Panorâmica da Lisboa ribeirinha antes do Terramoto de 1755, tomada a partir dos jardins do palácio do Marquês de Abrantes (onde hoje se encontra a embaixada de França). Imagem: Museu de Lisboa |
Pude sair. O meu marido reservou o escaler e fomos pela água a Almada, no outro lado do Tejo.
Estava fraca, estonteada, como que saída de uma longa doença. Este passeio recuperou-me. Entretanto não pude comer mais do que uma laranja em todo o dia e, durante vários dias, foi-me impossível cheirar uma flor.
Vista do Tejo tomada do palácio da embaixada de França, Joseph Fortuné Séraphin Layraud, 1874. Image: Musée Saint-Loup, Troyes, no flickr |
Almada, de que falei, é uma grande vila situada sobre a margem do Alemtejo, sobre o lado do sul.
É lá que vários habitantes têm as quintas. As colinas, que as envolvem, sáo retalhadas pelas flores mais belas. A convolvulus tricolor cobre a terra com as suas belas flores [bons-dias, bela-manhã] em rasgos de azul-celeste rivalizando com o belo céu do país.
Boca de Vento, estrada da Fonte da Pipa, junto à altura da Casa da Cerca. Vista de Lisboa tomada da margem esquerda do Tejo, Joseph Fortuné Séraphin Layraud, 1874. Image: Musée Saint-Loup, Troyes, no flickr |
A igreja de Almada merece ser vista, e é um fim de passeio tão mais agradável que revemos sempre com um novo charme Lisboa e os seus ricos arredores.
Era em Almada que se davam no verão as corridas de touros. Há um circo por detrás da praça do Rocio, mas as gentes de Lisboa preferiam ir ver os touros a Almada do que a esse sítio fechado, e eles tinham razão. De resto, o melhor teria sido de não ter ido de todo, porque as corridas de touros em Portugal não são mais do que uma má paródia às de Espanha.
Os touros são boleados. Metem-lhes bolas de marfim ou de osso, grandes como uma maçã, na ponta dos cornos, e desta maneira o homem que os combate corre menos perigo.
Esta medida foi ordenada desde que o filho do conde dos Arcos foi morto por um touro ao combatê-lo. O touro apanhou-o de surpresa, quando o infeliz jovem se retornava para falar ao rei.
A morte do Conde dos Arcos, aguarela de Alfredo Roque Gameiro. O marquês de Marialva vingando a sua morte do seu filho na ultima corrida real de Salvaterra de Magos. Imagem: issuu |
Acontecem sempre os acidentes apesar disso, e eu fui testemunha de uma infelicidade no primeiro dia que fui a Almada. Um homem apresenta-se para combater o touro. O animal tinha o sentido da sua força, mas sabendo que esta estava neutralizada no uso dos seus cornos, não tenta sómente se servir dela. Fundiu-se sobre o homem, e com o focinho fendeu-lhe o externo. O infeliz grita vomitando goles de sangue e expira antes de ser transportado para fora do circo.
Amo Almada. Amo sobretudo a sua igreja, situada sobre uma altura...
Laure Permon (Junot) (1784-1838), duchesse d'Abrantes. Imagem: Bibliothèque nationale de France |
É principalmente ao fim da tarde que se deve ir a Almada.
Deve-se partir de Lisboa ao pôr-do-sol. Vê-se ainda os cimos das colinas dourados pelos seus ultimos raios. Depois eles enfraquecem. O céu fica mais escuro, o vento arrefece e levanta-se [...] (2)
(1) Alber Savine, Le Portugal il y a cent ans..., Paris, Louis-Michaud, 1912
(2) Idem
Leitura relacionada:
Fonseca Benevides, Francisco, No tempo dos francezes, Lisboa, A Editora, 1908, 319 págs.
Bibliografia relacionada:
Laure Junot (1784-1838), duchesse d'Abrantès...
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