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quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Quinta do Forte ou do Armeiro-Mor (ou do dito dito) no Pragal

Com o nome de Armeiro-Mor (...) compreendia a quinta que no século XIX se chamou do Forte (...) Nesta propriedade construiu-se em 1810-1811 o Forte que foi chamado de Armeiro-Mor (n.° 17 das linhas de defesa da margem Sul de Tejo, alt. 80 m) o qual está na origem do nome de Quinta do Forte.

Carta Topográfica Militar da Península de Setúbal (detalhe), José Maria das Neves Costa, 1813.
Instituto Geográfico do Exército

A quinta (...) pertencia no Século XVIII aos Costas, Armeiros-Mores do reino, que foram condes e viscondes de Mesquitela.

Esboço do terreno da margem esquerda do Tejo, extendendo-se de Almada à Trafaria, entrincheirado como posição militar, cf. Journals of sieges carried on by the army under the Duke of Wellington, 1811-1814.
(Assinalam-se também o Vale de Mourelos interseptado por vedações e os esteiros no lugar da Piedade)
Internet Archive

Os Costas possuiram na Mutela um palácio que anda noje existe, muito degradado, e um moinno de maré (v. artigo dedicado: Moinho do Mesquitela), além de outras quintas no termo de Almada (...) a Quinta dos Costas à Mutela foi também conhecida por quinta do Armeiro-Mor. (1)


(1) Pereira de Sousa, Almada, Toponímia e História, Câmara Municipal de Almada, 2003

Artigos relacionados:
Defesa de Lisboa em 1810 (I)
Defesa de Lisboa em 1810 (II)
Defesa de Lisboa em 1810 (III)
Moinho do Mesquitela
Panorâmicas do Pragal
Quinta de São Pedro no Pragal
etc.

Leitura adicional:
Papers on Subjects Connected with the Duties of the Corps of Royal Engineers
Journals of sieges carried on by the army under the Duke of Wellington, in Spain, during the years 1811 to 1814

Mais informação:
Friends of the Lines of Torres Vedras (Forts on the Fourth Line to the South of the River Tagus)

terça-feira, 9 de agosto de 2022

Quinta de São Pedro no Pragal

Quinta ao Pragal, no extremo da povoação, do lado sul da EN. 377, junto ao viaduto por onde esta estrada transpõe a auto-estrada do Sul (...)

Pragal, Quinta de S. Pedro, Augusto de Jesus Fernandes.
Arquivo Municipal de Lisboa

Quando se construiu a auto-estrada do Sul, a A2, a quinta foi retalhada tendo desaparecido o lado oeste da quinta, salvou-se da demolição a entrada da quinta constituída por um magnifico portal do Século XVIII e também um painel de azulejos da mesma época e a antiga adega, hoje recuperada para habitação (...)

Pragal, Quinta de S. Pedro, Augusto de Jesus Fernandes.
Arquivo Municipal de Lisboa

Em 1900 pertencia a Salvador Duarte Ferreira e, em data que desconhecemos, entrou na posse de Jose Carlos da Maia o conhecido politico republicano assassinado em 1921.

É agora (2003) habitada, na parte que dela restà, por um neto daquele, o pintor de arte (José) Carlos da Maia. Com o nome de S. Pedro hà outra quinta na Freguesia da Caparica (...) (1)

Planta da Quinta do Ill.mo e Ex.mo Snr. Principal de Sousa sita no lugar do Pragal, termo da vila de Almada levantada em Setembro de 1803. Dedicada a Ill. ma e Ex.ma D. Marianna de Sousa Coutinho por seu respectuoso e obrigadíssimo creado M.J.N.G. Reduzida do original e calculada por M.M.F. (2)

Planta da quinta do Principal de Sousa sita no Pragal, termo da vila de Almada (detalhe), 1803.
ANTT

Descrição iconogratica de uma quinta caracteristica do termo de Almada no século XIX, com as confrontações, as arcas utilizadas para o cultivo da vinha. horta. lavoura e pomar, os caminhos, as estruturas de apoio à atividade agricola e as áreas funcionais de habitação da casa principal. (3)

Planta com esquema e legenda do interior do edificio (detalhe), 1803.
1. portão 2. entrada, pátio  3. escada exterior com alpendre e pequena varanda 4. corredor 5. salinha bilhar  6. sala 5 janelas 7. passagem para a casa de jantar 8. casa de jantar 9. gabinete de meu pae (pequena livraria) 10. quarto da mmmm (?) 11. escadas para o quarto das criadas 12. o meu quarto 13. pequena sala onde me vestia 14. quarto de meus paes 15. capella 16. pequenas tribunas 17. quarto do mano Rodrigo e da mana 18. casa de passagem e de entrada 19. quarto para hospedes 20. copa, casa de jantar dos criados, escada para o quarto das manas 21. fonte em frente do portão  22. lagar 23. adega 24. poço (allegretes, passeio, horta) 25. jardim exterior 26. entrada para a capella
ANTT

Levantamento topográfico da propriedade rural e planta da casa pertença de D. José Antonio de Meneses e Sousa Coutinho, diacono da igreja Patriarcal de Lisboa e membro do Conselho de Regência do Reino que governou Portugal durante a ausência da corte no Brasil.


Planta da quinta do Principal de Sousa sita no Pragal, termo da vila de Almada, 1803.
ANTT

O Principal de Sousa, membro de uma das famílias abastadas e nobres do reino, é irmão de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, o 1.° Conde de Linhares. A propriedade, conhecida também por Quinta de S. Pedro, foi doada pelo Principal de Sousa às suas irmas D. Mariana e Maria Balbina de Sousa Coutinho. (4)


(1) Pereira de Sousa, Almada, Toponímia e História, Câmara Municipal de Almada, 2003
(2) ANTT
(3) Almada na História, Boletim de Fontes Documentais, n° 27/28, 2014
(4)
Idem
 

Artigos relacionados:
Panorâmicas do Pragal

Leitura relacionada:
Fundo Condes de Linhares ANTT

Leitura relacionada (Principal Sousa/Gomes Freire de Andrade):
Eunice Relvas, A Lisboa de Gomes Freire (1781-1817), Revista Militar, 2605/2606, Fevereiro/Março de 2019
Daniel Estudante Protásio, Os algozes de Gomes Freire: análise prosopográfica e ideológica de alguns decisores do seu processo
Luis Stau Monteiro, Felizmente há luar!

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Sape na barba

Nasceo este jogo em Cassilhas, inventado pela viuva de hum ferreiro, que estando a fregir humas sardinhas, e hum filho de cinco annos a metter-lhe a mão no prato das fritas por de traz della; a mãi com toda a vigilancia, com huma mão fregia, e com a outra dava na mão do filho, sem nunca a poder pilhar, de que o rapaz gostou tanto, que descorrendo como podia ensinou aos outros o tal joguinho... (1)

A assadeira de sardinhas.
Henri l'Évêque, Costume of Portugal, 1814.


(1) José Daniel Rodrigues da Costa, Comboy de mentiras, vindo do reino petista com a fragata verdade encoberta por capitania

Artigos relacionados:
Chinquilho
Na Trafaria, cena da borda-de-água
Caldeirada à Pescador

Leitura relacionada:
Humor impresso: cultura e política em "O Espreitador do Mundo Novo"


Outros trabalhos do autor:
Internet Archive

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

De regresso à Lapa (com Luís Bayó Veiga e outros cacilhenses)

À direita, assente na vertente um pouco mais recuada do maciço rochoso, erguia-se uma construção toda em pedra, que tinha a forma cilíndrica e que mais não era que um torreão que acompanhava toda a altura da arriba do morro encimado por uma pequena habitação de forma quadrada com telhado coberto por telha lusa e que tinha 3 janelas viradas respectivamente a nascente, sul e norte.

Esboços de Paizages d'Mediterraneo e Lisboa, 28.
Cacilhas, Luiz Gonzaga Pereira, 1809 (com a zona da Lapa à esquerda da imagem).
Museu de Lisboa

A porta localizava-se a poente e dava acesso ao caminho que percorria o cimo do morro, onde se situavam precárias habitações que faziam parte da Margueira Velha, até se chegar ao Largo de Gil Vicente, como então se chamava (...)

Percorrendo de seguida a ala direita da Lapa, no sentido do Largo de Cacilhas, existiam 4 prédios separados entre si por pequenos acessos laterais que conduziam a quintais ou pequenas construções anexas.

Cacilhas vista do Tejo, gravura xilográfica, João Pedroso, 1846
Revista O Panorama, n° 18, 1847

Seguidamente, procura-se fazer um resumo da descrição de cada um deles.

O primeiro prédio localizado mesmo defronte ao portão de entrada dos estaleiros da “Parry”, era de construção muito antiga e encontrava-se bastante degradado. Em meados da década de 1930, foi comprado por José de Jesus Malaquias, então comerciante de Cacilhas, que na práctica o reconstrui quase de raíz e o transformou em prédio de rendimento com 4 pisos e 8 fogos, comportando ainda 2 espaços que funcionavam como armazém de mercadorias, um dos quais tinha acesso exterior por uma escada em pedra existente na fachada lateral do edifício (I).

Cacilhas, Carro Carreira da Empreza Camionetes Piedense, Leslie Howard, década de 1930.
A zona da Lapa em segundo plano (detalhe).
Museu da Cidade de Almada

José de Jesus Malaquias ficou a viver no 3° andar conjuntamente com a sua mulher, Maria Rosa Malaquias e seu filho José Malaquias, alugando os restantes fogos a diversos inquilinos, entre os quais se relembram alguns deles tal como eram conhecidos:

—  Tomás das Camionetes que era expedidor da empresa de camionagem Setubalense;
— Carlos da Ponte que possuía uma lancha para transportar passageiros a bordo dos navios ancorados ao largo do Tejo. (1o andar);
— Álvaro Cortador, conhecido talhante de Cacilhas que depois foi viver para a Rua Carvalho Freirinha;
— António Pintassilgo que era irmão do mestre do cacilheiro Renascer (4° andar);
— Joaquim Vieira, motorista dos barcos da Parceria dos Vapores Lisbonenses.


No piso térreo do “prédio do Zé Malaquias”, como ficou a ser conhecido, situava-se a “taberna do Malaquias”, que também funcionava como casa de pasto, que era frequentada aos almoços pelo pessoal um pouco mais abastado que trabalha mesmo defronte na “Parry”.

Existiam ao tempo, mais tabernas e tascas na localidade de Cacilhas, mas segundo “rezam as crónicas” era na taberna do “José Malaquias” na Lapa, que se servia o melhor vinho tinto, que provinha das adegas de Xavier Santana localizadas em Palmela, que ainda hoje existem.

A traseira da taberna dava acesso para um saguão que existia no interior do prédio e era aqui que se localizava numa das paredes, uma porta que dava acesso à entrada de uma gruta que segundo se dizia, se prolongava em forma de túnel subterrâneo, em direcção onde existia à superfície, a Estalagem /Cocheira do Narciso José e depois declinando em frente do local onde se situa a “Igreja de Cacilhas”, seguiria para Almada, bifurcando-se para o forte de Almada e o palácio da Cerca, onde se sabe existirem diversos tuneis subterrâneos...

Carta hydrographica do littoral de Cacilhas, 1838.
 Biblioteca Nacional de Portugal

Segundo José Malaquias (filho), ao penetrar-se pela galeria da gruta com a ajuda de um candeeiro a petróleo ou pequeno archote, uma vez que não existia iluminação eléctrica, poucos passos adiante a chama extinguia-se, o que era indicativo de haver pouco oxigénio no ar pelo que naquele tempo, ninguém se atrevia a ir mais além...

A seguir ao prédio do Malaquias, havia um armazém de Azeite a granel que era pertença de Ferreira Marques. O seu encarregado de apelido Oliveira, vivia no 1° andar com mulher e filhos. O azeite era embalado em latas de folha-de-flandres de 1 e 5 litros e era destinado à exportação (II).

Grupo de Obuses Pesados, Manobras militares do Outono (detalhe), 1937.
Arquivo Nacional Torre do Tombo

Logo depois, erguia-se um enorme prédio de rendimento já bastante antigo e gasto, que pertencia à família da Casa Serra (III).

A Casa Serra, cujo proprietário era o comerciante João Baptista de Carvalho Serra, tinha os seus escritórios e estabelecimento num prédio na actual Rua Cândido dos Reis, onde vivia com a família no 1° andar. Esta firma comercializava enorme gama de géneros alimentícios, mas também licores, xaropes e ainda produtos de drogaria, ferragens e calçado.

Procedia ainda ao fabrico de gasosas. Aquele prédio que tinha grande profundidade, era formado por 3 pisos e águas furtadas, e nele habitavam diversos inquilinos. Todas as fachadas tinham janelas do tipo guilhotina.

Na frente principal do prédio, existia um a acompanhar a sua largura, um logradouro em forma de quintal, local preferido pelo rapazio para brincadeiras e jogatanas de bola.

As suas escadas interiores, em madeira já envelhecida e carunchosa, rangiam ao serem percorridas e a rapaziada que por ali brincava chamava-lhe o prédio das carochas... Segundo informação recolhida, no rés-do- chão existia ainda a entrada para uma taberna e casa de pasto que pertencia a José Narciso que habitava no mesmo prédio com mulher e filhos.

Continuando na direcção ao Largo de Cacilhas, deparava-se de seguida com uma entrada em forma de rampa que intervalava o prédio antecedente com o último prédio da Lapa que já fazia gaveto com o Largo.

Bailarico em Cacilhas, possível original de A. E. Hoffman, c. 1835.
Alberto de Souza, Alfacinhas, Os Lisboêtas do passado e do presente, Lisboa, edição de Fernando Souza.

Esta estreita rampa permitia o acesso de veículos a um logradouro interior onde se localizavam duas pequenas construções com telhados de duas águas que serviam inicialmente de garagem aos veículos pertencentes à Casa Serra.

Aquelas construções foram compradas em 1942 pela firma José Pinto Gonçalves, Lda. para servirem de armazém de mercadorias e permi- tindo então a ligação a outro armazém que a firma já possuía nas traseiras do prédio na Rua Cândido dos Reis, onde se situava o estabelecimento Casa da Beira Alta.

Casa da Beira Alta de José Pinto Gonçalves, Mercearia, Fanqueiro e Retrozeiro
Largo Costa Pinto, Cacilhas
Boletim O Pharol

Finalmente o último prédio da Lapa, era composto por 3 pisos e em todas as fachadas existiam janelas de guilhotina. Ao nível térreo na esquina virada a sul, existia uma garagem para recolha de viaturas a qual não era visível pelo Largo de Cacilhas e que pertencia à Casa Serra, Lda (IV).

Para o eventual relembrar de alguns cacilhenses mais provectos na idade, referem-se alguns dos últimos inquilinos que viveram neste prédio:

Casimira que era cabeleireira em Cacilhas (1° andar);
José Joaquim Júnior e Donorah Vialonga (1° andar);
Magalhães que era Cabo de Mar (2° andar),
André que era expedidor da camionagem Setubalense (3° andar).

Na fachada virada para o Largo de Cacilhas, estava escrito em letras pretas garrafais: Garage CentralRecolha de Automóveis.

Grupo de Obuses Pesados, Manobras militares do Outono (detalhe), 1937.
Arquivo Nacional Torre do Tombo

Já virada para o largo de Cacilhas, existia uma taberna e casa de pasto, bem frequentada, que pertencia a Antonino Ferreira, conhecido pelo “Pinga Azeite”, cuja entrada se fazia pelo lado da Lapa.

Já fora do sítio da Lapa, mas a bem dizer, com “paredes meias”, e logo a seguir à taberna do “Pinga Azeite” poucos metros adiante, à entrada da rua Cândido dos Reis, havia uma outra taberna também muito conhecida e que veio (por razões diferentes da sua actividade), a ficar famosa: Era a taberna da Tia Francisca, como era conhecida, a qual já existia a funcionar, desde a primeira década de 1900.

A multidão aguardando o ministro na villa de Cacilhas, Joshua Benoliel, 1911.
Hemeroteca Digital

A Tia Francisca, que explorava a taberna, vivia no 1° andar do mesmo prédio com seu marido e seu filho, José de Jesus Malaquias. Este casou, ainda bem jovem, e nos primeiros anos continuou a viver na casa dos seus pais, com sua mulher e seu filho, José Malaquias, que entretanto tinha nascido em 1934.

Só após as obras concluídas no prédio que tinha adquirido na Lapa é que então se mudou para lá, e começou a explorar o seu próprio negócio de taberna e Casa de Pasto, mantendo-se aberta a taberna explorada por sua mãe.

Lapa de Cacilhas, aguarela de Anyana, O Scala, inverno 2006.
Casario do Ginjal

Em 1947, com a previsível expropriação de todas as construções existentes na ala direita da Lapa, a fim de ser aberta uma nova via de acesso entre Cacilhas e a Cova da Piedade, José de Jesus Malaquias, acabou por ir viver para Almada e passou a explorar a taberna que pertencia a seus pais, sucedendo assim à sua mãe Francisca, naquele negócio (...) (1)


(1) O Pharol n° 25, A Lapa - Um recanto de Cacilhas, 2014

Artigos relacionados:
A menina do mirante
O torreão e a Lapa
Na esplanada do forte de Cacilhas
Bailarico em Cacilhas
Cacilhas vista do Tejo, em 1847
A visita do sr. ministro
Na Lapa de Cacilhas em 4 de junho de 1950
etc.

segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Bailarico em Cacilhas

O detalhe da pintura a óleo, 181? - Bailarico em Cacilhas da colecção do dr. José Coelho da Cunha, é primeiro referenciada pelo aguarelista Alberto de Souza e apresentada no livro que lhe é dedicado,  edição do filho Fernando Souza, Alfacinhas, Os Lisboêtas do passado e do presente, Lisboa.

Bailarico em Cacilhas, possível original de A. E. Hoffman, c. 1835.
Alberto de Souza, Alfacinhas, Os Lisboêtas do passado e do presente, Lisboa, edição de Fernando Souza.

O mesmo detalhe aparece mais tarde referenciado por Alexandre Flores em Almada antiga e moderna (roteiro iconográfico, Freguesia de Cacilhas, Câmara Municipal de Almada, 1987) onde o autor identifica o começo da Rua Direita (actual Cândido dos Reis) e o Sítio da Lapa na imagem. Posteriormente, em Para uma História do Fado (edição Corda Seca e Público), Rui Vieira Nery recupera a mesma imagem e não adianta mais informação para além da avançada por Alberto de Souza.

Pela nossa parte, seria esclarecedor ter acesso ao quadro completo mas até hoje não nos foi possível encontrar mais referências sobre a pintura, então pertença do dr. José Coelho da Cunha.

Podemos adiantar com base na imagem que o festejo, o dito bailarico, tem lugar junto ao cruzeiro que existia no local mencionado por Alexandre Flores, e que a dança seria muito possivelmente do tipo Fandango ("teimas", como ainda hoje se diz em certa partes do Ribatejo).

Caza de Pasto, Bailarico em Cacilhas (detalhe), possível original de A. E. Hoffman, c. 1835.
Alberto de Souza, Alfacinhas, Os Lisboêtas do passado e do presente, Lisboa, edição de Fernando Souza.

Os barretes vermelhos indicam com forte probabilidade a profissão de catraeiros dos intervenientes. As demais profissões populares seriam tanoeiros e calafates. O boné de pala, a cartola e os sapatos de polimento indicam uma data posterior à década de 1810 proposta por Alberto de Souza.

Em fundo vemos o detalhe do velho torreão/miradouro de Cacilhas e o velame das embarcações acostadas ao pontal. No largo e nas sacadas dos edifícios as famílias, demais moradores e visitantes assistem ao evento. Junto à entrada da Caza de Pasto uma mulher vende laranjas.

Não sabemos se se trata de uma feira, ou de um mercado, dos festejos de S. João, ou outros, relacionados com a procissão de Nossa Senhora do Bom Sucesso, ou mesmo da celebração da vitória das forças liberais sobre os miguelistas.

As classes populares estão no primeiro plano, os rostos têm expressão, trata-se de uma pintura de costumes, documental, do período romântico. Conhecemos outras da década de 1830, dentro da linha iniciada pelos artistas francófonos emigrantes da revolução francesa (Nöel, Delerive, L'Évêque) ou mesmo anterior (Pillement). Até obtermos melhor informação vamos atribui-la a A. E. Hoffman, soldado ao serviço do exército liberal, e datá-la c. 1835.

Com a mesma representatividade, Liberalismo/Romantismo (o anúncio do Setembrismo talvez), de A. E. Hoffman usámos Saltimbancos/Largo do Corpo Santo para ilustrar Almeida Garrett por Bulhão Pato: o jantar ao poeta.

Lisboa, Largo do Corpo Santo, A. E. Hoffman, c. 1833.
Museu de Lisboa

De igual modo, recorremos a A. E. Hoffman, Batalha de Ponte Ferreira (detalhes) de 1835, para compor a dinâmica num dos artigos sobre a Batalha da Cova da Piedade — 23 de julho de 1833. Poder-se-iam evocar outros quadros do mesmo autor, Feira das Bestas no Campo Grande (c. 1833, Museu de Lisboa) e Antigo Mercado da Praça da Figueira (EGEAC, Museu de Lisboa) este último também não claramente atribuído.

Caza de Pasto, Bailarico em Cacilhas (detalhe), possível original de A. E. Hoffman, c. 1835.
Alberto de Souza, Alfacinhas, Os Lisboêtas do passado e do presente, Lisboa, edição de Fernando Souza.

Hoje, exceptuando o panorama de Luiz Gonzaga Pereira (se quisermos), o eco do tambor que se repete e uma quase imperceptível melodia da gaita de foles, do Bailarico em Cacilhas, nada resta.

Esboços de Paizages d'Mediterraneo e Lisboa, 28.
Cacilhas, Luiz Gonzaga Pereira, 1809.
Museu de Lisboa


Rui Granadeiro, 1 de agosto de 2022


Artigos relacionados:
Almada e Val de Piedade no diário de Dorothy Quillinan
Batalha da Cova da Piedade — 23 de julho de 1833
Almeida Garrett por Bulhão Pato: o jantar ao poeta
etc.

Leitura relacionada:
O Pharol n° 25, A Lapa - Um recanto de Cacilhas, 2014
O Pharol, n° 27, Os Bailes em Cacilhas, 2015