauguradas as novas instalações da Cozinha e do Refeitório, assim como novas unidades de alojamento, passando a Colónia a contar com 30 pavilhões, aumentando a sua capacidade para cerca de 1.000 veraneantes por turno.

Vinte anos depois da criação da FNAT, em 1954, eram já 38 os pavilhões existentes, que permitiam receber, em simultâneo, 1.555 pessoas, obrigando a uma nova ampliação do refeitório e ao complemento da oferta de serviços facilitados dentro do espaço da Colónia. Entre eles, a construção de um Parque de Campismo, em 1953 [...]

Cada "Pavilhão Familiar para Casais com Filhos" era composto por onze quartos e por instalações sanitárias colectivas, distribuídos a partir de um corredor central ao qual se acedia, de um dos extremos do volume, através de um pequeno pátio com pérgolas.

Costa da Caparica, Colónia de férias da FNAT Pavilhão n° 1, ed. Passaporte, 100, década de 1960.
Imagem: Delcampe

A área dos quartos era reduzida, cerca de 10 m2, considerando que neles dormiam um casal com dois filhos, estes instalados em beliches, e que em cada quarto havia, ainda, uma pequena área com retrete e lavabo.

Na selecção dos pedidos de inscrição na Colónia de Férias, a que tinham acesso apenas os trabalhadores "que se situavam em categorias profissionais inferiores à de chefe de secção", eram considerados prioritários os beneficiários da FNAT que se fizessem acompanhar do maior número de filhos e os que auferissem de menores rendimentos; os que tivessem indicação médica expressa, comprovada pelos serviços da Fundação, da "necessidade absoluta de uma estadia à beira mar"; os sócios mais antigos; quem residisse o mais afastado do litoral; e quem menos vezes tivesse utilizado a colónia balnear.

Festa na colónia de férias Um Lugar ao Sol.
Imagem: Delcampe, Bosspostcard

Qualquer dúvida seria resolvida por sorteio. (1)


(1) Lobo, Susana Luísa Mexia, Arquitectura e Turismo: Planos e Projectos. As Cenografias do Lazer na Costa Portuguesa. Da 1.ª República à Democracia, Coimbra, Faculdade de Ciências e Tecnologia, 2013

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