Vão todos p'la rua abaixo,
Com medo como o diacho!
N'isto, junto de Soccorro,
Vê-se um trem á luz de um gaz,
Que dizía mesmo: "Morro,
Por indecente e incapaz!"
Era o landau do... D. Braz!!!
Tudo logo em berraria!
Tudo logo em gritaria!
Não ha horas, ruins, más!
Mana! papá! minha tia!
Olhe... veja... que alegria
D. Braz! D. Braz! Ó D. Braz!
Tudo se ácerca do trem,
Tudo quer ver o amigo,
Tudo pergunta ao postigo:
"Como passou, passou bem?
Como está, senhor morgado?
O figado seu, como vai?
O baço está desinchado?
Ainda bem que já sahe!
A perua já se curou?
O bofe já melhorou?"
E tudo sobre elle cahe...
Que quasi o esborrachou!
O cocheiro no pescante,
Com seu enorme penante,
Toda aquella scena via,
E como melro sorria.
Padre José, com agrado,
Quer abraçar o morgado;
Mas como ás escuras fal-o,
A dar aos braços avança,
E n'um amplexo.. zás!
A cabeça de um cavallo,
Abraçou ao pé da lança,
Julgando que era o D. Braz!!!
D. Braz Pimenta Athayde
De Vasconcellos e Cid
Noronha da Cunha Mattos,
Morgado dos Carrapatos,
Um vinculo instituido,
Por D. Manuel da Falperra,
Em Sines, a sua terra...
Estava dentro do landau,
De cara pasmada .. só,
O que todo o rancho espanta,
Porque o nosso personagem,
Na mais pequena viagem,
Traz a velha governanta,
E o seu amigo doutor,
Medico assás erudito,
Que lhe acode á menor dor,
E ao menor faniquito.
(Gambôa)
Oh! D. Braz, d'onde vens tu?
E elle diz-lhe ao ouvido:
(D. Braz)
"Fui por mandos de Cupido,
A um rico rendez-vous."
(Gambôa)
Ora adeus! fanfarronadas...
Toleimas... parlapatices...
Setecentas patacuadas,
Imposturas e tolices!...
Mas o gaz não apar'cia,
E o nosso fidalgote,
A palacio recolhia,
Suspirando p'r'um archote.
E bisarro, e generozo,
Franco, como os que são francos,
Dizia assáz gracioso,
(Que elle tem ditos facêtos,)
"Os pretos hoje são brancos,
E os brapcos parecem pretos."
Se vão p'ra casa, vai tudo,
Aqui dentro da typoia,
É uma dansa d'entrudo,
Porém eu não vejo boia!
D. Francisca, a patroa,
Vai no colo do Gamboa,
Vossa excellencia entendeu?...
A mana, sento eu no meu,
Tu Alfredo, aqui em pé,
As meninas, ambas, sim,
"Aqui em frente de mim."
E o padre então galhofeiro,
Piscou o olho á creada,
E foram para a almofada,
Sentar-se ao pé do cocheiro.
Roda "el coche", e dentro "el níño",
Par'cia um carro de bois.
Onde ia o rei dos heroes,
A passo, devagarinho.
Sem contratempo ou quisilia,
Chegou a casa a familia,
Do nosso q'rido Gambôa,
Que a rir sempre alegre anda;
E assim acabou-se em paz
Em noite escura, sem gaz,
O passeio á Outra Banda.
(Final)
Com modos muito cordatos,
O nosso amavel e q'rido,
Morgado dos Carrapatos
Disse ao Gambôa, ao ouvido:
"Em segredo isto te digo,
Tu que és meu dedicado,
E um verdadeiro amigo,
No high-life do Illustrado,
Amanhil, faze sair,
Esta coisa... e obrigado".
E abraçou-o muito a rir.
Era um papel que dizia
Sem normas de orthographia:
"Parte ámanhã para Carnide,
P'r'á sua quinta dos Gatos,
D. Braz Vasconcellos Cid,
Morgado dos Carrapatos.
E faz tenção tambem mais,
Não esticando o pernil,
D'ir setembro p'ra Cascaes,
E outubro p'ró Estoril.
Sua excellencia que a vida,
Só disfructa entre regalos,
P'rá vivenda apetecida,
Leva o trem e os cavallos."
(Fim)
(1) Diário Illustrado, 17 de agosto de 1896
... de Almada conheço todas as pedras e aquelas que não reconheço ou nunca existiram ou não são de Almada.
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terça-feira, 28 de fevereiro de 2017
Grande passeio à Outra Banda (9 de 10)
O Gambôa o olho deita,
Furioso como um toirão!
E aqui se põe á espreita,
Que viesse algum carrão.
A mana, n'um repellão,
De enfado e Dona Francisca,
Dão meia volta á direita
E cada uma se sisca,
Por aquella escuridão!
Diz o padre: "Está bonita...
Que bella illuminação!
Isto ninguém acredita
E perco eu p'r'um tostão
O ver a... Linda Chiquita!"
Volta o Gambôa: "Ora bolas!
A Chiquita está na França,
Hoje era opera com dança,
E musica com castanholas.
Era a Carmen de Bizet;
Meu q'rido padre José,
Bem se vê que é de Alcoentre,
Hoje não tinha voce,
A bella dança do ventre."
As duas pequenas riam;
No rapaz dera-lhe o somno,
Caminhando como um mono,
Muito atraz de quantos iam.
Passavam mil franchinotes
Cantarolando em tropel,
Com lanternas de papel,
Dizendo ao rancho dichotes.
Vários faias e fadistas,
Bem diziam os grèvistas,
Por darem occasião,
A tamanha reinação!
A mana, de olhar tirano,
Suando-lhe toda a fronte,
Exclamava: "Mano! oh! mano,
Temos Maria da Fonte!"
O padre temia então,
Que a guarda municipal,
Atirasse um esquadrão,
Pr'o meio da capital!
E deu um enorme grito,
Com entono doloroso,
Quando ouviu uns sons de apito,
No Paço do Bemformoso!
D. Francisca já dava,
No marido alta desanda,
Por ter ido á Outra Banda,
toda se arrepellava!
"Você é que teve a culpa,
De em tempo de revol'ções,
Sahir co'a gente a funcçoes,.
Não tem nenhuma desculpa.
Antes ter ido a Queluz,
Antes termos ido a Bellas,
Não andavamos sem luz,
Nem lá ás apaldadellas!"
(Grita o Gambôa)
Não foi por poupar dinheiro,
Que eu não sou pelintra,
O que propuz eu primeiro?...
Foi que fossemos a Cintra.
(A mana)
"Pois eu gostei de Cacilhas."
Então acordam as filhas:
Ter ido. a Cintra?!... Meus Deus!
Eu cá não ia mamã,
Com uns vestidos de lã...
Com estes velhos chapéos...
Com estes grandes cuxixos...
P'ra nos tomarem por bixos,
P'ra rirem da gente toda!
Com uns monos d'uns vestidos,
Que além de estar encardidos,
As mangas não têm á moda!
(Grita : a mana)
Abanar-se com o leque,
"Eu a Cintra não iria,
Com este meu cazbueque...
O high-life... o que diria?...
E lá que a terra é tão fria...
E que tão janota é tudo...
Com vestido de velludo,
Eu só lá passearia."
(Gambôa azoado)
Fallaram as figuronas...
Fallaram as paspalhonas...
Já tudo aqui me atazana!
E fallou também a mana,
Rainha das tafulonas!...
Pretenciosa liró...
Que ainda sonha em derriços.
Com cinco dentes postiços,
E um amarello chinó.
Sente-se um grito afflicto!
E a exclamação: "Eu caio!"
A velha teve um desmaio,
Um valente faniquito!
Torna a si.—Grito geral,
"Tudo ao Principe Real!"
A creada então dizia,
Olhando para o theatro:
"Valha-me Santa Maria!
Ai, meu rico 104."
(1) Diário Illustrado, 16 de agosto de 1896
Furioso como um toirão!
E aqui se põe á espreita,
Que viesse algum carrão.
A mana, n'um repellão,
De enfado e Dona Francisca,
Dão meia volta á direita
E cada uma se sisca,
Por aquella escuridão!
Diz o padre: "Está bonita...
Que bella illuminação!
Isto ninguém acredita
E perco eu p'r'um tostão
O ver a... Linda Chiquita!"
Volta o Gambôa: "Ora bolas!
A Chiquita está na França,
Hoje era opera com dança,
E musica com castanholas.
Era a Carmen de Bizet;
Meu q'rido padre José,
Bem se vê que é de Alcoentre,
Hoje não tinha voce,
A bella dança do ventre."
As duas pequenas riam;
No rapaz dera-lhe o somno,
Caminhando como um mono,
Muito atraz de quantos iam.
Passavam mil franchinotes
Cantarolando em tropel,
Com lanternas de papel,
Dizendo ao rancho dichotes.
Vários faias e fadistas,
Bem diziam os grèvistas,
Por darem occasião,
A tamanha reinação!
A mana, de olhar tirano,
Suando-lhe toda a fronte,
Exclamava: "Mano! oh! mano,
Temos Maria da Fonte!"
O padre temia então,
Que a guarda municipal,
Atirasse um esquadrão,
Pr'o meio da capital!
E deu um enorme grito,
Com entono doloroso,
Quando ouviu uns sons de apito,
No Paço do Bemformoso!
D. Francisca já dava,
No marido alta desanda,
Por ter ido á Outra Banda,
toda se arrepellava!
"Você é que teve a culpa,
De em tempo de revol'ções,
Sahir co'a gente a funcçoes,.
Não tem nenhuma desculpa.
Antes ter ido a Queluz,
Antes termos ido a Bellas,
Não andavamos sem luz,
Nem lá ás apaldadellas!"
(Grita o Gambôa)
Não foi por poupar dinheiro,
Que eu não sou pelintra,
O que propuz eu primeiro?...
Foi que fossemos a Cintra.
(A mana)
"Pois eu gostei de Cacilhas."
Então acordam as filhas:
Ter ido. a Cintra?!... Meus Deus!
Eu cá não ia mamã,
Com uns vestidos de lã...
Com estes velhos chapéos...
Com estes grandes cuxixos...
P'ra nos tomarem por bixos,
P'ra rirem da gente toda!
Com uns monos d'uns vestidos,
Que além de estar encardidos,
As mangas não têm á moda!
(Grita : a mana)
Abanar-se com o leque,
"Eu a Cintra não iria,
Com este meu cazbueque...
O high-life... o que diria?...
E lá que a terra é tão fria...
E que tão janota é tudo...
Com vestido de velludo,
Eu só lá passearia."
(Gambôa azoado)
Fallaram as figuronas...
Fallaram as paspalhonas...
Já tudo aqui me atazana!
E fallou também a mana,
Rainha das tafulonas!...
Pretenciosa liró...
Que ainda sonha em derriços.
Com cinco dentes postiços,
E um amarello chinó.
Sente-se um grito afflicto!
E a exclamação: "Eu caio!"
A velha teve um desmaio,
Um valente faniquito!
Torna a si.—Grito geral,
"Tudo ao Principe Real!"
A creada então dizia,
Olhando para o theatro:
"Valha-me Santa Maria!
Ai, meu rico 104."
(1) Diário Illustrado, 16 de agosto de 1896
Grande passeio à Outra Banda (8 de 10)
Este conto vai a fio,
Que eu não desejo lacunas,
Desembarcaram sem frio,
Todos no caes das Columnas.
Mal pozeram pé em terra,
Se a memoria me não erra,
Com esta o padre se sahe:
"Uma lembrança aqui vai,
Attenção, que fallo eu!
Para o dia ser em cheio,
O final d'este passeio,
Deve ser no... Colyseu."
Alegres, felizes almas!
Proposta de extremo agrado!
As filhas batem as palmas,
E tudo grita: "Apoiado."
A mana, isto olvidou,
Mencionar; mas sempre achou,
Aqui agora o relato,
O negregado sapato,
Que perdeu no Caramujo.
E logo grita: Eu não fujo,
A ir a quaesquer funcções,
Que idéa monumental!
Vamos lá para a geral,
P'r'o logar de dois tostões.
Mas que é isto?! (diz Gamboa,)
Com a maior expansão,
Eu vejo toda a Lisboa,
N'uma extrema escuridão?!...
Dona Francisca: "Ih! Jesus!
A cidade está sem luz!...
Meninas! dêm-me a mão!
Como é que isto se descreve?!
Diga lá quem for capaz..."
Acode o padre: "E' a gréve,
Da companhia do gaz!"
(D. Francisca)
"A caminho, já em frente,
Todos chegados a nós...
Vocês filhas... não vão sós...
Padre José! não se ausente!
Até me tremem as pernas!
A noite está como um breu!
Lá vejo duas lanternas...
Mesmo acolá... vejo-as eu...
Do cor verde transparente...
Não m'engano... não m'engano.
É um carro americano,
Que vai para o Intendente..."
Aqui tropeço... ali cáio...
Aqui subo... ali esbarro...
Todos sobem para o carro...
Que era um antigo pangaio.
Mas ao Coliseo chegados,
Não se dava o espectáculo,
O gaz era o obstáculo,
E muitos grupos zangados,
Também ficaram logrados!
Tudo queixumes e bulha,
Praguejando um tal vaivém!
Uns vieram da Pampulha,
Outros d'Alcant'ra, e Belem!
A discussão era rica,
E tudo ali a gritar,
Tudo contra a companhia!
Uns que vinham de Bemfica,
E outros do Lumiar.
Era enorme a "engresia"!
Todos estavam em brasa!
Os que tinham lá em casa,
Na sua q'rida casinha,
Fogões a gaz na cosinha,
Lastimavam em berreiros,
Contra a companhia então,
A falta dos fogareiros,
Do clássico carvão!
Furiosos grupos vários!
Gritavam os emprezarios,
A protestarem ufanos,
Já contra perdas, e damnos.
Apostrophava-se ao sério,
A policia, o ministério,
E a camara municipal!
Quando o Gamboa então diz:
"Vamos já padre Luiz,
Tudo ao Príncipe Real."
Eis começa a discussão,
(Estas scenas idolatro!)
Se haviam d'ir ao theatro,
Ou se para casa então.
(P.S.)
N'esta historia verdadeira,
Que aqui conto toda inteira,
Uma surpreza verão,
E não é nada pequena...
Vai-lhes appar'cer em scena,
Um illustre figurão.
Será algum deputado
Será ministro d'Estado?
Algum militar ousado?
Africanista notado?
Leitor, tenha paciência,
Espere Vossa Excellencia,
Que ficará inteirado,
De tudo que é... s'il vous plait.
(1) Diário Illustrado, 15 de agosto de 1896
Que eu não desejo lacunas,
Desembarcaram sem frio,
Todos no caes das Columnas.
Mal pozeram pé em terra,
Se a memoria me não erra,
Com esta o padre se sahe:
"Uma lembrança aqui vai,
Attenção, que fallo eu!
Para o dia ser em cheio,
O final d'este passeio,
Deve ser no... Colyseu."
Alegres, felizes almas!
Proposta de extremo agrado!
As filhas batem as palmas,
E tudo grita: "Apoiado."
A mana, isto olvidou,
Mencionar; mas sempre achou,
Aqui agora o relato,
O negregado sapato,
Que perdeu no Caramujo.
E logo grita: Eu não fujo,
A ir a quaesquer funcções,
Que idéa monumental!
Vamos lá para a geral,
P'r'o logar de dois tostões.
Mas que é isto?! (diz Gamboa,)
Com a maior expansão,
Eu vejo toda a Lisboa,
N'uma extrema escuridão?!...
Dona Francisca: "Ih! Jesus!
A cidade está sem luz!...
Meninas! dêm-me a mão!
Como é que isto se descreve?!
Diga lá quem for capaz..."
Acode o padre: "E' a gréve,
Da companhia do gaz!"
(D. Francisca)
"A caminho, já em frente,
Todos chegados a nós...
Vocês filhas... não vão sós...
Padre José! não se ausente!
Até me tremem as pernas!
A noite está como um breu!
Lá vejo duas lanternas...
Mesmo acolá... vejo-as eu...
Do cor verde transparente...
Não m'engano... não m'engano.
É um carro americano,
Que vai para o Intendente..."
Aqui tropeço... ali cáio...
Aqui subo... ali esbarro...
Todos sobem para o carro...
Que era um antigo pangaio.
Mas ao Coliseo chegados,
Não se dava o espectáculo,
O gaz era o obstáculo,
E muitos grupos zangados,
Também ficaram logrados!
Tudo queixumes e bulha,
Praguejando um tal vaivém!
Uns vieram da Pampulha,
Outros d'Alcant'ra, e Belem!
A discussão era rica,
E tudo ali a gritar,
Tudo contra a companhia!
Uns que vinham de Bemfica,
E outros do Lumiar.
Era enorme a "engresia"!
Todos estavam em brasa!
Os que tinham lá em casa,
Na sua q'rida casinha,
Fogões a gaz na cosinha,
Lastimavam em berreiros,
Contra a companhia então,
A falta dos fogareiros,
Do clássico carvão!
Furiosos grupos vários!
Gritavam os emprezarios,
A protestarem ufanos,
Já contra perdas, e damnos.
Apostrophava-se ao sério,
A policia, o ministério,
E a camara municipal!
Quando o Gamboa então diz:
"Vamos já padre Luiz,
Tudo ao Príncipe Real."
Eis começa a discussão,
(Estas scenas idolatro!)
Se haviam d'ir ao theatro,
Ou se para casa então.
(P.S.)
N'esta historia verdadeira,
Que aqui conto toda inteira,
Uma surpreza verão,
E não é nada pequena...
Vai-lhes appar'cer em scena,
Um illustre figurão.
Será algum deputado
Será ministro d'Estado?
Algum militar ousado?
Africanista notado?
Leitor, tenha paciência,
Espere Vossa Excellencia,
Que ficará inteirado,
De tudo que é... s'il vous plait.
(1) Diário Illustrado, 15 de agosto de 1896
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017
Grande passeio à Outra Banda (7 de 10)
Varias strophes do Fado,
O padre mais cantarola,
E em ouvil-o enthusiasmado,
Todo o rancho se consola.
Era um barytono o padre,
Muito bom em toda a parte,
Declarava-o um seu compadre,
Mais o Antonio Duarte,
D'ahi, na Sé foi cantor,
E no canto religioso,
Sempre muito mavioso,
Com sentimento e amor!
Elle dava o dó do peito,
Como se fosse um tenor!
Era musico a preceito,
Representava, era actor.
Aos outros 'té dava ajudas,
Sem vaidade, nem papalvo;
Nas notas então agudas,
Pondo os seus olhos em alvo,
Era o que se chama: um barra!
Um valente pistarola!
Outro Gaspar da viola,
Hoje onde é que isto se agarra?!
Estava elle agora rouco,
Por fazer uso de mais,
De uns líquidos especiaes,
Do Cartaxo e do Samouco.
Mas no bote lá á vella,
A sua voz retenia,
E com que chiste dizia,
Dando muita pescadella.
"Para as torradas manteiga,
Saborosa como o créme,
Posta por criada meiga,
Que ali vae sentada ao léme!"
Rindo muito a Annunciada,
Agora o leitor que pensa?
Pediu aos patrões licença,
E um pouco envergonhada,
Logo canta sem detença,
Esta resposta acertada:
"Mesmo triste creatura;
Eu agradeço, ólare!
O verso, n'uma mesura,
Ao senhor padre José."
A mana deu tal risada,
Com a graça da criada,
Que afflicta quasi desmaia,
Dizendo em voz de falsete:
"Estoirou-me o cós da saia!
E rebentou-me o collete!"
E tudo ria e cantava...
Que ali só prazer reinava.
Dona Henriqueta depressa,
Elegante então começa:
A minh'alma aqui não treme,
P'ra responder, meu senhor;
Mas no barco do amor,
Ninguém sabe andar ao leme!
Se o coração muito geme,
Se o espirito não reflecte,
Se o pouco pensar se mete,
Em q'rer dar ao peito as leis;
Perde-se o barco... vereis,
E a gente se compromette."
Tocou então o delirio,
O enthusiasmo geral!
Mais trinte de que o martyrio,
Cantou um anjo ideal!...
A mãe, beijou a filhinha,
Mil festas, fez-lhe o papá,
A tia, á q'rida sobrinha,
Muitos abraços lhe dá;
Esta, taes caricias troca,
Com caricias mui feliz;
E até o padre Luiz,
Lhe ferrou uma beijoca!
O que parece impossivel,
O que é mesmo, mesmo incrível,
Talvez ninguém acredite!
Foi fazer o ar do mar,
N'um prompto ressuscitar,
Em todos o apetite!
E foi Gambôa o primeiro,
Que exclamou muito depressa,
Com ar todo prazenteiro:
"Onde é que está a condessa?
Francisca! mana! Henriqueta,
Vocês não façam careta,
Ao que eu vou propor agora.
O padre José, que adora,
A bella gastronomia,
Também nos faz companhia.
Salta a condessa tão linda
Salta a condessa que ainda,
Ha lá muita carne assada,
Uvas, laranjas e não,
Seja eterna esta função,
A pandega abençoada !"
"Cá está o padre presente,
Cá está o padre contente,
Que o expediente bom acha;
Aqui no meio do rio,
Desaparece o fastio,
Mas que apareça a borracha."
"Não ha pucaras, nem ha copos!"
Dizem as lindas meninas.
Nas sociedades mais finas,
Fidalgos até eu topo-os,
Que bebem ruido a primor,
Seja lá por onde for!
Foram comer mais... Espanto!
Padre, Filho, Espirito Santo!!!
(1) Diário Illustrado, 14 de agosto de 1896
O padre mais cantarola,
E em ouvil-o enthusiasmado,
Todo o rancho se consola.
Fadistas, Rafael Bordalo Pinheiro, 1877. Gravura, João Pedroso. |
Era um barytono o padre,
Muito bom em toda a parte,
Declarava-o um seu compadre,
Mais o Antonio Duarte,
O fadista, Typos Populares de Lisboa, 1904. Alberto Souza |
D'ahi, na Sé foi cantor,
E no canto religioso,
Sempre muito mavioso,
Com sentimento e amor!
Elle dava o dó do peito,
Como se fosse um tenor!
Era musico a preceito,
Representava, era actor.
Aos outros 'té dava ajudas,
Sem vaidade, nem papalvo;
Nas notas então agudas,
Pondo os seus olhos em alvo,
Era o que se chama: um barra!
Um valente pistarola!
Outro Gaspar da viola,
Hoje onde é que isto se agarra?!
O Gaspar da Viola, Manuel de Macedo. Imagem: Ilustração Antiga |
Estava elle agora rouco,
Por fazer uso de mais,
De uns líquidos especiaes,
Do Cartaxo e do Samouco.
Mas no bote lá á vella,
A sua voz retenia,
E com que chiste dizia,
Dando muita pescadella.
"Para as torradas manteiga,
Saborosa como o créme,
Posta por criada meiga,
Que ali vae sentada ao léme!"
Rindo muito a Annunciada,
Agora o leitor que pensa?
Pediu aos patrões licença,
E um pouco envergonhada,
Logo canta sem detença,
Esta resposta acertada:
"Mesmo triste creatura;
Eu agradeço, ólare!
O verso, n'uma mesura,
Ao senhor padre José."
A mana deu tal risada,
Com a graça da criada,
Que afflicta quasi desmaia,
Dizendo em voz de falsete:
"Estoirou-me o cós da saia!
E rebentou-me o collete!"
E tudo ria e cantava...
Que ali só prazer reinava.
Dona Henriqueta depressa,
Elegante então começa:
A minh'alma aqui não treme,
P'ra responder, meu senhor;
Mas no barco do amor,
Ninguém sabe andar ao leme!
Se o coração muito geme,
Se o espirito não reflecte,
Se o pouco pensar se mete,
Em q'rer dar ao peito as leis;
Perde-se o barco... vereis,
E a gente se compromette."
Elegante, Raphael Bordallo Pinheiro. Imagem: Bordallo Pinheiro |
Tocou então o delirio,
O enthusiasmo geral!
Mais trinte de que o martyrio,
Cantou um anjo ideal!...
A mãe, beijou a filhinha,
Mil festas, fez-lhe o papá,
A tia, á q'rida sobrinha,
Muitos abraços lhe dá;
Esta, taes caricias troca,
Com caricias mui feliz;
E até o padre Luiz,
Lhe ferrou uma beijoca!
Alguns dos companheiros de quarentena no Lazareto, Rafael Bordalo Pinheiro. Imagem: António Correia, Divagando sobre Caparica: pedaços da sua história, Almada, edição do autor, 1973. |
O que parece impossivel,
O que é mesmo, mesmo incrível,
Talvez ninguém acredite!
Foi fazer o ar do mar,
N'um prompto ressuscitar,
Em todos o apetite!
E foi Gambôa o primeiro,
Que exclamou muito depressa,
Com ar todo prazenteiro:
"Onde é que está a condessa?
Francisca! mana! Henriqueta,
Vocês não façam careta,
Ao que eu vou propor agora.
O padre José, que adora,
A bella gastronomia,
Também nos faz companhia.
Salta a condessa tão linda
Salta a condessa que ainda,
Ha lá muita carne assada,
Uvas, laranjas e não,
Seja eterna esta função,
A pandega abençoada !"
"Cá está o padre presente,
Cá está o padre contente,
Que o expediente bom acha;
Aqui no meio do rio,
Desaparece o fastio,
Mas que apareça a borracha."
"Não ha pucaras, nem ha copos!"
Dizem as lindas meninas.
Nas sociedades mais finas,
Fidalgos até eu topo-os,
Que bebem ruido a primor,
Seja lá por onde for!
Uma borga na horta das tripas, Raphael Bordallo Pinheiro, O António Maria n.° 305, 1891. Imagem: Hemeroteca Digital |
Foram comer mais... Espanto!
Padre, Filho, Espirito Santo!!!
(1) Diário Illustrado, 14 de agosto de 1896
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017
Grande passeio à Outra Banda (6 de 10)
Pouco o padre se molhou,
A coisa não valeu nada,
N'um instante s'enchugou,
Com a famosa golada.
Rindo foi sentar-se á prôa,
Ao lado do seu Gambôa,
Pucha do fuzil... petisca;
Mas logo riam instantinho,
Surge o tenente Coutinho,
P'ra fiscalizar a isca.
Ao bote manda dois guardas,
De espadalhões e de fardas,
(D. Francisca)
Que vem fazer este bando?
Vimos ver o contrabando,
E d'essa isca acendida...
Será já da permittida.
Grita o Gambôa bufando;
"Aqui não ha contrabando,
Não vivi, nunca passando-o,
Não uso a falsa torcida!
Isto em mim não são cantigas,
O olho á vontade deite,
Aqui ninguem tem bexigas,
De agua ardente, nem de azeite.
Se a curiosidade alastra,
Por ordem de um tolo fino,
Metta o nariz na canastra,
Que traz restos do petisco."
(Grita o padre)
Digam lá ao sor Coutinho,
Que diz o padre José,
Que vai no "bote-olaré"!
Sem uma pinga de vinho,
A mana assaz escamada,
As pequenas e a cunhada,
E a môça, todas zangadas,
Não querem ser apalpadas.
O Alfredo, alegre ri,
E pondo a mão na ilharga:
Esclama:—"Vamos d'aqui!
Larga! Larga! o bote larga!"
O Durão, vai pirá escôta
E junto ao padre e ao Gambôa,
Vai assentar-se na prôa,
A creada... (que marôta)!
Agora uma outra cousa,
Metta-se aqui de permeio:
Do Azevedo e do Sousa,
Do Rodrigues e do Feio,
Despediu-se a sociedade,
Com abraços de amisade.
Adeuses... suspiros... e ais,
E o bote larga do caes.
Sulcando o ameno rio
Canta o padre ao desafio.
"Saiba você seu Gambôa,
Que vou agora cantar,
E a Lisboa hei do chegar,
Com a cabeça já bôa.
Aqui, direito na prôa,
Igual ao Vasco da Gama,
Do amor patrio tenho a chamma,
Não vou descobrir a India,
Deus esta viagem finde-a,
Pondo-me dentro da cama."
(Grandes gargalhadas)
(A mana)
De cantar tendo cubiça
D'esta fórma s'esganiça:
"Joven Lylia abandonada,
Por seu lindo ingrato amante,
solharia e delirante,
Passeava em seu jardim."
D. Francisca, contente,
Tambem canta de repente:
"Sentes além no retumbar
Da serra...
O som do bronze que nos causa
Horror?!
É mais um ente que voou...
Da terra!
Mais um poeta que morreu...
D'amor."
(O Alfredo)
Tambem em grande berrata,
Dá mil vivas á frescata,
E eis que começa a cantar,
Em estylo popular:
"Que seja á quarta,
Que seja á quinta,
Que se a á sexta,
0 mesmo é,
Que seja ao sabbado,
E ao domingo,
Ah! ah! ah! Trilolé!"
Ri muito o padre José!
E o que faltava alli só,
P'ra cabal... alamiré,
Era um bello sol-e-dó!
(1) Diário Illustrado, 13 de agosto de 1896
A coisa não valeu nada,
N'um instante s'enchugou,
Com a famosa golada.
Cacilhas, Caes e Pharol, ed.Tabacaria Havaneza, década de 1900. Imagem: Delcampe |
Rindo foi sentar-se á prôa,
Ao lado do seu Gambôa,
Pucha do fuzil... petisca;
Mas logo riam instantinho,
Surge o tenente Coutinho,
P'ra fiscalizar a isca.
Policia civil, Raphael Bordallo Pinheiro. Imagem: Bordallo Pinheiro |
Ao bote manda dois guardas,
De espadalhões e de fardas,
(D. Francisca)
Que vem fazer este bando?
Vimos ver o contrabando,
E d'essa isca acendida...
Será já da permittida.
Grita o Gambôa bufando;
"Aqui não ha contrabando,
Não vivi, nunca passando-o,
Não uso a falsa torcida!
Isto em mim não são cantigas,
O olho á vontade deite,
Aqui ninguem tem bexigas,
De agua ardente, nem de azeite.
Se a curiosidade alastra,
Por ordem de um tolo fino,
Metta o nariz na canastra,
Que traz restos do petisco."
(Grita o padre)
Digam lá ao sor Coutinho,
Que diz o padre José,
Que vai no "bote-olaré"!
Sem uma pinga de vinho,
A mana assaz escamada,
As pequenas e a cunhada,
E a môça, todas zangadas,
Não querem ser apalpadas.
Lugar de atracagem em Belém, A.P.D.G., Sketches of Portuguese life (...). Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal |
O Alfredo, alegre ri,
E pondo a mão na ilharga:
Esclama:—"Vamos d'aqui!
Larga! Larga! o bote larga!"
O Durão, vai pirá escôta
E junto ao padre e ao Gambôa,
Vai assentar-se na prôa,
A creada... (que marôta)!
Agora uma outra cousa,
Metta-se aqui de permeio:
Do Azevedo e do Sousa,
Do Rodrigues e do Feio,
Despediu-se a sociedade,
Com abraços de amisade.
Adeuses... suspiros... e ais,
E o bote larga do caes.
Catraio no Tejo, década de 1900. Canoa "Amor da Pátria" de Jerónimo Rodrigues Durão. Imagem: almaDalmada |
Sulcando o ameno rio
Canta o padre ao desafio.
"Saiba você seu Gambôa,
Que vou agora cantar,
E a Lisboa hei do chegar,
Com a cabeça já bôa.
Aqui, direito na prôa,
Igual ao Vasco da Gama,
Do amor patrio tenho a chamma,
Não vou descobrir a India,
Deus esta viagem finde-a,
Pondo-me dentro da cama."
Embarcação (canoa) Zinha, Costa da Caparica, passeio de barco, 1922. Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa |
(Grandes gargalhadas)
(A mana)
De cantar tendo cubiça
D'esta fórma s'esganiça:
"Joven Lylia abandonada,
Por seu lindo ingrato amante,
solharia e delirante,
Passeava em seu jardim."
D. Francisca, contente,
Tambem canta de repente:
"Sentes além no retumbar
Da serra...
O som do bronze que nos causa
Horror?!
É mais um ente que voou...
Da terra!
Mais um poeta que morreu...
D'amor."
(O Alfredo)
Tambem em grande berrata,
Dá mil vivas á frescata,
E eis que começa a cantar,
Em estylo popular:
"Que seja á quarta,
Que seja á quinta,
Que se a á sexta,
0 mesmo é,
Que seja ao sabbado,
E ao domingo,
Ah! ah! ah! Trilolé!"
Pontaleto de Cacilhas, José Artur Leitão Bárcia, 1905. |
Ri muito o padre José!
E o que faltava alli só,
P'ra cabal... alamiré,
Era um bello sol-e-dó!
(1) Diário Illustrado, 13 de agosto de 1896
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017
Grande passeio à Outra Banda (5 de 10)
A grande trote o ranchinho,
Ahi vem pelo caminho.
As gargalhadas, ferviam...
Cada menina gritava...
Dona Francisca, arrotava
E o padre cambaleava...
Quando o macho lhe zurziam,
E o mesmo tropeçava.
Esbarra o burro da mana,
Que se chamava: "O banana."
Logo muito espalhafato,
Cae! Fica o vestido sujo...
E perto do Caramujo,
Perdeu a velha um sapato!
Coitadita! Vinha assada,
Do albardão do jumento;
E em extremo empanturrada,
Do substancial alimento.
Trazia vermelho o béque,
Pelo vinho que bebeu,
Que ella achava muito bom,
E sobre tudo barato;
Perdendo álém do sapato,
Juntamente com o leque,
O immenso l'orgnon!
O Gamboa, a mana iguala,
Também perdeu a bengala.
Dona Francisca, essa um saco,
Mais o veu de tarlatana,
E o padre co'a carraspana,
Entornou todo o tabaco!
Saibam mais... aqui não fica,
A serie de variedades,
Das tristes fatalidades!...
A grande scena... a mais rica,
Perdão! primeiro isto importa,
A Cacilhas, tudo aporta,
A creada um tanto torta,
Fallava muito em amor,
Com as meninas da casa,
Os derriços pondo á rasa.
Todos gritam: "Ai! que horror!"
Porque havia um quarto de hora,
Que do caes se fora embora,
Já o ultimo vapor!
Eis se sente um vozeirão,
Sobre o caes a bom gritar,
N'um formidável berreiro;
Era o nosso catraeiro
O conhecido Durão,
Com pulmão que o ar atroa,
Que gritava,
E que berrava:
"O bote está a largar,
Quem quer ir para Lisboa!"
(As filhas)
Ai, em bote não papá,
Que me dá algum chilico...
O mar muito bravo está...
Eu cá com a tia fico.
(A mana)
De bote?! Jesus! que asneiras!
Eu tremo só de pensar,
Que havemos de atravessar,
As p'rigosas bailhadeiras!
O padre diz alegróte:
"Bote... bote... venha o bote.
Ou então uma falua...
Deus nos guia, á luz da Lua."
(D. Henriqueta)
Á luz da lua!... Que poesia!
E começa com entono,
Para a creada que ria...
Recitando:
"Era no outono,
Quando a imagem tua,
Á luz da lua,
Seductora vi!
Lembras-te ainda,
D'essa noite Elisa?
Que doce brisa,
Suspirava ali?!...
(O padre, gritando)
Isso fez o Bulhão Pato,
Que eu respeito p'lo seu trato,
P'lo seu brilhante talento!..
Q'reria vêr em S. Bento,
Uma cabeça tão rica...
Um sábio que eu prézo tanto,
Foi-se metter a um canto,
Do monte de Caparica!!!
Bom: resmungára um magote;
Mas tudo entrou para o bote:
E no tinteiro não fica,
A tal scena que foi rica!
Quando saltou para o bote,
O nosso padre José,
Q'rendo tirar o capote
Ao pular... falta-lhe um pé,
E bumba!—digo-o com magua,
Cahe, ficando ae pés n'agua!
Eia grita: "Meu Deus soccorro!
Quem me acode! Jesus! morro!
Valha-me o Céo, e S. Roque!"
Depressa deitam-lhe um cróque,
Para o bote trepa então;
E quando a salvo se acha,
Solta grande gargalhada,
Dizendo: "Venha a borracha,
Que isto quer uma golada."
E tudo foi abraçal-o,
E tudo felicital-o!...
(1) Diário Illustrado, 12 de agosto de 1896
Ahi vem pelo caminho.
O Tejo em frente do Caramujo, Revista Illustrada, fotografia de A. Lamarcão, gravura de A. Pedroso, 1892. Referencia: Toscano, Maria da Conceição da Costa Almeida, A fábrica de moagem do Caramujo património industrial Imagem: Fernandes, Samuel Roda, Fábrica de molienda António José Gomes |
As gargalhadas, ferviam...
Cada menina gritava...
Dona Francisca, arrotava
E o padre cambaleava...
Quando o macho lhe zurziam,
E o mesmo tropeçava.
Esbarra o burro da mana,
Que se chamava: "O banana."
Logo muito espalhafato,
Cae! Fica o vestido sujo...
E perto do Caramujo,
Perdeu a velha um sapato!
Cova da Piedade, Arnaldo Fonseca, 1890 Imagem: Boletim do Grémio Portuguez d’Amadores Photographicos |
Coitadita! Vinha assada,
Do albardão do jumento;
E em extremo empanturrada,
Do substancial alimento.
Trazia vermelho o béque,
Pelo vinho que bebeu,
Que ella achava muito bom,
E sobre tudo barato;
Perdendo álém do sapato,
Juntamente com o leque,
O immenso l'orgnon!
O Gamboa, a mana iguala,
Também perdeu a bengala.
Dona Francisca, essa um saco,
Mais o veu de tarlatana,
E o padre co'a carraspana,
Entornou todo o tabaco!
Saibam mais... aqui não fica,
A serie de variedades,
Das tristes fatalidades!...
A grande scena... a mais rica,
Perdão! primeiro isto importa,
A Cacilhas, tudo aporta,
A creada um tanto torta,
Fallava muito em amor,
Com as meninas da casa,
Os derriços pondo á rasa.
Todos gritam: "Ai! que horror!"
Porque havia um quarto de hora,
Que do caes se fora embora,
Já o ultimo vapor!
Vista tomada no porto de Cacilhas, face a Lisboa, Hubert Vaffier, 1889. Imagem: Bibliothèque nationale de France |
Eis se sente um vozeirão,
Sobre o caes a bom gritar,
N'um formidável berreiro;
Era o nosso catraeiro
O conhecido Durão,
Com pulmão que o ar atroa,
Que gritava,
E que berrava:
"O bote está a largar,
Quem quer ir para Lisboa!"
(As filhas)
Ai, em bote não papá,
Que me dá algum chilico...
O mar muito bravo está...
Eu cá com a tia fico.
(A mana)
De bote?! Jesus! que asneiras!
Eu tremo só de pensar,
Que havemos de atravessar,
As p'rigosas bailhadeiras!
Typos de Catraeiros, ed. Paulo Emílio Guedes & Saraiva, 23, década de 1900. Imagem: Delcampe |
O padre diz alegróte:
"Bote... bote... venha o bote.
Ou então uma falua...
Deus nos guia, á luz da Lua."
(D. Henriqueta)
Á luz da lua!... Que poesia!
E começa com entono,
Para a creada que ria...
Recitando:
"Era no outono,
Quando a imagem tua,
Á luz da lua,
Seductora vi!
Lembras-te ainda,
D'essa noite Elisa?
Que doce brisa,
Suspirava ali?!...
(O padre, gritando)
Isso fez o Bulhão Pato,
Que eu respeito p'lo seu trato,
P'lo seu brilhante talento!..
Q'reria vêr em S. Bento,
Uma cabeça tão rica...
Um sábio que eu prézo tanto,
Foi-se metter a um canto,
Do monte de Caparica!!!
Bulhão Pato, Rafael Bordalo Pinheiro, Album Glórias, 1902 Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal |
Bom: resmungára um magote;
Mas tudo entrou para o bote:
E no tinteiro não fica,
A tal scena que foi rica!
Quando saltou para o bote,
O nosso padre José,
Q'rendo tirar o capote
Ao pular... falta-lhe um pé,
E bumba!—digo-o com magua,
Cahe, ficando ae pés n'agua!
Eia grita: "Meu Deus soccorro!
Quem me acode! Jesus! morro!
Valha-me o Céo, e S. Roque!"
Depressa deitam-lhe um cróque,
Para o bote trepa então;
E quando a salvo se acha,
Solta grande gargalhada,
Dizendo: "Venha a borracha,
Que isto quer uma golada."
Lisboa, Vista tomada de Cacilhas, ed. Martins/Martins & Silva, 7124, década de 1900 Imagem: Delcampe |
E tudo foi abraçal-o,
E tudo felicital-o!...
(1) Diário Illustrado, 12 de agosto de 1896
terça-feira, 14 de fevereiro de 2017
Grande passeio à Outra Banda (4 de 10)
Ora chegados á quinta,
O prazer geral requinta.
Debaixo de alto pinheiro,
Todo o rancho prazenteiro,
Se sentou: e a condessa
Logo aberta foi depressa.
Tiraram pois as colheres,
Garfos, facas e palitos,
Riam-se immenso as mulheres...
Grande chuva de bons ditos,
Com retumbantes risadas...
As tres gallinhas assadas...
Alli logo devoradas...
Muita pilhéria e laracha...
Para lavar o estomago,
O nosso padre Luiz,
Todo galhofa... n'um triz...
Lá se atirou á borracha.
(Grita Gambôa)
"Isto é melhor do que em casa!
Viva a geral alegria!...
As alegrias eternas!"
E cada filha pedia...
Que lhe dessem uma ása,
Comendo o Alfredo as pernas.
Dona Francisca, o pescoço...
Outros o peito... um destroço!
E tudo ria animado...
E o Canastro era offertado,
Ao burriqueiro, e ao moço.
Ora a mana que já estava,
Com o Feio, de derriço,
Sem saber que era casado,
Toda delambida e bella,
Dá-lhe, sorrindo, a moella,
E uma roda chouriço.
N'esta jovial cantata,
Era tremenda a berrata,
E grande era o borburinho!
Todos de puc'ra na mão,
A gritarem: "Venha vinho!"
A creada rindo então,
Fazia ao padre gaifonas,
A comer as azeitonas,
E a carne assada com pão.
Gambôa fez um discurso,
Monumental, e d'escacha,
O padre com a borracha,
Não qu'ria passar por urso...
Já com a penca encarnada,
Era golada... e golada...
Dizendo: "Isto vai assim!"
E com a vista turvada,
Berrava já em latim,
Que nem na missa cantada!
Que belleza!... que belleza!...
Finda a boa sobremeza,
Saberão os meus leitores,
Que todos alli ficaram...
Tal e qual com os... "amores",
E lá riram, e dansaram.
Formou-se uma contradança,
Bem de pressa, ao pé do tanque,
Tocava a guitarra o Blanc,
o cavaquinho o Bragança.
A mana avançando o passo,
De alegria dá um grito,
E ao seu feio... tão bonito,
Trava depressa, o braço.
Nosso Azevedo expedito,
Que contentíssimo anda,
Põe o charuto de banda,
E dansa com Henriqueta,
Delambida e de luneta,
O nosso Rodrigues tira,
P'ra par "madama" Gambôa,
Que pela dansa suspira,
Na sociedade em Lisboa.
O quarto par é o Sousa,
Que a dar muita gargalhada,
Não se atirou a má coisa...
Pois se agarrou á creada.
Tudo dansa: tudo pula!
Tudo alli se vê a rir...
Só o Gambôa e o padre
Se deitaram a dormir:
Dizendo a rir a creada,
Para a sua querida ama:
"Deixal-os, minha senhora,
Aquella fructa quer cama."
Mas o raio do petiz...
(Os rapazes são uns alhos!)
Accorda o padre Luiz...
Acerta-lhe com dois bogalhos,
Mesmo em cheio no nariz!
Jámais é eterno o gosto!
Gamboa grita: "É sol posto,
Vamos, vamos, minhas filhas,
Que ainda é longe Cacilhas,
Toca a montar a cavallo."
Padre Luiz, logo fal-o;
Mas como estava zaré.
No mofino do estribo,
Quem diz que enfiava o pé?!
Foi preciso o burriqueiro,
Ao vêl-o assim tão borracho,
Pegar-lhe em pezo, e deital-o,
Bumba! p'ra cima do macho!
Eis grita o padre a cavallo:
"Vou alegre... vou... deixal-o!
Luduvicus, pater a pé...
Libera nos est dominé!
Arre! burros p'Azeitão,
Que os cazacas já lá vão!"
(1) Diário Illustrado, 11 de agosto de 1896
O prazer geral requinta.
Uma barraca de comes e bebes, J. Novaes Jr., c 1900. Imagem: Internet Archive |
Debaixo de alto pinheiro,
Todo o rancho prazenteiro,
Se sentou: e a condessa
Logo aberta foi depressa.
Grupos de arraial, J. Novaes Jr., c 1900. Imagem: Internet Archive |
Tiraram pois as colheres,
Garfos, facas e palitos,
Riam-se immenso as mulheres...
Grande chuva de bons ditos,
Com retumbantes risadas...
As tres gallinhas assadas...
Alli logo devoradas...
Muita pilhéria e laracha...
Para lavar o estomago,
O nosso padre Luiz,
Todo galhofa... n'um triz...
Lá se atirou á borracha.
O dia da espiga, J. Novaes Jr., c 1900. Imagem: Internet Archive |
(Grita Gambôa)
"Isto é melhor do que em casa!
Viva a geral alegria!...
As alegrias eternas!"
E cada filha pedia...
Que lhe dessem uma ása,
Comendo o Alfredo as pernas.
Dona Francisca, o pescoço...
Outros o peito... um destroço!
E tudo ria animado...
E o Canastro era offertado,
Ao burriqueiro, e ao moço.
Ora a mana que já estava,
Com o Feio, de derriço,
Sem saber que era casado,
Toda delambida e bella,
Dá-lhe, sorrindo, a moella,
E uma roda chouriço.
N'esta jovial cantata,
Era tremenda a berrata,
E grande era o borburinho!
Todos de puc'ra na mão,
A gritarem: "Venha vinho!"
A creada rindo então,
Fazia ao padre gaifonas,
A comer as azeitonas,
E a carne assada com pão.
Gambôa fez um discurso,
Monumental, e d'escacha,
O padre com a borracha,
Não qu'ria passar por urso...
Já com a penca encarnada,
Era golada... e golada...
Dizendo: "Isto vai assim!"
E com a vista turvada,
Berrava já em latim,
Que nem na missa cantada!
Nas hortas. À sombra de arvores, J. Novaes Jr., c 1900. Imagem: Internet Archive |
Que belleza!... que belleza!...
Finda a boa sobremeza,
Saberão os meus leitores,
Que todos alli ficaram...
Tal e qual com os... "amores",
E lá riram, e dansaram.
Formou-se uma contradança,
Bem de pressa, ao pé do tanque,
Tocava a guitarra o Blanc,
o cavaquinho o Bragança.
A mana avançando o passo,
De alegria dá um grito,
E ao seu feio... tão bonito,
Trava depressa, o braço.
Nosso Azevedo expedito,
Que contentíssimo anda,
Põe o charuto de banda,
E dansa com Henriqueta,
Delambida e de luneta,
O nosso Rodrigues tira,
P'ra par "madama" Gambôa,
Que pela dansa suspira,
Na sociedade em Lisboa.
O quarto par é o Sousa,
Que a dar muita gargalhada,
Não se atirou a má coisa...
Pois se agarrou á creada.
Tudo dansa: tudo pula!
Tudo alli se vê a rir...
Só o Gambôa e o padre
Se deitaram a dormir:
Dizendo a rir a creada,
Para a sua querida ama:
"Deixal-os, minha senhora,
Aquella fructa quer cama."
Nas hortas. Debaixo da parreira, J. Novaes Jr., c 1900. Imagem: Internet Archive |
Mas o raio do petiz...
(Os rapazes são uns alhos!)
Accorda o padre Luiz...
Acerta-lhe com dois bogalhos,
Mesmo em cheio no nariz!
Jámais é eterno o gosto!
Gamboa grita: "É sol posto,
Vamos, vamos, minhas filhas,
Que ainda é longe Cacilhas,
Toca a montar a cavallo."
Padre Luiz, logo fal-o;
Mas como estava zaré.
No mofino do estribo,
Quem diz que enfiava o pé?!
Foi preciso o burriqueiro,
Ao vêl-o assim tão borracho,
Pegar-lhe em pezo, e deital-o,
Bumba! p'ra cima do macho!
Nas hortas. À entrada da taberna, J. Novaes Jr., c 1900. Imagem: Internet Archive |
Eis grita o padre a cavallo:
"Vou alegre... vou... deixal-o!
Luduvicus, pater a pé...
Libera nos est dominé!
Arre! burros p'Azeitão,
Que os cazacas já lá vão!"
(1) Diário Illustrado, 11 de agosto de 1896
domingo, 12 de fevereiro de 2017
Grande passeio à Outra Banda (3 de 10)
Lá no castelo de Almada,
Fica a "troupe" embasbacada.
Viram a vista de fama,
Do esplendido panorama.
E o padre pondo-se a pé,
E abrindo o olho baço,
Gritava: "Lá está a Sé...
Mais o terreiro do Paço...
A Penha de França... o Monte...
A Graça ao lado... e defronte,
O zimborio da Estrella...
Ih! Jesus! que vista aquella!
Todos, todos... "ai, que encanto!"
O Gamboa, diz: "Oh! mana,
Olhe o forte de Monsanto,
Onde esteve o Gungunhana...
Que vista esta tão bella...
Lá está acolá... Palmella.
E ali assim... Belem...
Até se vêem os omnibus!
A egreja dos Jeronymos.
A Inglaterra não tem, jóias,
Nem a França nem a Suissa,
Uns panoramas eguaes,
De tão completa cubiça!
Olhem para todo este rio...
Que belezas naturaes! ...
Olha a torre do Bugio,
E a bahia de Cascaes!"
Notem que o rapaz dos burros,
Esta, pois que não esqueça,
Levava ás costas, no pau,
Enfiada uma condessa,
Com a petisqueira... mau!
Era o farnel: Carne assada,
Com batatas, estufada,
E tres gallinhas coradas,
Que é melhor não fallar n'isso,
C'o competente chouriço,
E pescadinhas marmotas,
D'estas de rabo na bocca;
Em quatro vidros, compotas,
Porém, fructa, muito pouca;
Porque dizia o Gambôa:
"Na Outra Banda ha á toa."
Segue o cyrio triumphal,
Para o "Joaquim dos Melões",
Pelo sitio dos Pombal,
Onde os nossos figurões
E o padre no seu macho,
Começam nas libações,
Copo cheio, copo a baixo.
O Gambôa com a pressa,
De saltar do albardão,
Cai, e bate co'a cabeça,
Logo ali no meio do chão!
O rapaz, p'ra lhe acudir,
Por bregeiro e maganão,
Deixa cahir a condessa,
Ao pé do caramachão,
E tudo desata a rir
Na maior animação.
Logo aquella boa gente,
Lá do "Joaquim dos Melões",
Excellentes creaturas,
Que são todas attenções,
E deff'rências as mais puras,
Que eu amo sinceramente,
Logo todos mui afflictos,
Acudiram ao Gambôa,
Chapinhando-lhe a cabeça,
Com agua-ardente bem boa.
Limpa-lhe o padre a poeira,
E diz com sua voz fina:
"Deixe provar a piteira,
Sôra Dona Carolina,
Eu também soffri abalo...
E ella cheira... cheira... cheira...
Cheira que é mesmo um regalo!"
Não faço d'isto segredo,
Em Cacilhas agregou-se,
A este rancho decantado,
O senhor Julio Azevedo,
Um cavalheiro estimado,
De bondade todo cheio,
Em companhia também,
Do illustre senhor Feio
Um puro homem de bem.
Iam os dois na charrétte
A trote na egua baia,
Com o Sousa e o Rodrigues,
Para a quinta d'Atalaya.
Mas como era o Gambôa,
Amigo d'este quartetto.
Lá foram todos na pandega,
No cyrio q'rido e selecto.
Pouco mais de meia hora,
Com grande jovialidade,
Tudo foi da Piedade,
Até ao logar d'Amora:
E tudo na melhor ordem,
Sem ninguém dar uma raia,
Abancou rindo e folgando,
Lá na quinta d'Atalaya. (1)
(1) Diário Illustrado, 10 de agosto de 1896
Fica a "troupe" embasbacada.
Almada, Uma das muralhas do castelo, Paulo Emílio Guedes & Saraiva, 06, década de 1900. Imagem: Delcampe |
Viram a vista de fama,
Do esplendido panorama.
E o padre pondo-se a pé,
E abrindo o olho baço,
Gritava: "Lá está a Sé...
Mais o terreiro do Paço...
A Penha de França... o Monte...
A Graça ao lado... e defronte,
O zimborio da Estrella...
Ih! Jesus! que vista aquella!
Todos, todos... "ai, que encanto!"
O Gamboa, diz: "Oh! mana,
Olhe o forte de Monsanto,
Onde esteve o Gungunhana...
Que vista esta tão bella...
Lá está acolá... Palmella.
E ali assim... Belem...
Até se vêem os omnibus!
A egreja dos Jeronymos.
Lisboa, Panorama do Rio Tejo, Alberto Malva, 14, c. 1900. Imagem: Delcampe |
A Inglaterra não tem, jóias,
Nem a França nem a Suissa,
Uns panoramas eguaes,
De tão completa cubiça!
Olhem para todo este rio...
Que belezas naturaes! ...
Olha a torre do Bugio,
E a bahia de Cascaes!"
Notem que o rapaz dos burros,
Esta, pois que não esqueça,
Levava ás costas, no pau,
Enfiada uma condessa,
Com a petisqueira... mau!
Era o farnel: Carne assada,
Com batatas, estufada,
E tres gallinhas coradas,
Que é melhor não fallar n'isso,
C'o competente chouriço,
E pescadinhas marmotas,
D'estas de rabo na bocca;
Em quatro vidros, compotas,
Porém, fructa, muito pouca;
Porque dizia o Gambôa:
"Na Outra Banda ha á toa."
Chafariz do Pombal, Almada, ed. desc., década de 1900. Imagem: Delcampe |
Segue o cyrio triumphal,
Para o "Joaquim dos Melões",
Pelo sitio dos Pombal,
Onde os nossos figurões
E o padre no seu macho,
Começam nas libações,
Copo cheio, copo a baixo.
O Gambôa com a pressa,
De saltar do albardão,
Cai, e bate co'a cabeça,
Logo ali no meio do chão!
O rapaz, p'ra lhe acudir,
Por bregeiro e maganão,
Deixa cahir a condessa,
Ao pé do caramachão,
E tudo desata a rir
Na maior animação.
Logo aquella boa gente,
Lá do "Joaquim dos Melões",
Excellentes creaturas,
Que são todas attenções,
E deff'rências as mais puras,
Que eu amo sinceramente,
Logo todos mui afflictos,
Acudiram ao Gambôa,
Chapinhando-lhe a cabeça,
Com agua-ardente bem boa.
No Lazareto de Lisboa, Joaquim dos Melões, Rafael Bordalo Pinheiro, 1881. Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal |
Limpa-lhe o padre a poeira,
E diz com sua voz fina:
"Deixe provar a piteira,
Sôra Dona Carolina,
Eu também soffri abalo...
E ella cheira... cheira... cheira...
Cheira que é mesmo um regalo!"
Não faço d'isto segredo,
Em Cacilhas agregou-se,
A este rancho decantado,
O senhor Julio Azevedo,
Um cavalheiro estimado,
De bondade todo cheio,
Em companhia também,
Do illustre senhor Feio
Um puro homem de bem.
A Caminho do Pic Nic... Imagem: Delcampe |
Iam os dois na charrétte
A trote na egua baia,
Com o Sousa e o Rodrigues,
Para a quinta d'Atalaya.
Mas como era o Gambôa,
Amigo d'este quartetto.
Lá foram todos na pandega,
No cyrio q'rido e selecto.
Amora Avenida Marginal Lado Sul Manuel Henriques Jr 01.jpg Imagem: Delcampe |
Pouco mais de meia hora,
Com grande jovialidade,
Tudo foi da Piedade,
Até ao logar d'Amora:
E tudo na melhor ordem,
Sem ninguém dar uma raia,
Abancou rindo e folgando,
Lá na quinta d'Atalaya. (1)
(1) Diário Illustrado, 10 de agosto de 1896
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017
Grande passeio à Outra Banda (2 de 10)
Aporta ao Caes de Cacilhas,
O barco com esta carga,
Riam de mãos na ilharga,
Loucamente ambas as filhas.
Um batalhão de cocheiros,
E um rancho de burriqueiros,
A gritar aos empurrões,
Começam: "Patrões! patrões!
Cá está o bello caleche,
Do José d'Alcabideche,
Com cavallos alazões."
Os homens, então dos burros,
Uns nos outros davam murros,
Lá a gritarem aos centos,
Dizendo muita gracinha,
Como o Domingos Graxinha;
"Cá estão os bellos jimentos,
Só de uma cana, pimpões,
Para a bella sociedaae,
Ir n'um rufo á Piedade,
Para o Jaquim dos Malões!"
E mal que desembarcaram,
Todos logo os agarraram,
Pucha daqui e dali,
O padre Luiz não ri,
Pois pizou-lhe o melhor calo,
Um burriqueiro borracho,
Que o q'ria pôr a cavallo,
Em cima de um grande macho.
O Gambôa com calor, Grita:
"Isto não se atura!
Uma vergonha! um horror!"
Dando uma descompostura
Em toda aquella imperícia,
Apostrophando a policia,
E senhor administrador!
No meio pois d'estas scenas...
De muita coisa arengada,
Resolveram as pequenas,
Ir tudo de burricada.
Olha vai tu Henriqueta...
Vai aqui n'esta burrinha,
Que tem optima cadeirinha,
Toda chic... de muleta.
Gritava o Gambôa então:
"Eu quero um burro valente
Bem valente é que se quer,
Aqui p'rá minha mulher,
Porque é senhora doente.
E para a mana, um burrão,
Que não tenha joelheiras,
Que ellas não sao cavalleiras.
Patrão! patrão! Ó patrão!
Vai aqui no meu "Cigano"
O raio d'este garrano,
Neja d'ir ao meio do chão,
Se o sabem levar na mão...
Isto é uma labareda!
Melhor que o melhor cavallo!
É n'este que o sôr Zagalo
Vai á quinta da Sobreda.
O padre... (que graça eu acho)!
Lá se agarrou sempre ao macho.
No meio dos seus decoros,
Solta um furioso berro,
E começa a gritar: "Mau!"
Por ter o selim, nos loros,
Um velho estribo de ferro,
E outro grande pau!
O pequeno saltou logo,
P'ra cima do Papa Moscas,
E no burro... bumba!... fogo!...
Valentes calcanheiradas,
Com as esporas de rôscas,
N'um ferrageiro compradas,
Com sanguinários intentos.
Para o moço dos jumentos,
Grita o Gambôa: "Rapaz!
Não te ponhas com espantos,
Onde ha vinho aqui capaz?"
É no Francisco dos Santos,
E na Fonte d'Alegria,
E também o ha no Ayres,
Mesmo um vinhão! que fatia!
Grita o padre que par'cia,
Mesmo a cavallo um macaco:
"Quem tem vinho de rachar,
É acolá o Marráco;
Parece até Malvaria!
Ou até o do Ginjal,
Um vinho monumental!
Do paço do Lumiar,
D'ir a cabeça pl'o ar...
Valente como um velhaco,
Que o conde vende a pataco!"
Domingo quatro petizes,
Foram lá. Oh que felizes!
E beberam meio litro
Dizendo agora os vereis:
"Foi-se um vintém... acabou-se!
Mas a gente consolo-se,
Cada um por conco réis!"
Compremos lá tres borrachas,
Já que o vinho está na berra,
Vamos á loja do Serra,
Que tem bolos e bolachas.
Um burriqueiro casmurro,
Chamado: o "José das Postas",
Senta depressa n'um burro,
Dona Francisca, que grita,
Toda corada e afflicta,
Quasi dando-lhe nm desmaio:
"Filho! filho! minha filha!
Apertem-me bem a cilha...
A albarda joga e eu caio!"
Confuzo o Gambôa, então
Diz á esposa: "Cautella!
Que o diacho da barbella,
É um cordel de pião!"
Isto aqui é um deleite,
Um dia passa-se a rir,
P'rá semana havemos vir,
Ver a quinta do Alfeite,
Que tem mil, antiguidades,
Peço nas Necessidades,
Ao commendador Ignacio,
Que é como eu um vegete,
O obsequio de um bilhete,
Para vermos o palacio,
A mana foi n'um sendeiro,
De amarella e azul albarda,
Que par'cia um conselheiro,
Exactamente de farda.
E aqui parte o rancho bello,
Na famosa burricada,
Pela calçada de Almada,
Em direcção ao Castello. (1)
(1) Diário Illustrado, 9 de agosto de 1896
O barco com esta carga,
Riam de mãos na ilharga,
Loucamente ambas as filhas.
Barco a vapor a atracar em Cacilhas. Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa |
Um batalhão de cocheiros,
E um rancho de burriqueiros,
A gritar aos empurrões,
Começam: "Patrões! patrões!
Cá está o bello caleche,
Do José d'Alcabideche,
Com cavallos alazões."
Almada, Pharol de Cacilhas, Paulo Emílio Guedes & Saraiva, 03, década de 1900. Imagem: Fundação Portimagem |
Os homens, então dos burros,
Uns nos outros davam murros,
Lá a gritarem aos centos,
Dizendo muita gracinha,
Como o Domingos Graxinha;
"Cá estão os bellos jimentos,
Só de uma cana, pimpões,
Para a bella sociedaae,
Ir n'um rufo á Piedade,
Para o Jaquim dos Malões!"
E mal que desembarcaram,
Todos logo os agarraram,
Pucha daqui e dali,
O padre Luiz não ri,
Pois pizou-lhe o melhor calo,
Um burriqueiro borracho,
Que o q'ria pôr a cavallo,
Em cima de um grande macho.
O Gambôa com calor, Grita:
"Isto não se atura!
Uma vergonha! um horror!"
Dando uma descompostura
Em toda aquella imperícia,
Apostrophando a policia,
E senhor administrador!
O janota de chapeu alto, Raphael Bordallo Pinheiro. Imagem: Bordallo Pinheiro |
No meio pois d'estas scenas...
De muita coisa arengada,
Resolveram as pequenas,
Ir tudo de burricada.
Olha vai tu Henriqueta...
Vai aqui n'esta burrinha,
Que tem optima cadeirinha,
Toda chic... de muleta.
Gritava o Gambôa então:
"Eu quero um burro valente
Bem valente é que se quer,
Aqui p'rá minha mulher,
Porque é senhora doente.
E para a mana, um burrão,
Que não tenha joelheiras,
Que ellas não sao cavalleiras.
Patrão! patrão! Ó patrão!
Vai aqui no meu "Cigano"
O raio d'este garrano,
Neja d'ir ao meio do chão,
Se o sabem levar na mão...
O saloio com alforges, Raphael Bordallo Pinheiro. Imagem: Bordallo Pinheiro |
Isto é uma labareda!
Melhor que o melhor cavallo!
É n'este que o sôr Zagalo
Vai á quinta da Sobreda.
O padre... (que graça eu acho)!
Lá se agarrou sempre ao macho.
No meio dos seus decoros,
Solta um furioso berro,
E começa a gritar: "Mau!"
Por ter o selim, nos loros,
Um velho estribo de ferro,
E outro grande pau!
O pequeno saltou logo,
P'ra cima do Papa Moscas,
E no burro... bumba!... fogo!...
Valentes calcanheiradas,
Com as esporas de rôscas,
N'um ferrageiro compradas,
Com sanguinários intentos.
Para o moço dos jumentos,
Grita o Gambôa: "Rapaz!
Não te ponhas com espantos,
Onde ha vinho aqui capaz?"
É no Francisco dos Santos,
E na Fonte d'Alegria,
E também o ha no Ayres,
Mesmo um vinhão! que fatia!
Rua Direita — Cacilhas, ed. desc., década de 1900 Imagem: Delcampe, Oliveira |
Grita o padre que par'cia,
Mesmo a cavallo um macaco:
"Quem tem vinho de rachar,
É acolá o Marráco;
Parece até Malvaria!
Ou até o do Ginjal,
Um vinho monumental!
Do paço do Lumiar,
D'ir a cabeça pl'o ar...
Valente como um velhaco,
Que o conde vende a pataco!"
Domingo quatro petizes,
Foram lá. Oh que felizes!
E beberam meio litro
Dizendo agora os vereis:
"Foi-se um vintém... acabou-se!
Mas a gente consolo-se,
Cada um por conco réis!"
Compremos lá tres borrachas,
Já que o vinho está na berra,
Vamos á loja do Serra,
Que tem bolos e bolachas.
Um burriqueiro casmurro,
Chamado: o "José das Postas",
Senta depressa n'um burro,
Dona Francisca, que grita,
Toda corada e afflicta,
Quasi dando-lhe nm desmaio:
"Filho! filho! minha filha!
Apertem-me bem a cilha...
A albarda joga e eu caio!"
Confuzo o Gambôa, então
Diz á esposa: "Cautella!
Que o diacho da barbella,
É um cordel de pião!"
Isto aqui é um deleite,
Um dia passa-se a rir,
P'rá semana havemos vir,
Ver a quinta do Alfeite,
Que tem mil, antiguidades,
Peço nas Necessidades,
Ao commendador Ignacio,
Que é como eu um vegete,
O obsequio de um bilhete,
Para vermos o palacio,
A mana foi n'um sendeiro,
De amarella e azul albarda,
Que par'cia um conselheiro,
Exactamente de farda.
Almada, Largo do Poço em Cacilhas, Paulo Emílio Guedes & Saraiva, 03, década de 1900. Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa |
E aqui parte o rancho bello,
Na famosa burricada,
Pela calçada de Almada,
Em direcção ao Castello. (1)
(1) Diário Illustrado, 9 de agosto de 1896
terça-feira, 7 de fevereiro de 2017
Grande passeio à Outra Banda (1 de 10)
Muita gente com certeza,
Por ahi assim eu vejo.
Sem ir gosar a belleza
Da Outra Banda do Tejo.
D'aquella margem tão linda,
Que ha de vir a ser ainda,
Uma segunda cidade,
Esplendida, alli defronte,
Quando a decantada ponte
Fôr uma realidade.
Pois eu aconselho a todos,
Que aos domingos, dias santos,
E mesmo nos de semana;
Vão em bella caravana,
Risonhos, de alegres modos,
Vêr os formosos encantos,
A seducção tão fallada,
As bonitas maravilhas
Da velha villa de Almada,
E do logar de Cacilhas.
Ainda na quinta feira,
Aqui lhes garanto agora,
Foi um grande rancho á Amora,
Com variada petisqueira.
As pessoas d'esta pandega,
Tão fraternal e tao boa,
Compunham-se do: Gambôa,
Velho continuo da alfandega.
A mulher: D. Francisca.
As filhas: uma que é pisca,
Outra esperta sardanisca,
Chamada D. Henriqueta.
Uma velhota jarreta,
Que é a mana do Gamboa,
Que sempre que embarca enjoa.
O Alfredo, rapazelho,
Ainda mesmo um fedelho,
Filho de D. Francisca.
E uma peça de uma bisca,
Com amanteticas baldas,
Que veio ama das Caldas,
E hoje está por creada.
Também ia convidado,
E todo alegre no rancho,
O reverendo José Luiz,
Gordo, de occulos no nariz,
Estomago empanturrado,
Seu collete acertoado,
E relogio com corrente
De prata, de bello toque,
Uma figa por berloque,
Tudo isto reluzente,
Cara cheia, muito terna,
Que come em qualquer funcção,
Até um boi p'r'uma perna,
Se elle o bispa, e se lh'o dão.
O bello cyrio notorio
D'este bom familiorio,
Conjuncto de maravilhas,
Embarca pois p'ra Cacilhas,
N'um vapor do sór Burnay,
Além no Caes do Sodré!
A mana, diz ao Gambôa,
Que estava fallando ao Mattos,
"Comprem bilhetes da proa,
Porque custam mais baratos,
E grande a differença é,
Escusamos ir na Ré."
Vai depois com grande passo,
E bordados de matiz,
Deu depressa logo o braço,
Ao padre José Luiz;
Mas quando ia toda ancha;
A olhar p'ra uns maraus,
Eis tropeça em dois degraus,
Cahe! catrapuz! Sobre a prancha,
Gritam todos: «Oh! diacho!»
O Alfredo, ri a bom rir
Polo padre também ir,
Quasi pela escada abaixo.
Oh, mana! diga-me, oh, mana,
Grita o Gambôa...
(que abalo, lhe causou o trambulhão),
"Você fez na testa um galo,
Do tamanho de um capão!
E o nosso padre Luiz,
Não se afogou por um triz!"
Aqui n'esta situação,
O malcreado petiz
Ria como um toleirão.
Sulcando o formoso Tejo,
O vapor Pescador vejo,
E as ondas a uma e uma,
Em ancias brotam das rodas,
Levantando nivea espuma,
Graciosamente todas. (1)
(1) Diário Illustrado, 8 de agosto de 1896
Por ahi assim eu vejo.
Sem ir gosar a belleza
Da Outra Banda do Tejo.
D'aquella margem tão linda,
Que ha de vir a ser ainda,
Uma segunda cidade,
Esplendida, alli defronte,
Quando a decantada ponte
Fôr uma realidade.
Lisboa, Estação Sul e Sueste, Alberto Sousa (1880-1961), 1910. Imagem: Museu de Arte Contemporânea |
Pois eu aconselho a todos,
Que aos domingos, dias santos,
E mesmo nos de semana;
Vão em bella caravana,
Risonhos, de alegres modos,
Vêr os formosos encantos,
A seducção tão fallada,
As bonitas maravilhas
Da velha villa de Almada,
E do logar de Cacilhas.
Cacilhas, aguarela de Alberto Sousa (1880-1961), 1914. Imagem: Boletim "O Pharol" |
Ainda na quinta feira,
Aqui lhes garanto agora,
Foi um grande rancho á Amora,
Com variada petisqueira.
As pessoas d'esta pandega,
Tão fraternal e tao boa,
Compunham-se do: Gambôa,
Velho continuo da alfandega.
A mulher: D. Francisca.
As filhas: uma que é pisca,
Outra esperta sardanisca,
Chamada D. Henriqueta.
Uma velhota jarreta,
Que é a mana do Gamboa,
Que sempre que embarca enjoa.
O Alfredo, rapazelho,
Ainda mesmo um fedelho,
Filho de D. Francisca.
E uma peça de uma bisca,
Com amanteticas baldas,
Que veio ama das Caldas,
E hoje está por creada.
A ama das Caldas, Raphael Bordallo Pinheiro. Imagem: Bordallo Pinheiro |
Também ia convidado,
E todo alegre no rancho,
O reverendo José Luiz,
Gordo, de occulos no nariz,
Estomago empanturrado,
Seu collete acertoado,
E relogio com corrente
De prata, de bello toque,
Uma figa por berloque,
Tudo isto reluzente,
Cara cheia, muito terna,
Que come em qualquer funcção,
Até um boi p'r'uma perna,
Se elle o bispa, e se lh'o dão.
O padre, Raphael Bordallo Pinheiro. Imagem: Bordallo Pinheiro |
O bello cyrio notorio
D'este bom familiorio,
Conjuncto de maravilhas,
Embarca pois p'ra Cacilhas,
N'um vapor do sór Burnay,
Além no Caes do Sodré!
A mana, diz ao Gambôa,
Que estava fallando ao Mattos,
"Comprem bilhetes da proa,
Porque custam mais baratos,
E grande a differença é,
Escusamos ir na Ré."
Vai depois com grande passo,
E bordados de matiz,
Deu depressa logo o braço,
Ao padre José Luiz;
Mas quando ia toda ancha;
A olhar p'ra uns maraus,
Eis tropeça em dois degraus,
Cahe! catrapuz! Sobre a prancha,
Gritam todos: «Oh! diacho!»
O Alfredo, ri a bom rir
Polo padre também ir,
Quasi pela escada abaixo.
Oh, mana! diga-me, oh, mana,
Grita o Gambôa...
(que abalo, lhe causou o trambulhão),
"Você fez na testa um galo,
Do tamanho de um capão!
E o nosso padre Luiz,
Não se afogou por um triz!"
Vapor Frederico Guilherme, c. 1900. Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa |
Aqui n'esta situação,
O malcreado petiz
Ria como um toleirão.
Sulcando o formoso Tejo,
O vapor Pescador vejo,
E as ondas a uma e uma,
Em ancias brotam das rodas,
Levantando nivea espuma,
Graciosamente todas. (1)
(1) Diário Illustrado, 8 de agosto de 1896