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segunda-feira, 7 de maio de 2018

Cella Nova, Senhora da Rosa de Caparica

Alferrara e Mendoliva constituíam, com o lugar de Barriga, ou Cela Nova (futuro mosteiro de Nossa Senhora da Rosa da Caparica), um núcleo de eremitérios fundados em torno das vilas de Almada, Palmela e Setúbal, numa zona de forte presença santiaguista e com o apoio régio e dos mestres da Ordem. 

Nossa Senhora da Rosa com o Menino (detalhe), séc. XVI.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

Sitos em território da diocese olisiponense, acabariam, todos eles, por ser anexados ao mosteiro do Santíssimo Sacramento de Lisboa, fundado nessa cidade em 1647 e posteriormente escolhido como nova sede da Província dos Paulistas. 

Com a extinção das casas de Alferrara e de Nossa Senhora da Rosa da Caparica, já concluída em 1813, os cartórios de todos os eremitérios acima referidos acabariam assim por migrar para Lisboa e, após 1834, com o arquivo desta casa, viriam a transitar para a Torre do Tombo [...]

Nossa Senhora da Rosa com o Menino, séc. XV.
Imagem: Wikipédia

Filho de Mestre Joane [Fernando, regedor, a. 1433-1463 (Barriga — Cela Nova)], físico do Infante D. João, apresenta-se a si mesmo, em 1445, como "pobre Jrmjtam da Jrmjndade e companhia de Meem de sseaura pobre Ja finado".

Companheiro, pois, de Mendo Seabra, ingressou na pobre vida ainda antes de 1433, dado que, após a morte de João Fernandes, regedor da Serra de Ossa, ocorrida necessariamente antes desta data, é a ele quem o dito Mendo envia para reger o eremitério de Barriga, que este entretanto reedificara.

Sabemos que Mendo Seabra manteve, até à sua morte, o governo de Mendoliva e a supervisão sobre os eremitérios de Barriga ou Cela Nova e de Alferrara, colocando aí eremitas da sua confiança.

Santo Antão e S. Paulo 1.o Ermita, Mestre dos Arcos,
(Gregório Lopes ?).
Imagem: MNAA

Na eminência da sua morte (1442), nomeara para o suceder, com os mesmos poderes, ao eremita João Eanes, a quem também o regedor de Cela Nova manifestou a sua obediência, atestada no diploma que para o efeito manda redigir em Setúbal a 29 de Setembro de 1445. 

Pelo mesmo documento, procurava ainda garantir o reconhecimento de todos os bens que lhe haviam sido anteriormente doados como pertencentes ao conjunto da comunidade. 

Para isso inclui no mesmo acto o traslado de uma anterior doação que lhe fora feita, ainda em 1442 mas já após a morte de Mendo Seabra, de chãos, casas e outros bens no dito lugar de Barriga, renunciando expressamente a todo o direito pessoal sobre os mesmos [....] (1)

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A vila de Almada encontrava-se, desde 1385, entre as terras doadas ao Condestável, com a respectiva jurisdição, mantendo, contudo, a Ordem de Santiago os seus direitos de padroado sobre as igrejas da urbe, na sequência do escambo estabelecido com o rei Dinis em 1297. 

Em Maio de 1422, Nuno Álvares Pereira doaria a vila e os respectivos direitos jurisdicionais à sua neta Isabel, futura mulher do Infante D. João, administrador do mestrado santiaguista.

Em 1527, uma visitação feita pelos oficiais da Ordem de Santiago revela a existência, neste local, de uma ermida, que aparentava obras recentes e com algum investimento ao nível dos materiais construtivos e decorativos, das pinturas, imagens e alfaias.

De nave única, embora com dois altares laterais, dispunha ainda de uma torre sineira, pia baptismal e alpendre. Anexa, refere-se a existência de uma sacristia e de estruturas de habitação para os pobres, rodeadas por uma vinha e pomar.

Apesar dos dados disponíveis confirmarem o apoio recebido posteriormente por parte de importantes membros da nobreza, nada se conhece sobre eventuais reconstruções ou ampliações do mosteiro, sabendo-se que este manteve sempre uma comunidade de pequenas dimensões.

Extinção: c. 1813, sendo as respectivas rendas anexadas ao Mosteiro do Santíssimo Sacramento de Lisboa.

The environs and harbour of Lisbon (assinalam-se o mosteiro e a ribeira), Laurie & James, publ. 1812.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Vestígios materiais do eremitério medieval: A igreja do mosteiro já se encontrava em completo estado de ruína e abandono em finais do século XIX, sobrevivendo hoje apenas alguns vestígios arquitectónicos integrados em casas particulares. (2)

Em 1834, no âmbito da "Reforma geral eclesiástica" empreendida pelo Ministro e Secretário de Estado, Joaquim António de Aguiar, executada pela Comissão da Reforma Geral do Clero (1833-1837), pelo Decreto de 30 de Maio, foram extintos todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios e casas de religiosos de todas as ordens religiosas, ficando as de religiosas, sujeitas aos respectivos bispos, até à morte da última freira, data do encerramento definitivo.

Carta Topográfica Militar da Península de Setúbal (detalhe), José Maria das Neves Costa, 1813
Imagem: IGeoE

Os bens foram incorporados nos Próprios da Fazenda Nacional. (3)

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Notas:
Cela Nova (Termo de Almada)
Designação:
1. Barriga (termo de Almada) [Termo documentado pela primeira vez em 1414 (cf. TT, Mosteiro de Nossa Senhora da Rosa da Caparica, maço 2 de pergaminhos, nº 30 [antigo maço 1, nº 1] (1414.12.10, Almada). Pressupõe que o eremitério já existia nessa data, aproximando-se da data de 1410 proposta pela cronística moderna da Ordem para a fundação do eremitério (cf. Fr. Manuel de S. Caetano Damásio, Thebaida Portuguesa…, tomo I, p. 325).), é utilizado paralelamente com o de Cela Nova.]
2. Cela Nova (termo de Almada) [Assim referido por Mendo Seabra em 1442 (TT, Mosteiro de Nossa Senhora da Consolação de Alferrara, maço 3, nº 17). Ao longo do período medieval, é utilizado paralelamente com o de Barriga para designar este eremitério.]
3. Vale de Grou (termo de Palmela [sic]) [O topónimo surge em duas cartas régias, de 1451 e 1455, na última referindo-se pertencer ao termo de Palmela (TT, Chancelaria de D. Afonso V, lv. 35, fl. 93v e lv. 15, fl. 183). Contudo, o topónimo pertence efectivamente ao concelho de Almada e à freguesia da Caparica, respeitando os documentos referidos ao eremita Fernando (III) que dirige o eremitério de Cela Nova entre a. 1433 e 1463 (cf. parte II, B 96).]
4. Santa Maria de Barriga (termo de Almada) [TT, Leitura Nova, Odiana, lv. 3, fls. 145v-146 (1457.03.03, Lisboa).]
5. Santa Maria da Rosa (termo de Almada) [Já aparece com a referência a Santa Maria da Rosa em 1511 - TT, Mosteiro de Nossa Senhora da Rosa da Caparica, maço 2 de pergaminhos, nº 35 [antigo maço 1, nº 33] (1511.06.11, Borba).] (4)


(1) João Luís Inglês Fontes, Da "Pobre vida" à congregação da serra de ossa..., 2012
(2) João Luís Inglês Fontes, Idem
(3) Arquivo Nacional Torre do Tombo
(4) João Luís Inglês Fontes, Idem, ibidem

Mais informação:
Chronica dos Erémitas da Serra de Ossa, no reyno de Portugal...
Santuario Mariano e Historia das Imagēs milagrosas de Nossa Senhora...
Chorographia moderna do reino de Portugal...
Corografia Portugueza e descripçam topografica...
Portugal antigo e moderno...

Informação relacionada:
Histórias da História da Charneca de Caparica
Mosteiro da Rosa na revista ARTIS

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