Ahi vem pelo caminho.
O Tejo em frente do Caramujo, Revista Illustrada, fotografia de A. Lamarcão, gravura de A. Pedroso, 1892. Referencia: Toscano, Maria da Conceição da Costa Almeida, A fábrica de moagem do Caramujo património industrial Imagem: Fernandes, Samuel Roda, Fábrica de molienda António José Gomes |
As gargalhadas, ferviam...
Cada menina gritava...
Dona Francisca, arrotava
E o padre cambaleava...
Quando o macho lhe zurziam,
E o mesmo tropeçava.
Esbarra o burro da mana,
Que se chamava: "O banana."
Logo muito espalhafato,
Cae! Fica o vestido sujo...
E perto do Caramujo,
Perdeu a velha um sapato!
Cova da Piedade, Arnaldo Fonseca, 1890 Imagem: Boletim do Grémio Portuguez d’Amadores Photographicos |
Coitadita! Vinha assada,
Do albardão do jumento;
E em extremo empanturrada,
Do substancial alimento.
Trazia vermelho o béque,
Pelo vinho que bebeu,
Que ella achava muito bom,
E sobre tudo barato;
Perdendo álém do sapato,
Juntamente com o leque,
O immenso l'orgnon!
O Gamboa, a mana iguala,
Também perdeu a bengala.
Dona Francisca, essa um saco,
Mais o veu de tarlatana,
E o padre co'a carraspana,
Entornou todo o tabaco!
Saibam mais... aqui não fica,
A serie de variedades,
Das tristes fatalidades!...
A grande scena... a mais rica,
Perdão! primeiro isto importa,
A Cacilhas, tudo aporta,
A creada um tanto torta,
Fallava muito em amor,
Com as meninas da casa,
Os derriços pondo á rasa.
Todos gritam: "Ai! que horror!"
Porque havia um quarto de hora,
Que do caes se fora embora,
Já o ultimo vapor!
Vista tomada no porto de Cacilhas, face a Lisboa, Hubert Vaffier, 1889. Imagem: Bibliothèque nationale de France |
Eis se sente um vozeirão,
Sobre o caes a bom gritar,
N'um formidável berreiro;
Era o nosso catraeiro
O conhecido Durão,
Com pulmão que o ar atroa,
Que gritava,
E que berrava:
"O bote está a largar,
Quem quer ir para Lisboa!"
(As filhas)
Ai, em bote não papá,
Que me dá algum chilico...
O mar muito bravo está...
Eu cá com a tia fico.
(A mana)
De bote?! Jesus! que asneiras!
Eu tremo só de pensar,
Que havemos de atravessar,
As p'rigosas bailhadeiras!
Typos de Catraeiros, ed. Paulo Emílio Guedes & Saraiva, 23, década de 1900. Imagem: Delcampe |
O padre diz alegróte:
"Bote... bote... venha o bote.
Ou então uma falua...
Deus nos guia, á luz da Lua."
(D. Henriqueta)
Á luz da lua!... Que poesia!
E começa com entono,
Para a creada que ria...
Recitando:
"Era no outono,
Quando a imagem tua,
Á luz da lua,
Seductora vi!
Lembras-te ainda,
D'essa noite Elisa?
Que doce brisa,
Suspirava ali?!...
(O padre, gritando)
Isso fez o Bulhão Pato,
Que eu respeito p'lo seu trato,
P'lo seu brilhante talento!..
Q'reria vêr em S. Bento,
Uma cabeça tão rica...
Um sábio que eu prézo tanto,
Foi-se metter a um canto,
Do monte de Caparica!!!
Bulhão Pato, Rafael Bordalo Pinheiro, Album Glórias, 1902 Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal |
Bom: resmungára um magote;
Mas tudo entrou para o bote:
E no tinteiro não fica,
A tal scena que foi rica!
Quando saltou para o bote,
O nosso padre José,
Q'rendo tirar o capote
Ao pular... falta-lhe um pé,
E bumba!—digo-o com magua,
Cahe, ficando ae pés n'agua!
Eia grita: "Meu Deus soccorro!
Quem me acode! Jesus! morro!
Valha-me o Céo, e S. Roque!"
Depressa deitam-lhe um cróque,
Para o bote trepa então;
E quando a salvo se acha,
Solta grande gargalhada,
Dizendo: "Venha a borracha,
Que isto quer uma golada."
Lisboa, Vista tomada de Cacilhas, ed. Martins/Martins & Silva, 7124, década de 1900 Imagem: Delcampe |
E tudo foi abraçal-o,
E tudo felicital-o!...
(1) Diário Illustrado, 12 de agosto de 1896
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