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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Grande passeio à Outra Banda (5 de 10)

A grande trote o ranchinho, 
Ahi vem pelo caminho. 

O Tejo em frente do Caramujo, Revista Illustrada, fotografia de A. Lamarcão, gravura de A. Pedroso, 1892.
Referencia: Toscano, Maria da Conceição da Costa Almeida, A fábrica de moagem do Caramujo património industrial
Imagem: Fernandes, Samuel Roda, Fábrica de molienda António José Gomes

As gargalhadas, ferviam... 
Cada menina gritava... 
Dona Francisca, arrotava 
E o padre cambaleava... 
Quando o macho lhe zurziam, 
E o mesmo tropeçava.

Esbarra o burro da mana, 
Que se chamava: "O banana."

Logo muito espalhafato, 
Cae! Fica o vestido sujo... 
E perto do Caramujo, 
Perdeu a velha um sapato! 

Cova da Piedade, Arnaldo Fonseca, 1890
Imagem: Boletim do Grémio Portuguez d’Amadores Photographicos

Coitadita! Vinha assada, 
Do albardão do jumento; 
E em extremo empanturrada, 
Do substancial alimento. 

Trazia vermelho o béque, 
Pelo vinho que bebeu, 
Que ella achava muito bom, 
E sobre tudo barato; 
Perdendo álém do sapato, 
Juntamente com o leque, 
O immenso l'orgnon!

O Gamboa, a mana iguala, 
Também perdeu a bengala. 
Dona Francisca, essa um saco, 
Mais o veu de tarlatana, 
E o padre co'a carraspana, 
Entornou todo o tabaco!

Saibam mais... aqui não fica, 
A serie de variedades, 
Das tristes fatalidades!... 

A grande scena... a mais rica, 
Perdão! primeiro isto importa, 
A Cacilhas, tudo aporta, 
A creada um tanto torta, 
Fallava muito em amor, 
Com as meninas da casa, 
Os derriços pondo á rasa.

Todos gritam: "Ai! que horror!"
Porque havia um quarto de hora,
Que do caes se fora embora,
Já o ultimo vapor!

Vista tomada no porto de Cacilhas, face a Lisboa, Hubert Vaffier,  1889.
Imagem: Bibliothèque nationale de France

Eis se sente um vozeirão,
Sobre o caes a bom gritar,
N'um formidável berreiro;
Era o nosso catraeiro
O conhecido Durão,
Com pulmão que o ar atroa,
Que gritava,
E que berrava:
"O bote está a largar,
Quem quer ir para Lisboa!"

(As filhas) 

Ai, em bote não papá, 
Que me dá algum chilico... 
O mar muito bravo está... 
Eu cá com a tia fico.

(A mana)

De bote?! Jesus! que asneiras! 
Eu tremo só de pensar, 
Que havemos de atravessar, 
As p'rigosas bailhadeiras!

Typos de Catraeiros,
ed. Paulo Emílio Guedes & Saraiva, 23, década de 1900.
Imagem: Delcampe

O padre diz alegróte: 
"Bote... bote... venha o bote. 
Ou então uma falua... 
 Deus nos guia, á luz da Lua."

(D. Henriqueta)

Á luz da lua!... Que poesia! 
E começa com entono, 
Para a creada que ria... 
Recitando:

"Era no outono, 
Quando a imagem tua,
Á luz da lua,
Seductora vi! 
Lembras-te ainda, 
D'essa noite Elisa? 
Que doce brisa, 
Suspirava ali?!...

(O padre, gritando) 

Isso fez o Bulhão Pato,
Que eu respeito p'lo seu trato, 
P'lo seu brilhante talento!..
Q'reria vêr em S. Bento, 
Uma cabeça tão rica...
Um sábio que eu prézo tanto, 
Foi-se metter a um canto, 
Do monte de Caparica!!!

Bulhão Pato, Rafael Bordalo Pinheiro,
Album Glórias, 1902
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Bom: resmungára um magote; 
Mas tudo entrou para o bote: 
E no tinteiro não fica, 
A tal scena que foi rica!

Quando saltou para o bote,
O nosso padre José,
Q'rendo tirar o capote 
Ao pular... falta-lhe um pé, 
E bumba!—digo-o com magua, 
Cahe, ficando ae pés n'agua! 
Eia grita: "Meu Deus soccorro! 
Quem me acode! Jesus! morro! 
Valha-me o Céo, e S. Roque!"

Depressa deitam-lhe um cróque, 
Para o bote trepa então;
E quando a salvo se acha,
Solta grande gargalhada,
Dizendo: "Venha a borracha,
Que isto quer uma golada." 

Lisboa, Vista tomada de Cacilhas, ed. Martins/Martins & Silva, 7124, década de 1900
Imagem: Delcampe

E tudo foi abraçal-o, 
E tudo felicital-o!...


(1) Diário Illustrado, 12 de agosto de 1896

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