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sexta-feira, 25 de março de 2016

O dragoeiro

No Jardim Botânico da Ajuda havia um dragoeiro de tamanho desconforme, e cuja sombra era propicia aos idyllios.

Lisboa, Vista do Paço da Ajuda, Louis Lebreton, c.1850.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Um dia a Bella Infanta abrigara-se de um aguaceiro n'aquelle asylo de Vénus com o moço inglez.

Princesa, Maria da Glória, futura rainha D Maria II, 1833.
Imagem: Wikipédia

De súbito apparece o jardineiro. O inglez tirou do bolso uma pistola e ia a desfechar com elle quando a Infanta, n'um bom impulso, lhe teve mão. O jardineiro, nos meus primeiros tempos da Ajuda, seria homem dos seus sessenta annos, e contava o caso a toda a gente.

Vista de Lisboa — Tejo e Palácio da Ajuda, Isaías Newton (1838-1921), 1859.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

Garrett, passando o verão de 1849 na casa de Herculano, improvisou a lápis, debaixo da sombrio dragoeiro, os versos das "Folhas cahidas" que se intitulam: "Gôso e Dôr". (1)

Na tapada d'Ajuda, Arthur Loureiro, 1879.
Imagem: Hemeroteca Digital

Se estou contente, querida,
Com està immensa ternura
De que me enche o teu amor?
— Não. Ai! não; falta-me a vida,
Succumbe-me a alma a ventura:
excesso do góso é dor.

A Ajuda vista das Necessidades, Charles Landseer, 1825.
Imagem: Instituto Moreira Salles

Doe-me alma, sim; e a tristeza
Vaga, inerte e sem motivo,
No coração me poisou.
Absorto em tua belleza,
Nào sei se morro ou se vivo,
Porque a vida me parou.

Paisagem e rio Tejo, Isaías Newton (1838-1921).
Imagem: Cabral Moncada Leilões

É que não ha ser bastante
Para este gosar sem fim 
Que me inunda o coração.
Tremo d'elle, e delirante
Sinto que se exhaure em mim
Ou a vida — ou a razão... (2)

O Tejo visto do Alto da Ajuda, Casimir Leberthais (????-1852).
Imagem: Cabral Moncada Leilões

Quantos suspiros de amantes não terá ouvido o monstro vegetal! (3)

Dracaena draco do jardim do Paço Real d'Ajuda, 1879.
Imagem: Mãos Verdes


(1) Bulhão Pato, Memórias Vol. III, Quadrinhos de outras éphocas, Lisboa, Typographia da Academia Real das Sciencias, 1907
(2) Almeida Garrett, Folhas cahidas, Lisboa, Em casa da viúva Bertrand e filhos, 1853
(3) Bulhão Pato, Idem

Informação relacionada:
Archivo Pittoresco, n.° 27, 1862

Archivo Pittoresco, n.° 28, 1862

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