segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Defesa de Lisboa em 1810 (I)

No início de dezembro, alguns movimentos das tropas francesas no sul da Espanha levaram a crer que uma movimentação estava a ser intentada no Alentejo, em apoio da renovada operação contra as linhas [de defesa], [no caso,] o promontório de Almada à esquerda do Tejo, oposto a Lisboa, que comanda a navegação do rio, e de cujas proteções abrange uma grande parte da cidade,* foi reduzido sob a superintendência do Capitão Goldfinch.

* O Tejo, oposto ao Castelo de Almada, tem apenas 2,200 jardas [2.011 mts.] de largo.

A military sketch of the country between Lisbon and Vimeiro occupied by the British Army (detail), 1810.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

A esquerda desta posição ficava sobre a ampla bacia do Tejo, no alto imediatamente acima de Mutella; o seu centro estava no Monte de Caparica, Lugar de Monte, e a sua direita sobre a falésia rochosa, chamada de Altos da Raposeira, elevando-se acima do mar, a toda a extensão da sua frente, cerca de 8.000 jardas [7.315 mts.].

Carta Topográfica Militar da Península de Setúbal (detalhe), José Maria das Neves Costa, 1813
Imagem: IGeoE

Uma cadeia de redutos, 17 em número [revisto posteriormente], flanqueando-se mutuamente, e tendo seteiras frontais, para permitir a observação nas ravinas, foi estabelecida sobre os outeiros mais proeminentes desta linha, estando a sua defesa unida com, e apoiada por, várias casas de campo na sua retaguarda, que, sendo construídas em pedra, com recintos de pedra, podem a qualquer momento ser formidáveis postos.
  • 01 Forte de Almada
  • 02 Forte do Pragal, perto do Pau de Bandeira, alt. 108 mts.
  • 03 Forte de Palença, 200 mts. a norte de Palença de Cima
  • 04 Forte do Raposo, na colina do marco trigonométrico
  • 05 Forte do Bicheiro, Quinta do Bicheiro, Caparica
  • 06 Forte do Prior, sítio de S. António na povoação de Caparica
  • 07 Forte da Granja, Quinta da Granja entre Formosinho e Vigia
  • 08 Forte de Castelo Picão, pequena povoação no monte de Caparica
  • 09 Forte de Montinhoso, no sítio do mesmo nome
  • 10 Forte do Guedes, atual Quinta da Conceição
  • 11 Forte de Murfacém, a oeste de igreja, alt. 105 mts.
  • 12 Forte da Raposeira Pequena, no atual sítio de Alpena
  • 13 Forte da Raposeira Grande, no lugar do novo reduto de Alpena
  • 14 Forte da Margueira, alt. 35 mts.
  • 15 Forte do Conde, atual rua Lourenço Pires de Távora
  • 16 Forte de S. Sebastião, 100 mts. a sul da ermida de S. Sebastião
  • 17 Forte do Armeiro Mor, Pragal, alt. 80 mts.
  • 18 Forte do Melo, Ginjal do Monte, Caparica
  • 19 Forte do Pombal, lado sul da estrada Caparica - Casas Velhas
  • 20 Forte de Possolos, onde hoje se encontra o cemitério de Caparica
  • 21 Forte de Pera de Cima, Quinta da Conceição, alt. 200 mts.
  •  
  • in PEREIRA DE SOUSA , R. H., Fortalezas de Almada e seu termo, Almada, Arquivo Histórico da Câmara Municipal, 1981, 192 págs.
Uma estrada afundada, que se estendia a quase toda a posição, na traseira dos redutos, formava uma comunicação segura entre eles e foi engenhosamente feita pelo oficial executivo para reforçar à sua defesa, cortada em banqueta, e protegendo fora do declive à sua frente, de modo a formar um caminho coberto normal, com locais armados nos pontos que davam os melhores flancos e que melhor poderiam ser apoiados pelos edifícios de pedra.

Fortificação típica das linhas de defesa de Lisboa, 1810.
Imagem: Papers on Subjects Connected with the Duties of the Corps of Royal Engnieers

O castelo de Almada, em ruínas, foi reparado e armado para defesa, de modo a formar uma espécie de cidadela interior, que deve garantir a comunicação com Lisboa até ao último momento; e como meio pronto de comunicação entre a esquadra e as várias partes da posição, foram contruídas estradas em várias pontos do penhasco,* formando a sua garganta.

* Após uma parte desta estrada ter sido construída, o acabamento do remanescente foi suspenso; em consequência dos inconvenientes ocasionados aos ocupantes de habitações privadas, e o conhecimento de que a estrada poderia, com a devida atenção, ser acabada quando requerido num tempo inferior ao necessário ao inimigo para reunir forças, e marchar através do Alentejo.

Ruínas do castelo de Almada, Carta Geographica da Provincia da Estremadura (detalhe), c.1777 - 1780?
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Foi proposto confiar a defesa desta posição aos marinheiros e fuzileiros navais da esquadra, juntamente com as milícias [ordenanças] e os corpos cívicos de Lisboa [voluntários], os redutos foram construídos com uma magnitude fora do comum, muitos sendo capazes de conter 400, 500, ou 600 homens, e desde 6 a 10 peças de artilharia; a guarnição calculada para o conjunto quando concluído será 7.500 homens e 86 peças de artilharia.

Soldado de Caçadores n° 6, 1811,
Organização de Beresford,
Aguarela de Ribeiro Arthur.
Imagem: Colecção de Postais de Ribeiro Arthur

Qualquer ataque de Almada neste momento só poderia ter sido uma operação secundária; mesmo se bem sucedida, o Tejo ter-se-ia interposto como um obstáculo intransponível entre os vencedores e Lisboa, e ocupação do promontório deveria ter sido completamente dependente do sucesso na frente. 

Portanto, qualquer modo de ocupação de Almada, que devesse prejudicar a defesa das linhas, dificilmente poderia ter sido justificado; mas era objeto de um grande valor, assim, por meio de profundos trabalhos e um esforço que de outra maneira não poderia ter sido tornado útil, por ter eliminado a possibilidade de pequenas forças inimigas perturbarem a esquadra, criando alarme e confusão na capital, e, talvez, espalhando o pânico através do país na retaguarda do exército, no momento em que as linhas [de Torres, a norte de Lisboa,] fossem atacadas [...]

Castelo de Almada após as reparações de 1810, gravura (detalhe), Pierre Eugène Aubert (Aubert pére),
cf. Lisbon from Fort Almeida [sic], Drawn by C. Stanfield from a Sketch by W. Page, Engraved by E. Finden,
Fieldmarshal The Duke of Wellington.
Imagem:  Biblioteca Nacional de Portugal

Nenhuma das objecções às linhas contínuas, no entanto, se aplicam aos postos fechados e isolados, cada um deles capaz de uma boa resistência, já que os intervalos entre eles não exigem uma linha de tropas de apoio, e após o fornecimento de guarnições para o trabalho, o exército pode permanecer em grupos abrigados, dos bombardeamentos, por algumas irregularidades do terreno perto do cume da elevações; 

Cabo do Regimento de Infantaria n° 24, 1813.
Aguarela de Ribeiro Arthur.
Imagem: Colecção de Postais de Ribeiro Arthur

ou se isso não se encontrar, no reverso, imediatamente abaixo da crista, pronto para se mover em grupos compactos e formidáveis sobre qualquer ponto ameaçado, ou formar em linha ou manobrar sobre os postos tomados, de maneira a melhor deter os esforços do assaltantes; um bom exemplo, cuja natureza da posição pode ser estudada nas defesas de Almada [...]

Soldado de Infantaria n° 8, 1810.
Aguarela de Ribeiro Arthur.
Imagem: Colecção de Postais de Ribeiro Arthur

Não se dá plano sobre as posições de Almada, Oeiras e Setúbal, já que é possível que, ao correr dos anos, sejam novamente ocupadas; uma referência aos planos pode ser feita por quem o deseje no escritório em Londres [...]* (1)


* originalmente publicado em julho de 2015

(1) John Thomas Jones, Memoranda relative to the lines thrown up to cover Lisbon in 1810, Londres, 1829

Leitura adicional:
Papers on Subjects Connected with the Duties of the Corps of Royal Engineers
Journals of sieges carried on by the army under the Duke of Wellington, in Spain, during the years 1811 to 1814

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