segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Grande passeio à Outra Banda (7 de 10)

Varias strophes do Fado,
O padre mais cantarola,
E em ouvil-o enthusiasmado,
Todo o rancho se consola.

Fadistas, Rafael Bordalo Pinheiro, 1877.
Gravura, João Pedroso.

Era um barytono o padre,
Muito bom em toda a parte,
Declarava-o um seu compadre,
Mais o Antonio Duarte,

O fadista, Typos Populares de Lisboa, 1904.
  Alberto Souza

D'ahi, na Sé foi cantor,
E no canto religioso,
Sempre muito mavioso,
Com sentimento e amor!

Elle dava o dó do peito,
Como se fosse um tenor!
Era musico a preceito,
Representava, era actor.

Aos outros 'té dava ajudas,
Sem vaidade, nem papalvo;
Nas notas então agudas,
Pondo os seus olhos em alvo,
Era o que se chama: um barra!
Um valente pistarola!
Outro Gaspar da viola,
Hoje onde é que isto se agarra?!

O Gaspar da Viola, Manuel de Macedo.
Imagem: Ilustração Antiga

Estava elle agora rouco,
Por fazer uso de mais,
De uns líquidos especiaes,
Do Cartaxo e do Samouco.

Mas no bote lá á vella,
A sua voz retenia,
E com que chiste dizia,
Dando muita pescadella.

"Para as torradas manteiga,
Saborosa como o créme,
Posta por criada meiga,
Que ali vae sentada ao léme!"

Rindo muito a Annunciada,
Agora o leitor que pensa?
Pediu aos patrões licença,
E um pouco envergonhada,
Logo canta sem detença,
Esta resposta acertada:

"Mesmo triste creatura;
Eu agradeço, ólare!
O verso, n'uma mesura,
Ao senhor padre José."

A mana deu tal risada,
Com a graça da criada,
Que afflicta quasi desmaia,
Dizendo em voz de falsete:

"Estoirou-me o cós da saia!
E rebentou-me o collete!"

E tudo ria e cantava...
Que ali só prazer reinava.

Dona Henriqueta depressa,
Elegante então começa:
A minh'alma aqui não treme,
P'ra responder, meu senhor;
Mas no barco do amor,
Ninguém sabe andar ao leme!
Se o coração muito geme,
Se o espirito não reflecte,
Se o pouco pensar se mete,
Em q'rer dar ao peito as leis;
Perde-se o barco... vereis,
E a gente se compromette."

Elegante, Raphael Bordallo Pinheiro.
Imagem: Bordallo Pinheiro

Tocou então o delirio,
O enthusiasmo geral!
Mais trinte de que o martyrio,
Cantou um anjo ideal!...

A mãe, beijou a filhinha,
Mil festas, fez-lhe o papá,
A tia, á q'rida sobrinha,
Muitos abraços lhe dá;
Esta, taes caricias troca,
Com caricias mui feliz;
E até o padre Luiz,
Lhe ferrou uma beijoca!

Alguns dos companheiros de quarentena no Lazareto, Rafael Bordalo Pinheiro.
Imagem: António Correia, Divagando sobre Caparica: pedaços da sua história, Almada, edição do autor, 1973.

O que parece impossivel,
O que é mesmo, mesmo incrível,
Talvez ninguém acredite!
Foi fazer o ar do mar,
N'um prompto ressuscitar,
Em todos o apetite!

E foi Gambôa o primeiro,
Que exclamou muito depressa,
Com ar todo prazenteiro:

"Onde é que está a condessa?
Francisca! mana! Henriqueta,
Vocês não façam careta,
Ao que eu vou propor agora.
O padre José, que adora,
A bella gastronomia,
Também nos faz companhia.

Salta a condessa tão linda
Salta a condessa que ainda,
Ha lá muita carne assada,
Uvas, laranjas e não,
Seja eterna esta função,
A pandega abençoada !"

"Cá está o padre presente,
Cá está o padre contente,
Que o expediente bom acha;
Aqui no meio do rio,
Desaparece o fastio,
Mas que apareça a borracha."

"Não ha pucaras, nem ha copos!" 
Dizem as lindas meninas. 

Nas sociedades mais finas, 
Fidalgos até eu topo-os, 
Que bebem ruido a primor, 
Seja lá por onde for!

Uma borga na horta das tripas, Raphael Bordallo Pinheiro, O António Maria n.° 305, 1891.
Imagem: Hemeroteca Digital

Foram comer mais... Espanto! 
Padre, Filho, Espirito Santo!!!


(1) Diário Illustrado, 14 de agosto de 1896

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