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terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Defesa de Lisboa em 1810 (III)

O número de prisioneiros acumulou-se tanto que se tornou um sério inconveniente; porque, por alguma razão não aparente, o almirantado inglês não permitia que eles fossem transportados para Inglaterra nos navios de guerra, e os outros barcos não podiam ser dispensados.

Views in Spain and Portugal..., The Aqueduct (called os Arcos), with a distant view of Lisbon and the Tagus.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Ao mesmo tempo também o almirante Berkeley em cujo relatório, elaborado um ano antes, dizia que mesmo que o inimigo pudesse ocupar as alturas de Almada, não poderia provocar dano na frota no rio [v. Defesa de Lisboa em 1810 (II)], agora admitindo que estava errado, os engenheiros tiveram diretivas para construir linhas secundárias nesse lado.

Esboço do terreno da margem esquerda do Tejo, extendendo-se de Almada à Trafaria, entrincheirado como posição militar, cf. Journals of sieges carried on by the army under the Duke of Wellington, 1811-1814.
(Assinalam-se também o Vale de Mourelos interseptado por vedações e os esteiros no lugar da Piedade)
Imagem: Internet Archive

Outro mal formidável, proveniente da conduta da regência, era o estado do exército português. As tropas eram tão precariamente abastecidas que mais do que uma vez teriam desmobilizado, se não tivessem sido aliviadas pelos abastecimentos ingleses. 

Dez mil soldados de linha desertaram entre abril e dezembro, e as milícias e as ordenanças abandonaram as suas cores em números muito maiores; já que nenhum forte protesto poderia induzir a regência a pôr as leis em força contra os delinquentes, o que a princípio era por querer e que depois se tornou um hábito; então mesmo quando alimentados regularmente, pelos armazéns ingleses nas linhas, a deserção era alarmadamente grande.

Mesmo apesar desta má conduta que crescia de dia para dia, nem o patriarca nem o representante do príncipe regente deixaram de se opor.

A ordem para fortificar as alturas de Almada causou uma violenta altercação na regência, e lord Wellington, muito zangado, denunciou-a ao príncipe regente; e a sua carta produziu um tal ataque de ira no patriarca, que este insultou pessoalmente mr. Stuart, e ventilou a sua paixão na mais indecente linguagem contra o general.

Imediatamente após isto, o estado deplorável das finanças obrigou o governo a virar-se para o perigoso expediente das requisições em géneros para alimentar as tropas: e nesse momento crítico o patriarca, cuja influência era, por diversas causas, muito grande, tomou a ocasião para declarar que "não sofreria incómodos por concordar com pessoas que evidentemente não tinham algum outro propósito do que o de alimentar a guerra no coração do reino". [...]

No exército português, desde o mês de abril, as mortes foram 4.000, as desmobilizações 4.000, as deserções 10.000, os recrutas 30.000; os números foram a partir daí incrementados, mas a eficiência para grandes evoluções, apesar disso, decresceu. Os auxiliares espanhóis também, mal governados e turbulentos, estavam em desacordo aberto com os portugueses, e o seu general não era ele mesmo capaz na guerra nem capaz com aqueles que o eram.

Enquanto as alturas de Almada estivessem despidas, a margem esquerda do Tejo não poderia ser vigiada com menos de 12.000 homens [...]

Lisbon from Fort Almeida [sic], Drawn by C. Stanfield from a Sketch by W. Page, Engraved by E. Finden, Fieldmarshal The Duke of Wellington
Imagem: Cesar Ojeda

Se Massena perdesse mesmo que fosse só um terço das suas forças, o 9e Corps d'Armée poderia substitui-las. Se lord Wellington falhasse, as linhas teriam ido, e com elas toda a península.

Ele julgou que seria melhor ficar na defensiva, para fortalecer as linhas, e avançar suficientemente com os trabalhos em Almada; entretanto, acalmando as perturbações causadas pelo patriarca, para aperfeiçoar a disciplina nas tropas portuguesas, e melhorar a organização da milícia na retaguarda do inimigo. [...]

Calculou-se que antes do fim de janeiro mais de 40.000 tropas frescas cooperariam com Massena; e os preparos foram feitos de acordo com isso. Uma linha externa de defesa, desde Aldea Gallega [Montijo] to Setuval, estava já em estado avançado; Abrantes, Palmella, and St. Felippe de Setuval foram finalmente aprovisionadas; e uma cadeia de fortes paralelos ao Tejo foi contruida nas colinas, alinhada na margem esquerda, de Almada até à Trafaria [v. Defesa de Lisboa em 1810 (I)] [...]

A estadia de Massena em Santarém mostra o que 30.000 homens adicionais agindo na margem esquerda do Tejo poderiam ter feito, se tivessem chegado às alturas de Almada antes da descoberta do erro do almirante Berkeley: o abastecimento das provisões vindas do Alemtejo e de Espanha teria então sido transferido de Lisboa para os exércitos franceses, e a esquadra teria sido forçada a sair do Tejo; quando a miséria dos habitantes, os medos do gabinete britânico, as maquinações do patriarca, e a pouca chance do sucesso final, teriam provalvelmente induzido o general inglês a embarcar [...]

A carta do almirante George Cranfield Berkeley (1753-1818).
Imagem: Berryhill & Sturgeon

as linhas de Almada estando inacabadas, a imprudência de deixar o Tejo sem guarda, perante um inimigo que possuia 80 barcos grandes, excluindo aqueles que formavam as pontes no Zêzere, é aparente [...]

Views in Spain and Portugal...,  Punhete, at the junction of the river Zezere with the Tejo, Estremadura.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Sob a noção de que a vinda de Napoleão era provável, o general inglês, com a prudente característica, virou a sua atenção para a segurança deste antigo refugio dentro das linhas, e como tal, urgentemente pediu ao governo para pôr o forte em ordem, reparar as estradas, e restaurar as pontes destruídas durante a invasão de Massena.

Views in Spain and Portugal...,  View of the Duke of Wellington's Lines covering Lisbon.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Um número acrescentado de trabalhadores foram também postos nas linhas, já que os engenheiros nunca cessaram de melhorar as da margem norte do Tejo, e na margem sul, as linhas duplas de Almada, foram continuadas numa escala gigantesca. (1) 


(1) William Francis Patrick Napier, History of the War in the Peninsula and in the South of France, London, G. Routledge, 1882

Leitura relacionada:
Cardozo de Bethencourt, Catalogo das obras referentes á guerra da peninsula, Lisboa, Academia das Sciências, 1910
William Granville Eliot, A treatise on the defence of Portugal..., London, T. Egerton..., 1810
Papers on subjects connected with the duties of the Corps of Royal Engineers Vol. III, London, J. Weale, 1837

Leitura relacionada:
The dispatches of Field Marshal the Duke of Wellington

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