O padre mais cantarola,
E em ouvil-o enthusiasmado,
Todo o rancho se consola.
Fadistas, Rafael Bordalo Pinheiro, 1877. Gravura, João Pedroso. |
Era um barytono o padre,
Muito bom em toda a parte,
Declarava-o um seu compadre,
Mais o Antonio Duarte,
O fadista, Typos Populares de Lisboa, 1904. Alberto Souza |
D'ahi, na Sé foi cantor,
E no canto religioso,
Sempre muito mavioso,
Com sentimento e amor!
Elle dava o dó do peito,
Como se fosse um tenor!
Era musico a preceito,
Representava, era actor.
Aos outros 'té dava ajudas,
Sem vaidade, nem papalvo;
Nas notas então agudas,
Pondo os seus olhos em alvo,
Era o que se chama: um barra!
Um valente pistarola!
Outro Gaspar da viola,
Hoje onde é que isto se agarra?!
O Gaspar da Viola, Manuel de Macedo. Imagem: Ilustração Antiga |
Estava elle agora rouco,
Por fazer uso de mais,
De uns líquidos especiaes,
Do Cartaxo e do Samouco.
Mas no bote lá á vella,
A sua voz retenia,
E com que chiste dizia,
Dando muita pescadella.
"Para as torradas manteiga,
Saborosa como o créme,
Posta por criada meiga,
Que ali vae sentada ao léme!"
Rindo muito a Annunciada,
Agora o leitor que pensa?
Pediu aos patrões licença,
E um pouco envergonhada,
Logo canta sem detença,
Esta resposta acertada:
"Mesmo triste creatura;
Eu agradeço, ólare!
O verso, n'uma mesura,
Ao senhor padre José."
A mana deu tal risada,
Com a graça da criada,
Que afflicta quasi desmaia,
Dizendo em voz de falsete:
"Estoirou-me o cós da saia!
E rebentou-me o collete!"
E tudo ria e cantava...
Que ali só prazer reinava.
Dona Henriqueta depressa,
Elegante então começa:
A minh'alma aqui não treme,
P'ra responder, meu senhor;
Mas no barco do amor,
Ninguém sabe andar ao leme!
Se o coração muito geme,
Se o espirito não reflecte,
Se o pouco pensar se mete,
Em q'rer dar ao peito as leis;
Perde-se o barco... vereis,
E a gente se compromette."
Elegante, Raphael Bordallo Pinheiro. Imagem: Bordallo Pinheiro |
Tocou então o delirio,
O enthusiasmo geral!
Mais trinte de que o martyrio,
Cantou um anjo ideal!...
A mãe, beijou a filhinha,
Mil festas, fez-lhe o papá,
A tia, á q'rida sobrinha,
Muitos abraços lhe dá;
Esta, taes caricias troca,
Com caricias mui feliz;
E até o padre Luiz,
Lhe ferrou uma beijoca!
Alguns dos companheiros de quarentena no Lazareto, Rafael Bordalo Pinheiro. Imagem: António Correia, Divagando sobre Caparica: pedaços da sua história, Almada, edição do autor, 1973. |
O que parece impossivel,
O que é mesmo, mesmo incrível,
Talvez ninguém acredite!
Foi fazer o ar do mar,
N'um prompto ressuscitar,
Em todos o apetite!
E foi Gambôa o primeiro,
Que exclamou muito depressa,
Com ar todo prazenteiro:
"Onde é que está a condessa?
Francisca! mana! Henriqueta,
Vocês não façam careta,
Ao que eu vou propor agora.
O padre José, que adora,
A bella gastronomia,
Também nos faz companhia.
Salta a condessa tão linda
Salta a condessa que ainda,
Ha lá muita carne assada,
Uvas, laranjas e não,
Seja eterna esta função,
A pandega abençoada !"
"Cá está o padre presente,
Cá está o padre contente,
Que o expediente bom acha;
Aqui no meio do rio,
Desaparece o fastio,
Mas que apareça a borracha."
"Não ha pucaras, nem ha copos!"
Dizem as lindas meninas.
Nas sociedades mais finas,
Fidalgos até eu topo-os,
Que bebem ruido a primor,
Seja lá por onde for!
Uma borga na horta das tripas, Raphael Bordallo Pinheiro, O António Maria n.° 305, 1891. Imagem: Hemeroteca Digital |
Foram comer mais... Espanto!
Padre, Filho, Espirito Santo!!!
(1) Diário Illustrado, 14 de agosto de 1896
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