Cacilhas vista do Tejo, gravura xilográfica, João Pedroso, 1846 Imagem: revista O Panorama, n° 18, 1847 [*] |
Lisboa é abastecida de todos os generos, precisos para as principaes necessidades e tambem para o regalo e commodos da subsistencia da sua grande população, não só pelo fertil territorio adjacente, que fica ao norte do Tejo, como pelo da margem fronteira, abundante em fructos de toda a casta, vinhos excellentes, lenhas. caças e outros muitos objectos que concorrem ao consumo immenso da capital.
A outra-banda, como usualmente nomeamos a parte ao sul do Tejo mais directamente opposta à cidade, é uma das vastissimas quintas de Lisboa, um dos seus recreativos passeios domingueiros, que offerece a variedade do transito pelo rio. e das excursões terra dentro pelo meio de fazendas deleitosas ou pela crista das alturas d'onle se desfructam extensas e mui picturescas vistas já de pais, já da cidade.
Campeia sobre esta margem. atalaia da capital por este lado, a mui antiga villa de Almada, cujo porto é o pequeno logar de Cacilhas.
Extravagantes etymologias teem alguns marcado àquelle nome ; o certo é que deriva de origem radicalmente arabica : al maden significa a mina : tal nome provem das minas d'ouro que d'esta banda se exploravam desde tempos muito remotos, entre outras a da Adiça, lavrada já no começo da monarchia.
Os arabes, grandes prescrutadores das riquezas mineralogicas, lhe deram esta denominação, que com mais certeza procede d'aquellas palavras de que da causa que lhe assigna Ebn Edrisi, que escreveu pelos annos de 1151 a 1153, o qual, fallando do castello de Almada, que signillca castello da mina, diz que assim se chama por causa do ouro que para alli acarreta o mar quando anda bravo.
D'esta asserção do geographo arabe o mais que pode inferir-se é que n’aquella praia se achavam palhetas d'ouro, como nas areias do Zezere e do Alva, justificando de algum modo a fama de aurifero, de que já em tempo dos romanos gozava o Tejo : a verdadeira razão explica-a o sabio naturalista José Bonifacio de Andrada e Silva, na Memoria sobre a nova mina d'ouro da outra banda do Tejo — " ... posteriores e mais miudas observações me tem convencido que este ouro não vem de fóra, mas se acha mais ou menos disseminado nas formações alluviaes d'aquelle terreno, o qual foi formado das ruinas e detritos de montes e vieiros auriferos, ou distantes ou visinhos, que as antigas inundações do oceano ou de grandes lagos e rios internos causaram em diversos tempos.
É provavel que polo andar dos seculos as chuvas, penetrando as camadas, desmoronando as barreiras oabrindo canaesinhos, lavassem as terras e ajunctassem o ouro, e o fossem depondo nos baixos e sitios mais azados da costa, onde as ondas lavam e apuram as suas particulas disseminadas.
Querendo verificar esta suspeita que tive logo que pela primcira vez examinei o local e a natureza da formação, mandei no mez de abril passado (1815) trabalhar de novo em alguns sitios já lavrados no estio antecedente.
Desde 16 de abril até 6 do corrente mez de maio. o ouro que temos recolhido d’aquella mina foi todo tirado das antigas catas, que o mar do novo enchéra revolvendo e lavando repetidas vezes as areias e as terras desmoronadas das faldas da Barreira.
Verdade é que a camada aurifera que se formou de novo não tem por ora mais do que um palmo de grossura ; e o palmo cubico só rende um grão d'ouro; todavia, em tres semanas em que so não poude abrir em sitio virgem catas mais rendosas, pela falta de agua e outros embaraqos locaes que já estão vencidos, deu esta segunda colheita 416 oitavas, on 6 marcos e 4 onças de excellente ouro em pó e amalgamado. — Assim, se por um lado as ondas do mar embravecido sobre a immensa praia desabrigada contrariam muitas vezes os nossos trabaihos mineraes, por outro é o oceano au mesmo tempo um valentissimo e excellente operario,que ajuncta e deposita as fagulhas sem conto do ouro derramado, e as lava a apura sobre as rampas da praia, que lhe servem então de optimo bolinete ou lavadouro de concentração, quando acha base firme, qual é o salão ou greda já descripta." — Todo o contexto d'este Memoria é de muita curiosidade e instrucção.
O castelo de Almada é, como vimos, do tempo do dominio sarracano ; contam porém os nossos historiadores que a villa foi povoada por cavalleiros inglezes que vieram e este reino na armada do norte de Guilherme da Longa Espada, e auxiliaram com seus companheiros o nosso primeiro rei na conquista de Lisboa.
No tomo 3.° da Monarchia Lusitana vê-se approveitada esta circumstancia para crear uma falsa etymologia do nome da villa.
Teve o seu primeiro foral d'el rei D. Sancho I, que d'ella fez doação aos cavalleiros da ordem de Santiago, pelos annos de 1187 : el rei D. Diniz a incorporou na corôa, dando em troca aquella ordem as villas de Almodovar e Ourique em Alemtejo, com os castellos de Marachique e Aljezur.
É de notar que no regimen absoluto, era a unica villa que a corôa tinha no Ribatejo, pelo que ainda no meado do seculo passado constituiu com o seu termo comarca de per si, separada das que então eram confinantes, Azeitão e Setubal.
Segundo se lê na Geographia de Rego, tom. 1.° pág. 116 ; posteriormente o provedor e ouvidor de Setubal era conjunctamente corregedor d'Almada, não entrando esta villa na provedoria, que abrangia vinte villas : a correição de Almada comprehendia também as de Azeitão, Lavradio, Moita, Camora Correia, S. Thiago de cacem, Cezimbra e Torrão.
O extincto logar de juiz de fóra foi creado em 1686.
Na mui levantada eminencia, fóra da villa, d'onde se avista um magestoso amphitheato de edificios da capital, tendo na raiz o Tejo animado pelo movimento marítimo, está assentado o convento da invocação de S. Paulo que foi da ordem dominicana, fundação do muito lettrado padre Fr. Francisco Foreiro, confessor dos reis D. João III e D. Sebastião.
A distancia de uma legua da villa ficava tambem o couvento de religiosos de S.Paulo eremita, com o titulo de Nossa Senhora da Rosa, e o mencionámos porque diz o padre Carvalho em sua Corographia qua na cerca há uma fonte de aguas saluliferas para curar a lepra, e assim o cita o doutor Fonseca Henriques no Aquilegio Medicinal.
Este ultimo auctor tambem refere que a fonte do Alfeite, chamada a Biquinha, é excellente para os achaques de padra e areias da bexiga, e que por isso era de varias pessoas de fóra procurada : já o mesmo se lia na Descripção de Portugal de Nunes de Lião.
A bem conhccida Fonte da Pipa, á beira do Tejo, é notavel pela copia d'agua, perenne em todos os tempos, fornecendo provimento facil de aguadas aos numerosos navios que demandam o porto de Lisboa.
Foi natural de almada o nosso escriptor Diogo Paiva d'Andrade sobrinho, distincto em poesia latina, obras moraes e critica historica.
Offerecemos uma vista da pequenina abra ou calheta do logar de Cacilhas, tomada do barco de vapor que para alli faz constante carreira diaria.
[*] Seja-nos permittida, por esta occasião, uma breve observação: — Todas as gravuras que temos estampado n'esta segunda ephoca são do buril do Sr. Baptista Coelho sobre desenhos do Sr. Bordalo Pinheiro, aos quaes o publico já tem feito em seus elogios a merecida justiça pelos bem acabados trabalhos que illustraram muitas paginas das primeiras series do jornal: repetimos, todas estas gravuras são devidas aquelles senhores, posto que muitas sejam copias de desenhos de jornaes, e outras obras estrangeiras — nenhuma procede de cliché vindo de fóra, e os originaes em madeira podem ver-se na typographia onde imprimimos.
Porém, a que vae na frente deste numero é obra de um joven, assaz digno de louvor pela sua applicação;revela porém uma certa falta de estylo de gravar e de certa animação, se nos é lícito exprimir-nos assim, que á primeira vista, não aparece nas outras, para as quaes póde esta servir de termo de comparação : também n'este ramo ha eschola, a eschola moderna com o seu estylo, mimo e perfeição particulares ; o joven artista dá esperanças de que poderá bem aproveitar-se d'ella. (1)
(1) O Panorama, n° 18, vol. IX, Lisboa, Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Úteis, 1847.
Fonte: Hemeroteca Digital
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