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quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Os conjurados de 1640

El Atlas del Rey Planeta (detalhe), Pedro Teixeira, 1634.
Imagem: La descripción de España y de las costas y puertos de sus reinos

A Hespanha estava nesse tempo em guerra com a França e como desta Nação tinha apparecido huma esquadra pelas Costas de Portugal, pareceo ao Ministro ter hum pretexto favorável aos seus desígnios: era necessário que em Portugal houvesse hum General em Chefe para commandar as Tropas que se destinassem para defender os Portos, onde os Francezes podessem fazer alguma invasão;

e nestas circumstancias enviou ElRei de Hespanha ao Duque de Bragança a nomeação deste emprego com muitas distincçôes, e com huma authoridade absoluta de fazer fortificar as Praças marítimas que devia visitar, augmentando, ou dirninuindo as suas guarnições como bem lhe parecesse, o que fez murmurar altamente a Corte de Hespanha, vendo a céga confiança com que parecia entregar-se o Reino todo á discrição do Duque de Bragança.

O segredo desta Commissão tão franca estava só entre o Rei do Hespanha, e o seu primeiro Ministro: tinha este mandado huma ordem muito secreta aos Governadores das Praças marítimas, que erão quasi todos Hespanhoes, para se assegurarem da pessoa do Duque achando favorável occasião, e para o fazerem passar logo á Hespanha, para cujo fim andavão costeando Portugal algumas naos Hespanholas.

O Duque de Bragança que via muito bem quão pouco sinceras erão tantas, e tão extraordinárias distincções da parte de Hespanha, fêlla cahir nos mesmos laços que lhe armava.

Escreveo ao primeiro Ministro para que representasse a ElRei o prazer com que elle acceitava o Posto que lhe conferira e no qual esperava justificar a sua escolha.

Foi então que o Duque vio quasi chegado o momento da sua exaltação ao Throno de seus Avós.

A authoridade do emprego de Governador das Armas lhe facilitou o poder nomear moderadamente os seus amigos, nos Postos em que hum dia lhe viessem a ser mais úteis.

Fez-se acompanhar de alguns Officiaes escolhidos, e de huma equipagem magnifica y própria da sua Grandeza, de sorte que nas Praças que visitou fez perder todas as esperan ças de se attentar contra a sua Real Pessoa.

Ninguém se lhe atreveo.

Em toda a parte por onde passava atrahia o coração dos povos y que admiravão a sua liberalidade, ouvindo a todos benignamente, e familiarizando-se còm a Nobreza de tal modo que todos absolutamente no interior o desejavão ter por seu Soberano.

Desta sorte chegou o Duque á Villa de Almada, (proposta dos Fidalgos) onde apenas se soube da sua chegada foi a Nobreza toda visitallo.

Portogallo, Lisbona dal promontorio.
Gravura executada por Terzaghi sobre desenho de Barbieri reproduzido de um original do século XVII.

D. Miguel de Almeida, D. Antão de Almada, e Pedro de Mendonça Furtado, estando sós com elle lhe communicárão a resolução em que elles, e muitos da sua qualidade estavão de o acclamarem Rei de Portugal, representando-lhe vivamente a desgraçada situação em que se achava este Reino, e que só se podião remediar tão lamentáveis ruinas querendo elle acceitar a Coroa.

Armas de Almada chefe, livro do Armeiro-Mor.
Imagem: Wikipédia

Que elles, e hum grande número de Fidalgos lhe offerecião todas as suas faculdades para o ajudarem a subir ao Throno, sacrificando com efficacia os seus bens, e as suas vidas, para vingarem a Nação da tyrannia dos Hespanhoes.

O Duque respondeo com muita modéstia, e com mais cautela y dizendo que convinha com elles no que lhe representavão a respeito da situação de Portugal, reduzido á ultima calamidade.

Que louvava muito o zelo que mostravão ter pela bem da Pátria, e que em particular agradecia muito a toda a Nobreza o quanto se interessava por elle; porém que duvidava do bom succesfo da empreza, por lhe parecer que não era ainda tempo opportuno de a pôr em execução, sem se tomarem todas as necessárias medidas com madura prudência.

Com esta resposta que o Duque não quiz fazer mais positiva partirão os tres Fidalgos, não desanimados do bom êxito da sua resposta, e determinarão logo fazer a primeira Junta dos Confederados com muito segredo, e cautela.

Os conjuração de 1640, Manuel Lapa, c. 1936.
Imagem: almanaque silva

Passou o Duque a visitar a Vice-Rainha Duqueza de Mantua , desembarcando no Terreiro do Paço onde se achava innumeravel povo para o verem passar. Taes forao as demonstrações de prazer , e de contentamento, que motivarão novo y e decisivo ciúme aos Hespanhoes que as observavão.

Entrando no Paço a visitar a Vice-Rainha, estavão na grande sala duas cadeiras, huma debaixo do docel para a Duqueza de Mantua, outra da parte de fora para o Duque de Bragança.

Thomé de Sousa Fidalgo de grande valor, e tronco dos Condes de Redondo, inflammado em zelo da honra do Duque, que, em presença de toda a Nobreza levantou a cadeira, e a collocou debaixo do Sólio, porque o Duque não tivesse a Audiência com menos decoro.

D. João (1604 - 1656), Duque de Bragança.

Este arrojo capitulado pelos Hespanhoes como hum crime, o trouxe em tribulação com a Corte de Hespanha dalli por diante.

Passados alguns dias recolheo-se o Duque a Villa Viçosa, livre dos laços que a malícia do primeiro Ministro lhe quizera urdir.

Tinha ficado em Lisboa o Doutor João Pinto Ribeiro criado particular do Duque e seu Confidente.

Este homem era activo , e com muita instrucçáo de negócios politicòs, aquém D. Miguel de Almeida chamou para a Conferencia da primeira Junta da Nobreza por conhecer a sua capacidade, esaber o quanto elle seriamente se interessava pela exaltação do Duque.

Juntárão-se em casa do Monteiro-Mór Francisco de Mello, (primeira Junta dos Fidalgos) seu irmão Jorge de Mello, D. Miguel de Almeida, D. Antão de Almada, Pedro de Mendonça Furtado, Antonio de Saldanha, e João Pinto Ribeiro , onde depois de bem ponderadas reflexões, assentarão em escrever ao Marquez de Ferreira, D. Francisco de Mello, e a D, Affonso de Portugal, Conde de Vimioso, que assistião em Évora, para representarem ao Duque de Bragança os irreparáveis damnos, que se seguirião aos Portuguezes, se elle não aceitasse a Coroa que lhe offerecião, e que injustamente fora pelos Hespanhoes roubada a seus Avós.

D. Antão de Almada (1573 - 1644).
Imagem: Wikipédia

Que a occasião na conjunctura presente era a mais favorável, e opportuna, pois que as forças de Hespanha se achavão divididas pôr muitas partes.

Recebia o Duque estas persuasões, sem se determinar ainda a huma declaração aberta.

Pensava nas difficuldades que haviáo a vencer, e queria informar-se bem das medidas que se tomavão para emprehender huma acção que decidia da tranquilidade da Nação inteira, ou a precipitava na sua total ruina.

Tal era a sua prudência, esperando que João Pinto Ribeiro fosse de Lisboa, para lhe dar conta do que a este respeito se passava.

As demonstrações de alegria que o povo de Lisboa fizera, quando o Duque passou de Almada a visitar a Vice-Rainha, inquietarão muito a Corte de Madrid, fazendo grande impressão ao primeiro Ministro.

Lisboa, Terreiro do Paço, Dirk Stoop, 1650.
Imagem: Museu da Cidade de Lisboa

Começárão a haver suspeitas, de que a Nobreza de Portugal fazia particulares, e acauteladas Assembléas;

e certas vozes que se espalhavão, como presagas de grandes acontecimentos, tinhão augmcntado mais aquella inquietação.

ElRei de Hespanha convocou o seu Conselho, e para tirar aos Portuguezes a esperança de ganharem partido em alguma revolução que podessem meditar, resolveo que immediatamente fosse chamado a Madrid o Duque de Bragança, único Chéfe que em Portugal se podia temer.

Despachou-se logo hum Correio a Villa Viçosa com carta do próprio punho d'ElRei para o Duque, cheia de artificiosas promessas, na qual lhe ordenava que partisse a Madrid sem perda de tempo, para o acompanhar á expedição da Catalunha.

O mesmo Correio marchou immediatamente para Lisboa com ordem a todos os Fidalgos, para também partirem para Madrid.

Foi errado este ultimo plano do Duque de Olivares, porque sendo o seu fim tirar o Duque de Bragança deste Reino, e a Nobreza principal, aquelle tomou finalmente a resolução de acceitar a Coroa que lhe pertencia por Direito, e esta irritou-se novamente com as ordens que recebia, para ir acompanhar o Rei de Hespanha á expedição de Catalunha. [...]

Chegou finalmente o sempre memoravel, e glorioso dia de sabbado, primeiro de Dezembro de mil seiscentos e quarenta.

Armas do Rei de Portugal, livro do Armeiro-Mor.
Imagem: Wikipédia

Apenas amanheceo, todos os Fidalgos Confederados, e os seus adjuntos se armarão, (dia feliz da acclamação) ajuntando-se huma grande parte delles em casa de D. Miguel de Almeida, d'onde partirão separados huns dos outros para o Paço, e para outros lugares a occuparem os Postos, que lhes estavão já destinados, D. Filippa de Vilhena, Condeça da Atouguia, heróica, e varonilmente ajudou a armar com as suas próprias mãos a seus dois Filhos, D. Jeronymo de Ataíde y e D. Francisco Coutinho exhortando-os com todo o valor para a gloriosa empreza a que hião.

D. Filipa de Vilhena, Vieira Portuense (1765-1805), 1801.

Conta-se que o mesmo fizera D. Marianna de Lencastre a seus Filhos, Fernão Telles, e Antonio Telles da Silva. [...]

D. João da Costa, e João Rodrigues de Sá com outros Fidalgos, e Pessoas Confidentes, forão a bordo dos dois Galeões de Hespanha que se achavão surtos no Tejo, armados em guerra, que sem mais resistência se renderão, a pezar de terem toda a guarnição de Infanteria Hespanhola, e estarem promptos a a fazer-se á vela.

Forão outros ao Castello, e mandarão a D, Luiz del Campo a Ordem da Duqueza, para que o entregasse; e duvidando este da Ordem, por não ir com a formalidade que elle queria, Mathias de Albuquerque, que alli se achava prezo, e que nada sabia com certeza da Acclamação, aconselhou ao Governador, que ou sahisse com o presidio que guarnecia o Castello, ou se puzesse em defensa, se o rumor que se ouvia pela Cidade passasse a mais.

Com effeito fechárão-se as portas, e prevenio-se a artilheria.

Requererão os Governadores á Duqueza segunda Ordem, para que se não fortificasse o Castello, a que D. Luiz del Campo obedeceo, e já Mathias de Albuquerque que nada lhe disse a este respeito, por ter noticias certas da Acclamação;

e como não houve tempo para se entregar com a solemnidade que o Governador queria, ficou naquella noite rodeado o Castello de todas as Companhias das Ordenaraças.

No dia seguinte foi D. Alvaro de Abranches, Thomé de Sousa, e D. Francisco de Faro com ordem definitiva para D. Luiz del Campo entregar o Castello.

Immediatamente mandou abrir as portas, entrou dentro D. Alvaro de Abranches, e tomou posse finalmente do Castello, em quanto não vinha ElRei y ou não chegava D. Alvaro Pires de Castro, Conde de Monsanto, e Aicaide-Mór de Lisboa.


Soltou Mathias de Albuquerque, e a Rodrigo Botelho, Conselheiro da Fazenda, que também se achava prezo.

Sahírão os Hespanhoes com a sua Equipagem, e com as honras militares por privilegio da Capitulação que fizerão, e forão conduzidos por D. Antonio Luiz de Menezes até ás Tercenas, onde se alojarão, e onde tiverão depois Passaportes d'ElRei com ajudas de custo, para que divididos passassem para Hespanha.

Rendido o Castello se entregarão nesse dia as Torres de Belém, Cabeça secca, Torre velha, Santo Antonio da Barra, e o Castello de Almada.

A barra do Tejo baseada no Regimento de Pilotos de António de Mariz Carneiro de 1642, reprodução de 1673.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Tanto pôde o exemplo e tanto pôde o medo. [...] (1)


(1) Roque Ferreira Lobo, Historia da feliz acclamação do Senhor Rei D. João o Quarto..., Lisboa, Na Officina de Simão Taddeo Ferreira, 1803.

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