Páginas

domingo, 1 de janeiro de 2023

Os O'Neill e a Quinta da Arealva

Foi o local escolhido por João O’Neill para sua residência, no que foi ajudado pelo Reitor do Colégio Irlandês em Lisboa. A quinta estremava a Nascente com a Quinta do Olho de Boi pertencente a primos da sua mulher D. Valentina Ferreira uma proprietária na Merceana perto de Alenquer.

Vista de Lisboa (tomada da margem sul), Alexandre-Jean Noël.
Cabral Moncada Leilões

Nessa época quase todos os chefes das grandes famílias Irlandesas que não aderiram ao protestantismo e à Coroa Inglesa, foram proscritos e para manter os seus direitos de linhagem viram-se obrigados a sair da Irlanda na esperança de poderem voltar. A ancestral tendência em associar a natureza humana ao resto da natureza levou o povo a apelidar esse movimento de Flight of the Wild Geese — voo dos gansos bravos — pela semelhança com o regresso das aves migratórias ao seu ponto de partida.

A dúvida quanto à probabilidade da criação de condições que tornassem o regresso útil levou muitos destes lideres emigrados, a procurar soluções mais duradouras que, tirando partido da sua experiencia, dos seus hábitos e da sua visão especial da vida, se lançassem em actividades em que tivessem um fac- tor diferenciador positivo em relação aos seus concorrentes.

A produção e distribuição de vinho e de bebidas alcoólicas em cuja avaliação eram peritos, foi naturalmente uma das principais escolhas. O afinado sentido de humor dos irlandeses levou-os a apelidar estes líderes emigrados “Wine Geese” os gansos do vinho.

A nossa família obteve as duas qualificações: Wild Geese pela saída de Felim O’Neill para França à frente do regimento O’Neill da Brigada Irlandesa e Wine Geese devido à montagem pelo seu neto Shane ou João na Quinta da Arealva de uma adega e um negócio de compra e venda de vinhos, que mais tarde evoluiu para a exportação de vinhos para os Estados Unidos em colaboração com Charles, seu irmão, que veio mais tarde para Portugal armando um navio “João e Carlos” especialmente destinado a este transporte e que usava o ainda existente cais da Quinta para a carga e descarga dos vinhos.

Os vinhos foram ganhando fama tendo João recebido a visita de Giuseppe Baretti, um homem de letras e um desfrutador da vida, que o visitou em 1760 assinalando a sua visita numa das suas obras, onde descreve o cais, a qualidade dos vinhos e a elegância da adega e da quinta. (1)

E foi uma felicidade que aquele senhor negociante de vinhos que se chama O'Neal, usasse para commigo de tanta cortezia quanta vilania tinha praticado o velho doutor da tal mulher nova, o qual apenas quiz consentir que eu depenicasse um cacho das suas vinhas, que todavia estavam carregadíssimas d'elles.

Retrato de Giuseppe Baretti (1719-1789) por Joshua Reynolds.
Wikipedia

Deu-me com liberalidade o sr. O'Neal a beber quanto eu quiz, e fez-me provar mais qualidades de vinhos muito estimados, e aos meus suados barqueiros deu tambem um garrafão, pondo ainda dificuldade em deixar metter algum dinheiro no bolso de um seu pequeno.

Aquelle cavalheiro tem a sua casa protegida do rio por uma espécie de molhe construido de grossos penedos, e, tendo eu subido a esse molhe, recreei-me de ver dois escravos da Guiné, mais pretos do que pez nadarem no rio, e darem viravoltas e saltos na agua, e mergulhos, que era um regalo vel-os; e, a troco de alguns cobres que lhes dei, armaram uma dança sobre as ondas, cantando á sua moda, ora mergulhando, ora pulando de todo no ar. de modo tão assombroso, que seria mais facil agarrar uma enguia pelo rabo. (2)

Quinta da Arealva (detalhe)
Margarida Bico

Valentina Ferreira morre em 1766 e João O’Neill resolveu construir em sua memória uma ermida a que deu o nome de S. João Baptista, padroeiro de Almada. Aí casou a sua filha Maria com Brian Lynch em 1774. Em 1786 dois dos seus filhos puseram-lhe uma acção de partilhas e obtiveram do tribunal a posse provisória da Quinta.

João O’Neill morreu em 1788 e após a sua morte a casa e quinta passaram para a sua filha Maria que a vendeu em 1813 a João Luis Lourenço (...) (3)


(1) António Cunha Bento, Inês Gato de Pinho, Maria João Pereira Coutinho, Património arquitectónico civil de Setúbal e Azeitão, 2019
Occidente n.° 625, 5 de maio de 1896
António Cunha Bento, Inês Gato de Pinho, Maria João Pereira Coutinho, Idem

Artigo relacionado:
Almada em 1760

Informação relacionada:
Lugares de Almada: Da Fonte da Pipa à Arialva, passando pelo Olho de Boi
Andrew Shepherd, The O’Neills of Portugal, 2020

Sem comentários:

Enviar um comentário