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sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Almada no espólio do arquitecto Cassiano Branco

Esta documentação é constituída exclusivamente fotografias a preto e branco, de dimensões variadas.

Panorâmica parcial de Almada do lado nascente, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

É percetível, em alguns casos, o cuidado de Cassiano Branco em agrupar as fotografias de acordo com os temas que abordam.

Traseiras em ruínas do palácio dos marqueses da Fronteira, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Nestes casos, elas encontram-se coladas em cartão, e referem assuntos que vão desde a estatuária à ourivesaria, passando pela arquitetura militar e religiosa.

Porta antiga posteriormente emparedada do palácio dos marqueses de Fronteira,
espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

A variedade e a heterogeneidade com que estes conjuntos se apresentam impediram a distinção dos mesmos, daí que, na sua maioria, os documentos se apresentem soltos e dispersos. 

Miradouro com vista sobre o rio Tejo em Almada tendo ao fundo parte de Lisboa, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Várias cidades portuguesas estão aqui representadas. Contudo, é Lisboa que se encontra melhor testemunhada, ocupando uma percentagem considerável das fotografias da coleção de Cassiano Branco. 

Perspetiva geral de um miradouro em Almada tendo por fundo Lisboa, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Encontram-se retratados aspetos do seu quotidiano, as suas ruas, jardins e vistas panorâmicas. Este documento composto comporta também negativos, alguns em vidro. 

Miradouro em Almada com vista sobre o rio Tejo e Lisboa, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Existem ainda fotografias integradas noutras séries por se relacionar diretamente com os projetos aí considerados. (1)

Miradouro em Almada com vista sobre o rio Tejo e Lisboa, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

À semelhança do que se passa com a coleção de fotografias, também nos postais (reproduzidos tanto por método fotográfico quanto por método fotomecânico) é notória uma tentativa de ordenamento patente nas colagens que, em alguns casos, foram efetuadas em cartão.

Miradouro em Almada assente em terreno rochoso à beira do rio Tejo tendo por fundo Lisboa, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Apesar de, tal como sucedeu com as fotografias, não se terem elaborado documentos compostos temáticos, é possível descortinar alguns temas privilegiados, como por exemplo: museus, mosteiros, gravuras antigas, postais humorísticos da II.ª Guerra Mundial, naturezas mortas, e ainda várias cidades portuguesas e estrangeiras vistas nos seus múltiplos aspetos.

Miradouro em Almada assente em terreno rochoso à beira do rio Tejo tendo por fundo Lisboa,
espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Merecem também destaque os postais de autor, como os de Eduardo Portugal, Coleção Passaporte, Edições Costa, J. Bárcia, Casa Sucena, entre outros. (2)

Cruzeiro do interior do convento de São Paulo tendo por fundo o rio Tejo e parte de Almada, espólio Cassiano Branco.
[cf. Illustração Portugueza, 1911]
Arquivo Municipal de Lisboa

A documentação, produzida e acumulada no âmbito da atividade exercida pelo arquiteto Cassiano Branco, foi adquirida pela Câmara Municipal de Lisboa, em 1990. 

Interior do seminário de São Paulo em Almada, espólio Cassiano Branco.
[original de Eduardo Portugal]
Arquivo Municipal de Lisboa

Encontra-se atualmente à guarda do Arquivo Municipal de Lisboa, que a detém, em regime de usufruto e de propriedade jurídica.

Interior do seminário de São Paulo em Almada, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Cassiano Branco, filho de Cassiano José Branco e de Maria de Assunção Viriato, nasceu em Lisboa, a 13 de agosto de 1897, na rua do Telhal, junto aos Restauradores, no começo da avenida da Liberdade, para a qual desenhou alguns dos seus projetos mais emblemáticos. Iniciou o percurso de instrução em 1903, na primária e, posteriormente, em 1912, no liceu.

Painel de azulejos com figuras religiosas do convento de S. Paulo em Almada,
espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Matriculou-se, pela primeira vez, em 1919, na Escola de Belas-Artes de Lisboa, tendo interrompido a frequência, para ingressar no Ensino Técnico-Industrial, provavelmente, desiludido com o ensino baseado no modelo francês, desatualizado em relação ao pensamento teórico e projetual vanguardista produzido em Itália, Reino Unido, Alemanha e União Soviética.

Fonte do seminário de São Paulo, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Regressado de Paris, onde esteve na Exposition Internationale des Arts Décoratifs et Industriels, em 1925, Cassiano Branco, iniciou o seu percurso profissional como arquiteto diplomado, no ano seguinte.(3)

Panorâmica parcial de Almada tendo por fundo o rio Tejo, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Todavia, a sua atividade projetual começou em 1921, com uma proposta para o mercado municipal da Sertã, no qual evidenciou uma estilística de raiz clássica, reflexo da sua formação académica na Escola de Belas-Artes de Lisboa. 

Largo do Espírito Santo, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Em 1929, Cassiano Branco recebeu a encomenda para intervir em duas salas de espetáculos: o Coliseu dos Recreios e o Éden Teatro.

Rua Dr Francisco Inácio Lopes, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

No primeiro caso, tratou-se de um projeto de alterações a efetuar nos corredores, no palco e na cúpula.

A velha travessa do Espírito Santo, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Já o trabalho a desenvolver no teatro, foi bastante mais controverso e ambicioso, mormente a ampliação desse espaço, com o duplo objetivo de tornar possível a exibição do cinema sonoro e de aumentar o número de espetadores.

Entrada do pátio do Prior do Crato em Almada, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Tendo sido, possivelmente, a obra mais emblemática de Cassiano Branco e um dos marcos na arquitetura moderna portuguesa, o projeto do Éden Teatro, apenas inaugurado a 1 de abril de 1937, foi, contudo, atribuído ao engenheiro civil Alberto Alves Gama e ao arquiteto Carlos Dias, seu colaborador, que o concluiu.

Entrada do pátio do Prior do Crato em Almada, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Apesar dos elementos mais notáveis das alterações efetuadas ao Éden Teatro poderem ser encontrados nas duas primeiras propostas de Cassiano Branco, o arquiteto, nunca reivindicou a sua autoria, pese esta ser unânime entre os estudiosos da sua obra.

Azulejos do Patio do Prior, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Ainda numa fase inicial da sua vasta e multifacetada trajetória, Cassiano Branco, com apenas 32 anos, apresentou, em 1930, dois dos seus projetos mais ambiciosos e vanguardistas, mas que nunca passaram do papel: o plano de urbanização da Costa da Caparica e a Cidade do Cinema Português, em Cascais. 

Excluído das encomendas oficiais, a parte mais substancial da obra de Cassiano Branco, proveio de clientes particulares e de construtores civis, predominantemente, através de encomendas de prédios de rendimento, a integrar em malhas urbanas consolidadas.

Calçada da Barroquinha do Barroquinho, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

A partir de 1938, foram raros os prédios em Lisboa assinados por ele, presumivelmente, por ter estado, a partir dessa data, ocupado com os projetos do Grande Hotel do Luso e do Coliseu do Porto, para lá do trabalho que iniciara no Portugal dos Pequenitos, em 1937.

O Coliseu do Porto, com o qual Cassiano Branco encerrou a sua atividade projetual, nos anos 30, afirmou-se como uma obra de síntese, de grande maturidade estilística e de plena modernidade. Porém, após a Exposição do Mundo Português, em 1940, iniciou uma nova fase, que atravessou os anos 40, visivelmente marcada pela falta de trabalho e de quase total abandono de programas arquitetónicos de feição moderna que, no decénio anterior, haviam sido expoente máximo em Portugal.

Perspetiva da rua da Judiaria tendo por fundo o palácio de frei Luís de Sousa em Almada,
espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Nos anos 50, a carreira de Cassiano Branco foi objeto de adversidade, ao terem-lhe recusado dois projetos, respetivamente, o do hotel Infante de Sagres, em 1950 e o de ampliação do edifício da sede da Junta Nacional do Vinho, em 1957. Ambos revelaram uma tentativa, por parte do arquiteto, de integração numa estílica moderna, objetivo, que não obstante o esforço, não foi concretizado.

Perspectiva da rua da Judiaria em Almada, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Na década de 60, Cassiano Branco elaborou alguns projetos, em que demonstrou um último ensejo de concordância com a arquitetura de influência internacional, como a segunda proposta de ampliação do edifício da sede da Junta Nacional do Vinho, em Lisboa, assim como os projetos para o posto fronteiriço de Galegos, em Marvão, para o Grémio do Comércio dos Concelhos de Torres Vedras, Cadaval e Sobral de Monte Agraço, para o edifício para os Correios, Telefones e Telégrafos (CTT), em Portimão, e ainda, os estudos realizados para um edifício na Rebelva, na Parede, entre outros.

Perspetiva da rua da Judiaria com prédios nos dois lados em Almada,
espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Ainda assim, nenhum do edificado projetado acabou por ser construído. Para além dos exemplos anteriores, a alternância entre um ecletismo de inspiração tradicional e de inspiração moderna, ficou mais uma vez assinalada, no último projeto de Cassiano Branco, para o concurso público do Banco de Portugal, da agência de Évora. A solução apresentada foi, mais uma vez, reprovada e constituiu um derradeiro exemplo da ambiguidade que marcou a sua obra desde 1940.

A prolixa e diversificada obra de Cassiano Branco, de grande riqueza formal, desenvolvida entre meados dos anos 20 e o final da década de 1960, consagrou-o como um dos arquitetos que, mais indelevelmente, marcou a primeira geração moderna.

Fachada principal da igreja de São Tiago, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Embora não tenha feito parte do grupo de pioneiros do modernismo, é inegável a sua importância na história da arquitetura portuguesa, da primeira metade do século XX, tendo sido, seguramente, um dos mais conhecidos e estudados.

Perspectiva da rua Direita observando-se ao fundo a torre dos paços do concelho da câmara municipal de Almada,
espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

O contexto histórico da sua vasta e notável obra, associado à sua personalidade, é indispensável, para compreender a complexidade de um percurso, muitas vezes polémico, que, iniciado no período pré-modernista da Primeira República, tendeu a ser interpretado à luz da Modernismo e do Português Suave.

Travessa e Igreja do Bom Sucesso, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

De facto, foi possível distinguir claramente na obra de Cassiano Branco duas fases distintas. A primeira, iniciada pouco depois de concluir a sua licenciatura, perdurou até finais dos anos 30 do século XX e caraterizou-se por projetos de extrema criatividade como o hotel Vitória e o Éden Teatro, que lhe conferiram reconhecimento como um dos mais importantes arquitetos modernos a nível nacional.

Castelo de Almada em 1666, espólio Cassiano Branco.
[segundo Alain Manesson Mallet]
Arquivo Municipal de Lisboa

A segunda fase, na década de 40, revelou uma cedência ao estilo normalmente apelidado de Arquitetura do Estado Novo, impedindo-o de expressar a matriz inovadora dos primeiros anos. Cassiano Branco faleceu em Lisboa, a 24 de abril de 1970.


(1) Arquivo Municipal de Lisboa
(2) Idem
(3) Idem, ibidem

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Sobre o projecto de Cassiano Branco

Mais informação:
RTP Arquivos
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