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quarta-feira, 26 de abril de 2017

Nas arribas do mar (faíscas de fogo morto)

Por todo este almaraz ao terreno ondulando, 
Tal como ondula o mar, quando o tempo está brando. 
Nos contrastes de luz, no variado matiz, 
Nenhum lhe dá de rosto em volta do paiz.

The Praҫa do Comércio Lisbon, John Cleveley Jnr, 1775.
Imagem: Bonhams

As folhas dos trigaes, vinhedos e pomares, 
Pendendo para o mar á beira dos algares.

Val de Flores, Rosal, a fecunda Sobreda, 
Conservando a azinhaga e a sombria vereda.

As "Villas de Azeitão", o medo de Albufeira, 
A Charneca, formando uma enorme clareira 
Cingida de pinhaes. No gracioso recorte, 
Cintra, no seu perfil, campeando sobre o norte.

A Arrábida domina ufana o Sado e Tejo. 
Não tem outra rival por todo esse Alemtejo.

Vista do Tejo tomada de Belém, Bellisle looking down the Tagus, John Cleveley Jnr, 1775.
Imagem: Bonhams

O Atlântico á barra. O rio, a desaguar, 
Funde na vaga azul a tinta verde-mar.

Seja em que ponto for é relancear a vista; 
Sempre, no vasto quadro, uma nota imprevista.

Pescadores no Tejo, Fishermen at work off the mouth of the Tagus, John Cleveley Jnr, 1775.
Imagem: Bonhams

Rompe um formoso dia. O mar azul e manso. 
Vem as redes á Costa, e com soberbo lanço.

De toda a povoação, e remotos casaes, 
As recovas lá vão a travez dos juncaes.

Vista do Tejo e da Trafaria, The river Tagus at Trafaria, John Cleveley Jnr, 1775.
Imagem: Bonhams

E a trepar a ladeira, — a saia coruscante, 
A cestinha á cabeça, o lenço fluctuante, 
— Correm, com seus pregões, á venda, as raparigas, 
Pregoes que têm um tom de jovenis cantigas!

Cae a noite. O farol, as frechas rutilantes, 
Atira pelo oceano e guia os navegantes.

Vista do Tejo e do Forte de S. Lourenço, Bugio Castle, the Tagus, John Cleveley Jnr, 1775.
Imagem: Bonhams

Accendem-se também Bugio e Sam Julião. 
A cidade illumina, e reflecte o clarão 
No Tejo que lá vae, na veia crystallina, 
Levando, a scintillar, o véo da tremulina. (1)


(1)  Bulhão Pato, Faíscas de fogo morto, Lisboa, Typ. da Academia Real das Sciências, 1908

Artigo homónimo:
Nas arribas do mar (cf. Bulhão Pato, Memórias, Vol. III, Lisboa, 1894)

Artigo relacionado:
John Cleveley Junior e o Tejo, 1775

sábado, 1 de abril de 2017

Laura, a duquesa d'Abrantes

Fazia já calor, e os campos dos arredores ofereciam uma vista encantadora. Alegrava-me plenamente com esta bela natureza, e todos os dias ia passear em "gôndola" pelo Tejo, fosse para ir a Almada, ou para subir a Sacavém, ou, mesmo ainda, para aproveitar a brisa ao fim da tarde e ir em "calèche" até Pedrosa, a uma charmosa quinta que possuía neste lugar a duquesa do Cadaval [...] (1)

Panorâmica da Lisboa ribeirinha antes do Terramoto de 1755,
tomada a partir dos jardins do palácio do Marquês de Abrantes (onde hoje se encontra a embaixada de França).
Imagem: Museu de Lisboa

Pude sair. O meu marido reservou o escaler e fomos pela água a Almada, no outro lado do Tejo.

Estava fraca, estonteada, como que saída de uma longa doença. Este passeio recuperou-me. Entretanto não pude comer mais do que uma laranja em todo o dia e, durante vários dias, foi-me impossível cheirar uma flor.

Vista do Tejo tomada do palácio da embaixada de França, Joseph Fortuné Séraphin Layraud, 1874.
Image: Musée Saint-Loup, Troyes, no flickr

Almada, de que falei, é uma grande vila situada sobre a margem do Alemtejo, sobre o lado do sul.

É lá que vários habitantes têm as quintas. As colinas, que as envolvem, sáo retalhadas pelas flores mais belas. A convolvulus tricolor cobre a terra com as suas belas flores [bons-dias, bela-manhã] em rasgos de azul-celeste rivalizando com o belo céu do país.

Boca de Vento, estrada da Fonte da Pipa, junto à altura da Casa da Cerca.
Vista de Lisboa tomada da margem esquerda do Tejo, Joseph Fortuné Séraphin Layraud, 1874.
Image: Musée Saint-Loup, Troyes, no flickr

A igreja de Almada merece ser vista, e é um fim de passeio tão mais agradável que revemos sempre com um novo charme Lisboa e os seus ricos arredores.

Era em Almada que se davam no verão as corridas de touros. Há um circo por detrás da praça do Rocio, mas as gentes de Lisboa preferiam ir ver os touros a Almada do que a esse sítio fechado, e eles tinham razão. De resto, o melhor teria sido de não ter ido de todo, porque as corridas de touros em Portugal não são mais do que uma má paródia às de Espanha.

Os touros são boleados. Metem-lhes bolas de marfim ou de osso, grandes como uma maçã, na ponta dos cornos, e desta maneira o homem que os combate corre menos perigo.

Esta medida foi ordenada desde que o filho do conde dos Arcos foi morto por um touro ao combatê-lo. O touro apanhou-o de surpresa, quando o infeliz jovem se retornava para falar ao rei.

A morte do Conde dos Arcos, aguarela de Alfredo Roque Gameiro.
O marquês de Marialva vingando a sua morte do seu filho na ultima corrida real de Salvaterra de Magos.
Imagem: issuu

Acontecem sempre os acidentes apesar disso, e eu fui testemunha de uma infelicidade no primeiro dia que fui a Almada. Um homem apresenta-se para combater o touro. O animal tinha o sentido da sua força, mas sabendo que esta estava neutralizada no uso dos seus cornos, não tenta sómente se servir dela. Fundiu-se sobre o homem, e com o focinho fendeu-lhe o externo. O infeliz grita vomitando goles de sangue e expira antes de ser transportado para fora do circo.

Amo Almada. Amo sobretudo a sua igreja, situada sobre uma altura...

Laure Permon (Junot) (1784-1838), duchesse d'Abrantes.
Imagem: Bibliothèque nationale de France

É principalmente ao fim da tarde que se deve ir a Almada.

Almada c. 1810, Pierre Eugène Aubert  (assina 'Aubert fils' c. 1815 e 'Aubert père' a partir de 1840), segundo
Lisbon from Fort Almeida [sic],
Drawn by C. Stanfield from a Sketch by W. Page, Engraved by E. Finden, Fieldmarshal The Duke of Wellington

Deve-se partir de Lisboa ao pôr-do-sol. Vê-se ainda os cimos das colinas dourados pelos seus ultimos raios. Depois eles enfraquecem. O céu fica mais escuro, o vento arrefece e levanta-se [...] (2)


(1) Alber Savine, Le Portugal il y a cent ans..., Paris, Louis-Michaud, 1912
(2) Idem

Leitura relacionada:
Fonseca Benevides, Francisco, No tempo dos francezes, Lisboa, A Editora, 1908, 319 págs.

Bibliografia relacionada:
Laure Junot (1784-1838), duchesse d'Abrantès...