O barco com esta carga,
Riam de mãos na ilharga,
Loucamente ambas as filhas.
Barco a vapor a atracar em Cacilhas. Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa |
Um batalhão de cocheiros,
E um rancho de burriqueiros,
A gritar aos empurrões,
Começam: "Patrões! patrões!
Cá está o bello caleche,
Do José d'Alcabideche,
Com cavallos alazões."
Almada, Pharol de Cacilhas, Paulo Emílio Guedes & Saraiva, 03, década de 1900. Imagem: Fundação Portimagem |
Os homens, então dos burros,
Uns nos outros davam murros,
Lá a gritarem aos centos,
Dizendo muita gracinha,
Como o Domingos Graxinha;
"Cá estão os bellos jimentos,
Só de uma cana, pimpões,
Para a bella sociedaae,
Ir n'um rufo á Piedade,
Para o Jaquim dos Malões!"
E mal que desembarcaram,
Todos logo os agarraram,
Pucha daqui e dali,
O padre Luiz não ri,
Pois pizou-lhe o melhor calo,
Um burriqueiro borracho,
Que o q'ria pôr a cavallo,
Em cima de um grande macho.
O Gambôa com calor, Grita:
"Isto não se atura!
Uma vergonha! um horror!"
Dando uma descompostura
Em toda aquella imperícia,
Apostrophando a policia,
E senhor administrador!
O janota de chapeu alto, Raphael Bordallo Pinheiro. Imagem: Bordallo Pinheiro |
No meio pois d'estas scenas...
De muita coisa arengada,
Resolveram as pequenas,
Ir tudo de burricada.
Olha vai tu Henriqueta...
Vai aqui n'esta burrinha,
Que tem optima cadeirinha,
Toda chic... de muleta.
Gritava o Gambôa então:
"Eu quero um burro valente
Bem valente é que se quer,
Aqui p'rá minha mulher,
Porque é senhora doente.
E para a mana, um burrão,
Que não tenha joelheiras,
Que ellas não sao cavalleiras.
Patrão! patrão! Ó patrão!
Vai aqui no meu "Cigano"
O raio d'este garrano,
Neja d'ir ao meio do chão,
Se o sabem levar na mão...
O saloio com alforges, Raphael Bordallo Pinheiro. Imagem: Bordallo Pinheiro |
Isto é uma labareda!
Melhor que o melhor cavallo!
É n'este que o sôr Zagalo
Vai á quinta da Sobreda.
O padre... (que graça eu acho)!
Lá se agarrou sempre ao macho.
No meio dos seus decoros,
Solta um furioso berro,
E começa a gritar: "Mau!"
Por ter o selim, nos loros,
Um velho estribo de ferro,
E outro grande pau!
O pequeno saltou logo,
P'ra cima do Papa Moscas,
E no burro... bumba!... fogo!...
Valentes calcanheiradas,
Com as esporas de rôscas,
N'um ferrageiro compradas,
Com sanguinários intentos.
Para o moço dos jumentos,
Grita o Gambôa: "Rapaz!
Não te ponhas com espantos,
Onde ha vinho aqui capaz?"
É no Francisco dos Santos,
E na Fonte d'Alegria,
E também o ha no Ayres,
Mesmo um vinhão! que fatia!
Rua Direita — Cacilhas, ed. desc., década de 1900 Imagem: Delcampe, Oliveira |
Grita o padre que par'cia,
Mesmo a cavallo um macaco:
"Quem tem vinho de rachar,
É acolá o Marráco;
Parece até Malvaria!
Ou até o do Ginjal,
Um vinho monumental!
Do paço do Lumiar,
D'ir a cabeça pl'o ar...
Valente como um velhaco,
Que o conde vende a pataco!"
Domingo quatro petizes,
Foram lá. Oh que felizes!
E beberam meio litro
Dizendo agora os vereis:
"Foi-se um vintém... acabou-se!
Mas a gente consolo-se,
Cada um por conco réis!"
Compremos lá tres borrachas,
Já que o vinho está na berra,
Vamos á loja do Serra,
Que tem bolos e bolachas.
Um burriqueiro casmurro,
Chamado: o "José das Postas",
Senta depressa n'um burro,
Dona Francisca, que grita,
Toda corada e afflicta,
Quasi dando-lhe nm desmaio:
"Filho! filho! minha filha!
Apertem-me bem a cilha...
A albarda joga e eu caio!"
Confuzo o Gambôa, então
Diz á esposa: "Cautella!
Que o diacho da barbella,
É um cordel de pião!"
Isto aqui é um deleite,
Um dia passa-se a rir,
P'rá semana havemos vir,
Ver a quinta do Alfeite,
Que tem mil, antiguidades,
Peço nas Necessidades,
Ao commendador Ignacio,
Que é como eu um vegete,
O obsequio de um bilhete,
Para vermos o palacio,
A mana foi n'um sendeiro,
De amarella e azul albarda,
Que par'cia um conselheiro,
Exactamente de farda.
Almada, Largo do Poço em Cacilhas, Paulo Emílio Guedes & Saraiva, 03, década de 1900. Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa |
E aqui parte o rancho bello,
Na famosa burricada,
Pela calçada de Almada,
Em direcção ao Castello. (1)
(1) Diário Illustrado, 9 de agosto de 1896
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