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quinta-feira, 11 de junho de 2015

Cartografias


Portugueses e Holandeses, séculos XVI e XVII

À excepção do mapa de Pedro Teixeira Albernaz, a configuração do litoral nas cartas terrestres é muito simplificada, quando comparada com as cartas nauticas. Isso não impediu Álvares Seco de marcar, aliás pouco criteriosamente, três cachopos arredondados a bloquear a entrada do Tejo, sem que o mesmo tivesse acontecido na barra de Setúbal. Privilegia-se, no entanto, a representação dos povoados, em número considerável e de importância expressivamente figurada nos originais, assim como dos cursos de água.

Mapa de Portugal, Fernando Álvares Seco, 1561.
Imagem: Wikimedia Commons (detalhe)

Estranha-se, por isso, o pormenor com que Pedro Teixeira desenhou a costa portuguesa um século depois, o que levanta a suspeita de este mapa se ter baseado em levantamentos pormenorizados do litoral do País. Teria sido ele o responsável por estes levantamentos? Ter-se-ia servido de informações recolhidas por terceiros e, neste caso, quais?

El Atlas del Rey Planeta (detalhe), Pedro Teixeira, 1634
Imagem: La descripción de España y de las costas y puertos de sus reinos

Ele teve com certeza acesso aos anteriores trabalhos cartográñcos do seu irmao, João Teixeira, sobre a costa portuguesa (e terá participado neles?). Mas, em certas características do litoral, as configurações da regiao de Lisboa dos irmãos Teixeira não se assemelham [...]

Descripcion del reyno de Portugal (detalhe), Pedro Teixeira, 1662
Imagem: Biblioteca Nacional de España

Os mapas que forneciam aos pilotos indicacões para a entrada nos principais portos portugueses ou, de um modo geral, as cartas da costa de Portugal são inicialmente, e do que hoje se conhece através dos roteiros dos nossos cosmógrafos-mores, cópias umas das outras.

A barra do Tejo baseada no Regimento de Pilotos de António de Mariz Carneiro de 1642,
reprodução de 1673.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Mais grosseiras (como as de Mariz Carneiro, 1642 e edições sucessivas) ou mais artísticas (como as de Luís Serrão Pimentel, 1673), elas nem por isso são mais rigorosas e substancialmente diferentes entre si, e das publicadas por Lucas Waghenaer em finais de Quinhentos (embora os roteiros não sejam coincidentes, como pudemos comprovar comparando os textos portugueses com a tradução por nós promovida destes dois atlas holandeses, ainda não divulgada).

Zee Caerte van Portugal Daer inne Begrepen de vermaerde Coopstadt van Lisbone, Lucas Janszoon Waghenaer, 1586.
Imagem: Wildernis

Por várias razões, suspeita-se que tivessem existido cartas portuguesas manuscritas anteriores sobre as costas do País, não estando verdadeiramente provado que a proveniência das que perduraram até aos nossos dias se deva àquele holandês [...]

Pascaarte vande Zeecusten van Portugal tusschen de Barlenges en de C. de S. Vincente geleghen, W. J. Blaeu, 1612.
Imagem: Vlaams Instituut voor de Zee

A Carta Pormenorízada da Costa de Portugal desde o Cabo Fínísterra até ao Cabo de S. Vicente (Pascaart Van de Kust Van Portugal, Van C. de Fmisterre tot aen C. de S. Vincente), incluída num atlas de 1680 de Jean Van Keulen, nada mais nos parece ser do que uma versão das duas cartas correspondentes de Waghenaer. (1)

Nieuwe Paskaart van de Kust van Portugal Beginnende 3 a 4 Myl Benoorde C Roxent tot aen C de S Vincente, Johannes Van Keulen, 1685.
Imagem: BLR


Franceses, Espanhóis e Portugueses, séculos XVIII e XIX

Jean Nicolas Bellin (1703-1772) foi o primeiro engenheiro hidrógrafo da marinha francesa, isto é, um especialista em cartas náuticas (por oposição a "geógrafo", que se ocupava das terrestres) e director, desde 1721, do Dépost des Cartes et Plans de la Marine, criado no ano anterior. Foi nessa qualidade que preparou a segunda edição de Le Neptune François, saída em 1753. A esta seguir-se-iam várias outras edições durante todo o século XVIII.

No Neptune foi também incluída uma carta da região de Lisboa, para além de uma carta geral da costa portuguesa com a espanhola adjacente, que são reproduzidas noutros atlas do século XVIII, franceses e ingleses.

Plan du Port de Lisbonne et de ses Costes Voisinnes, Jacques Nicolas Bellin, 1756.
Imagem: O Mundo do Livro

Com o título Plan du Port de Lisbonne et des Costes Voisines. Dressée au Depost des Cartes Plans et Journaux de la Marine Par ordre de M. de Machault Garde des Sceaux de France Ministre et Secretaire d’Etat aiant le Departem.t de la Marine, Par M. Bellin Ingr. de la Marine 1756, esta carta é idêntica à incluída em edições posteriores de L’Hydrographie; na primeira edição do Petit Atlas Maritime existe um mapa apenas da barra de Lisboa.

Plan du Port de Lisbonne et de ses Costes Voisinnes (detalhe), Jacques Nicolas Bellin, 1756.
Imagem: Bibliothèque nationale de France

Talvez se possa dizer que as imagens de Portugal apresentadas nestes atlas são as que circulavam por toda a Europa no século XVIII.

Nos meados do século XVIII nem Espanha nem Portugal dispunham ainda de cartas hidrográficas suficientemente rigorosas que permitissem a segurança da navegação costeira. Em 1783, o Ministro da Marinha [de Espanha], D. Antonio Valdés encarrega D. Vicente Tofiño de San Miguel de colmatar essa lacuna [...]
Em 1787 ficou concluído um atlas, conhecido pelo início do título da primeira das 15 cartas, Carta Esférica de las Costas de España (...), datada de 1786 [...]

O segundo volume da primeira edição do atlas, publicado em 1789, continha 30 cartas, tendo por título Atlas Maritimo de España. As cartas da costa portuguesa são a número 8, Costas de Galicia y Portugal, e a 9, Carta Esférica desde C.o S.N Vicente hasta C.o Ortegal, estando datadas de 1788.

Atlas Maritimo de España, Vincente Tofiño de San Miguel (1732 - 1795),
Lopez, ed. 1804 - 1818, 1787.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Nas primeiras décadas do século XIX o atlas de Tofiño continuava a ser imprescindível. O seu reconhecimento está patente nas numerosas cópias realizadas em Inglaterra, Alemanha, França e mesmo nos Estados Unidos, embora o rigor das cartas relativas a Portugal seja muito menor do que o das restantes, por Tofiño ter sido impedido de realizar operações em terra. É isso que explica que, em Portugal, seja Franzini o verdadeiro precursor da moderna Cartografia náutica [...]

Quaisquer que sejam as mais antigas fontes de Franzini, escritas e cartográficas, a referência a Pimentel revela um olhar atento à evolução dos conhecimentos sobre a costa portuguesa que Francisco António de Ciera e Tofiño fizeram avançar no fim do século XVIII, após mais de um século de grande estagnação. Durante todo o século XVIII as imagens difundidas do litoral português foram estrangeiras, como as J. N. Bellin, a que fizemos referência [...]

A carta geral da costa portuguesa foi publicada em duas folhas numa escala próxima de 1:600 000. A sua parte norte, com o título em inglês, Chart of the Coast of Portugal from Cape Silleiro to Huelba Bar (...), chega até Peniche, um pouco a norte de Lisboa; a folha sul, a Carta Reduzida da Costa de Portugal Desde Cabo Silleiro athé Á Barra de Huelba (...), completa o resto da costa portuguesa. Desta carta geral, e do roteiro que a acompanha, conhecem-se versões em francês, datadas respectivamente de 1816 e 1822.

Plano hydrográfico do Porto de Lisboa e costa adjacente até ao cabo da Roca,
Marino Miguel Franzini, 1806.
Imagem: GEAEM Instituto Geográfico do Exército

Além desta carta, Franzini publicou 10 mapas de portos, incluídos na Carta Geral que Comprehende os Planos das Principaes Barras da Costa de Portugal Aqual se Refere a Carta Reduzida da Mesma Costa (...), de que se vão analisar os referentes à barra de Lisboa e de Setúbal, com os títulos Plano Que comprehende huma parte do Rio Tejo e a Barra de Lisboa [...]

Carta geral que comprehende os planos das principaes barras da costa de Portugal aqual se refere a carta reduzida da mesma costa,
Marino Miguel Franzini, 1811.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

No que se refere aos antigos mapas de Portugal Continental esse inventário está provavelmente incompleto e os estudos, dispersos e escassos, contemplam também quase exclusivamente os séculos XVI e XVII [...]

Perante este panorama pareceu-nos útil proceder a uma pesquisa mais ou menos sistemática da produção cartográfica, disponível em arquivos portugueses (que, na realidade, está dispersa por arquivos desorganizados), sobre o litoral de Portugal Continental, em particular da região de Lisboa, tentando comparar as cartas portuguesas com as que circulavam noutros países.

Mapa de Portugal, Fernando Álvares Seco, 1561.
Imagem: Wikimedia Commons

Entre os autores nacionais inventariados, cujos mapas representam com algum pormenor as barras do Tejo e do Sado, são de citar os de A. Mariz Carneiro (Regimento de Pilotos, 1642), João Teixeira Albernaz (Atlas Universal, 1630, e Atlas das Costas de Portugal, 1648), Luís Serrão Pimentel (Prática da Arte de Navegar, 1673), e Marino Miguel Franzini (Carta Reduzida da Costa de Portugal e Planos das Principais Barras, 1811), para além de se destacarem as cartas terrestres de Fernando Álvaro Seco (Mapa de Portugal, edições de 1561 e 1565) e de Pedro Teixeira Albernaz (Descrição do Reino de Portugal, 1662). (2)




(1) Dias, Maria Helena; Alegria, Maria Fernanda, Lisboa na Produção Cartográfica Portuguesa e Holandesa dos Séculos XVII, 1994, Edições Cosmos e Cooperativa Penélope, Lisboa
(2) Dias, Maria Helena; Alegria, Maria Fernanda, Quatro séculos de imagens do litoral português..., 2000, Revista Stvdia

Artigo relacionado:
Quinta Távora e Mosteiro da deceda


Tema:
Cartografia


Informação adicional:
Waghenaer
, Lucas Janszoon, Thresoor der zeevaert...
Pimentel, Luis Serrão, A arte de navegar

Tofiño de San Miguel, Vincente, Atlas Maritimo de España

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