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terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Grande passeio à Outra Banda (1 de 10)

Muita gente com certeza, 
Por ahi assim eu vejo. 
Sem ir gosar a belleza 
Da Outra Banda do Tejo. 
D'aquella margem tão linda, 
Que ha de vir a ser ainda, 
Uma segunda cidade, 
Esplendida, alli defronte, 
Quando a decantada ponte 
Fôr uma realidade. 

Lisboa, Estação Sul e Sueste, Alberto Sousa (1880-1961), 1910.
Imagem: Museu de Arte Contemporânea

Pois eu aconselho a todos, 
Que aos domingos, dias santos, 
E mesmo nos de semana; 
Vão em bella caravana, 
Risonhos, de alegres modos, 
Vêr os formosos encantos, 
A seducção tão fallada, 
As bonitas maravilhas 
Da velha villa de Almada, 
E do logar de Cacilhas. 

Cacilhas, aguarela de Alberto Sousa (1880-1961), 1914.
Imagem: Boletim "O Pharol"

Ainda na quinta feira, 
Aqui lhes garanto agora, 
Foi um grande rancho á Amora, 
Com variada petisqueira. 

As pessoas d'esta pandega, 
Tão fraternal e tao boa, 
Compunham-se do: Gambôa, 
Velho continuo da alfandega. 
A mulher: D. Francisca. 
As filhas: uma que é pisca, 
Outra esperta sardanisca, 
Chamada D. Henriqueta. 
Uma velhota jarreta, 
Que é a mana do Gamboa, 
Que sempre que embarca enjoa. 
O Alfredo, rapazelho, 
Ainda mesmo um fedelho, 
Filho de D. Francisca. 
E uma peça de uma bisca, 
Com amanteticas baldas, 
Que veio ama das Caldas, 
E hoje está por creada.

A ama das Caldas,  Raphael Bordallo Pinheiro.
Imagem: Bordallo Pinheiro


Também ia convidado, 
E todo alegre no rancho, 
O reverendo José Luiz, 
Gordo, de occulos no nariz, 
Estomago empanturrado, 
Seu collete acertoado, 
E relogio com corrente 
De prata, de bello toque, 
Uma figa por berloque, 
Tudo isto reluzente, 
Cara cheia, muito terna, 
Que come em qualquer funcção, 
Até um boi p'r'uma perna, 
Se elle o bispa, e se lh'o dão. 

O padre,  Raphael Bordallo Pinheiro.
Imagem: Bordallo Pinheiro

O bello cyrio notorio 
D'este bom familiorio,
Conjuncto de maravilhas, 
Embarca pois p'ra Cacilhas, 
N'um vapor do sór Burnay, 
Além no Caes do Sodré!

A mana, diz ao Gambôa, 
Que estava fallando ao Mattos, 
"Comprem bilhetes da proa, 
Porque custam mais baratos, 
E grande a differença é, 
Escusamos ir na Ré."

Vai depois com grande passo, 
E bordados de matiz, 
Deu depressa logo o braço, 
Ao padre José Luiz; 
Mas quando ia toda ancha; 
A olhar p'ra uns maraus,
Eis tropeça em dois degraus, 
Cahe! catrapuz! Sobre a prancha, 
Gritam todos: «Oh! diacho!» 
O Alfredo, ri a bom rir
Polo padre também ir, 
Quasi pela escada abaixo.

Oh, mana! diga-me, oh, mana,
Grita o Gambôa... 
(que abalo, lhe causou o trambulhão), 
"Você fez na testa um galo, 
Do tamanho de um capão! 
E o nosso padre Luiz, 
Não se afogou por um triz!"

Vapor Frederico Guilherme, c. 1900.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Aqui n'esta situação, 
O malcreado petiz 
Ria como um toleirão.
Sulcando o formoso Tejo, 
O vapor Pescador vejo, 
E as ondas a uma e uma, 
Em ancias brotam das rodas,
Levantando nivea espuma, 
Graciosamente todas. (1)


(1) Diário Illustrado, 8 de agosto de 1896

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