quinta-feira, 25 de março de 2021

Canhoneira Chaimite em construção

Na tarde luminosa e azul de domingo, após a entrega ao Estado do esbelto Adamastor, em o claro Tejo, sulcado ainda de mil embarcações em festa; bandeiras vibrando na porcelana do ar, a alegria dos hymnos, o clamor enthusiastico de milhares de vivas, realisou-se a visita aos estaleiros dos srs. Parry & Sons, no Ginjal, onde está a construir a canhoneira Chaimite, que, apenas prompta será pela Commissão de Subscripção Nacional entregue ao Estado, como o foram as duas lanchas d'aço e ferro, Diogo Cão e Pedro Annaya, por egual sahidas d'este magnifico estabelecimento que muito honra a industria nacional.

Medalhão da fundição do hélice da canhoeira Chaimite em 1897
Museu de Marinha

O Branco e Negro publica alguns aspectos desta ceremonia, bem como da canhoneira, que é destinada á policia e fiscalisação na costa de Moçambique, e, sobretudo, a estabelecer communicações entre as esquadrilhas do serviço fluvial e as capitaes dos districtos de Lourenço Marques e da Zambezia.

As dimensões da canhoneira são as seguintes: comprimento entre as perpendiculares, 40m,84; bocca extrema, 8 metros; pontal do porão, 3m,15 ; immersor á ré, 2 metros. A velocidade é de 11 nós por hora.

O material empregado na construcção é o aço da melhor qualidade. O casco é dividido em compartimentos estanques por meio de anteparos solidamente construidos.

O tombadilho e castello são de fórma abahulada (tartle back). Nos paioes póde receber mantimentos para 20 praças durante 60 dias, aguada para 40 dias e combustivel para 12. Em dois paioes independentes póde transportar 25 tonelladas de carga.

A canhoneira é construida segundo os ultimos planos de construcção naval, em navios da sua categoria.

Oficiais da antiga canhoneira Chaimite que operou em Moçambique em 1915
Museu de Marinha

Avante terá um solido gaviete e um aparelho para fundear boias, movido pelo cabrestante a vapor, para serviço de balisagem dos portos. No alojamento á ré, além dos camarotes para o commandante, immediato e machinista, tem um camarote com dois beliches e sophás na camara.

Em tempo de guerra póde servir com grande vantagem como auxiliar das esquadrilhas fluviaes.

O armamento do navio é composto de duas peças de tiro rapido Hotchkiss de 47 millimetros, com escudo de protecção, montadas em reductos centraes, que em occasião de combate são fechados por chapas de abrigo, e de duas metralhadoras de Nordenfeldt de 11 millimetros, installadas no convez, mas que, em caso de necessidade, podem ser transportadas para os cestos de gavea dos mastros.

Tem dois jogos de machinas de alta e baixa pressão, de cylindros invertidos, de acção directa, verticaes, com condensador de superficie e dois helices, tendo uma caldeira multibular e sendo o condensador commum ás duas machinas. A força é de 480 cavallos. Cada jogo de machinas é constituido para trabalhar independente.

Canhoneira Chaimite na Ilustração Portugueza n° 539, 19 de junho de 1916
(note-se a bandeira republicana redesenhada na imagem)
Hemeroteca Digital

O seu deslocamento é de 340 toneladas e a velocidade de e 11 nós por hora. (1)


(1) Branco e Negro n° 73, 22 de agosto de 1897

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Canhoneira Chaimite aumentada ao efectivo
H. Parry & Son, estaleiro no Ginjal
H. Parry & Son, estaleiro em Cacilhas

Canhoneira Chaimite aumentada ao efectivo

Construída nos Estaleiros “Parry & Son”, em Cacilhas, a canhoneira Chaimite foi aumentada ao efetivo dos navios da Armada no dia 15 de novembro de 1898. Foi o primeiro navio de aço da Marinha Portuguesa construído em Portugal, através dos planos elaborados sob direção do Comandante Eugénio Andrea.

Lançamento à água da canhoneira Chaimite no estaleiro de Parry & Son em 3 de Agosto de 1898.
Museu de Marinha

O surgimento do Ultimato Britânico em 1890 levou a que fosse necessário garantir uma Marinha capaz de proteger os interesses de Portugal em terra e no mar. Com a assinatura da Grande Subscrição Nacional no mesmo ano, foi possível, através das verbas reunidas, adquirir parcialmente a canhoneira Chaimite e o cruzador Adamastor.

H. Parry & Son.
Restos de Colecção

Em janeiro de 1889 a Canhoneira Chaimite partiu rumo à província ultramarina de Moçambique onde chegou a 20 de abril. A sua atividade operacional iniciou-se quando serviu a Esquadrilha do Zambeze até agosto de 1900 e, após esse empenhamento, participou na missão de levantamento hidrográfico nas baías do Mossuril e de Lourenço Marques, na missão de balizagem do Chinde e Quelimane, e ainda esteve envolvida na repressão à escravatura na área de Angoche, em paralelo com outras operações militares na costa moçambicana.

Em 1915, durante os confrontos em África, serviu de apoio ao cruzador Adamastor nas operações do Rovuma, rio que separa Moçambique, antiga colónia portuguesa, da Tanzânia, antiga colónia alemã.


A canhoneira Chaimite marcou um avanço, não só na construção naval portuguesa, mas igualmente na introdução de novas tecnologias a bordo, com destaque para o gerador elétrico, para iluminação e alimentação de um projetor. A 20 de maio de 1920 foi abatida ao efetivo dos navios da Armada. (1)


(1) Comissão Cultural de Marinha

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H. Parry & Son, estaleiro no Ginjal
H. Parry & Son, estaleiro em Cacilhas

terça-feira, 2 de março de 2021

Almaraz e Cacilhas, vestígios arqueológicos de actividades portuárias

Vista parcial, do lado direito, da colina do Almaraz, Almada, voltada para o estuário do Tejo...
João Cardoso, A Baixa Estremadura dos Finais do IV Milénio A. C. ... 2004

Almada

Posição geográfica: Margem esquerda do Tejo, na parte vestibular do estuário.
Coordenadas geográficas: N. 38 ° 41’ W. 9 ° 09’
Localização: Morro sobranceiro ao Tejo
Contexto geomorfológico: Insere-se no Esquema 2 de N. Flemming apresentado no II Capítulo e na Fig.13. Observou-se continuidade na posição de litoralidade.


Maria Luísa Blot, Os portos na origem dos centros urbanos...

Fontes antigas: São abundantes as referências ao ouro extraído das areias do Tejo emautores antigos tais como os poetas Catulo (XXIX, 20), Juvenal (III, 54-55), Silicio Italico (Punicorum, XVI, 560), Lucano (Pharsalia, VII, 755). Relativamente a época posterior, lembramos a conhecida relação entre o topónimo árabe Al-madan com o significadode "a Mina" e a tradição ligada à exploração de ouro no Tejo (Cardoso, 1995, p. 53).
Fontes cartográficas: João Teixeira (1648) — Descripção dos Portos Marítimos do Reino de Portugal, reproduzido em Cortesão e Mota (1987, vol. IV, Estampa 510 A).

Vestígios arqueológicos e actividades portuárias

Almaraz:

O esporão rochoso de Almaraz tem fornecido documentos arqueológicos que confirmam o povoamento do local durante a Idade do Bronze e a Idade do Ferro.

No caso do povoado de Almaraz datável da Idade do Ferro, registaram-se testemunhos de importações directas de produtos de fabrico mediterrânico, com origem no Mediterrâneo Oriental e datáveis do século VII a.C. (Cardoso, 1995, p. 47).

Essas importações de formas e técnicas poderão ter produzido fenómenos de aculturação como certas produções cerâmicas locais deinspiração oriental parecem sugerir a J. L. Cardoso (1995, p. 49).

Entre os artefactos de importação presentes em Almaraz figuram as cerâmicas de verniz vermelho, ânforas fenícias, pithoi decorados com bandas pintadas e cerâmicas cinzentas (Cardoso, 1995).

Cacilhas:

O achado subaquático, durante operações de dragagens fluviais, de umaespada pistiliforme datável do Bronze Final e a relação desse artefacto com “um comércio trans-regional, atlântico-mediterrânico”surgem em paralelo com uma eventual interpretação como objecto votivo relacionável com um ritual dedicado a divindades aquáticas (Cardoso,1995, p. 42).

As escavações na parte ribeirinha de Cacilhas levadas a cabo por Luís de Barros puseram a descoberto uma estrutura em pedra interpretável como um cais com evidências de contacto prolongado com a água, e associada a materiais pré-romanos (séculosVII-VI a.C.)18 e a tanques de salga.

É igualmente no sopé do esporão de Almaraz que continuou a fazer-se a travessia do Tejo em época romana, verificando-se continuidade nesta utilização desse ponto até à actualidade (Alarcão, 1992b, apud Cardoso, 1995, p. 45).

Cacilhas apresenta um complexo industrial de salga de peixe da época romana(século I a.C. — meados do século I d.C.).

A área das cetariae revelou sete níveis de ocupação, incluindo uma reutilização durante a época islâmica e registando-se ocupações posteriores relacionadas com a expansão urbana de Cacilhas (século XVI-século XIX) (Barros, 1982). Cerâmicas de importação: sigillata itálica e sud-gálica, cerâmica de paredes finas (Cardoso, 1995).

Utilização do litoral

A ocupação do morro de Almaraz denuncia contactos antigos com rotas marítimas longínquas através de um ponto de contacto com a navegação situado na área actualmente correspondente a Cacilhas. Terão operado em conjunto, constituindo um pólo de difusão e de escoamento quer de sal, quer de produtos mineiros, além de produtos agrícolas e agro-pecuários.

Almada insere-se num contexto geográfico especialmente privilegiado pela presença do estuário do Tejo na sua parte mais propícia à instalação de indústrias directamenterelacionadas com o meio marinho: salicultura, unidades fabris de transformação de pescadoe olarias com produção de contentores destinados aos preparados piscícolas durante a época romana.

Almada aparece referida em 1640 como uma vila:

"A la otra parte de Lisboa, distancia de una legua que la anchura do Tajo occupa, yaze la villa de Almada, comarca de Setubal, en lugar alto con 450 vezinos, 2 Parroquias y un convento de frayles" (Biblioteca Nacionalde Paris, Manuscrits espagnols, códice 324, fol. 31, apud Serrão, 1994, p. 198). (1)


O foral de Lisboa de 1179 e o foral de Almada de 1190, que privilegiam as tripulações das embarcações com foros de cavaleiros, são documentos reveladores da importância que, já naprimeira dinastia, era atribuída ao porto de Lisboa, embora a primeira referência explícita ao"porto de Lisboa" só tenha ocorrido em 1305, na época de D. Dinis.

No século XIV, a descrição que Fernão Lopes faz deste porto, embora aparentemente anterior a instalações portuárias construídas, e de relevo, não deixa dúvidas acerca da capacidade navegável da parte vestibulardo estuário do Tejo:

"carregavam de Sacavem e ponta de Montijo, sessenta a setenta navios de cadalogar, carregando sal e vinhos"(Fernão Lopes, apud Ramos, 1994, p. 724), embora, por ausência de cais adequados, fosse natural que se recorresse aos ancestrais serviços de embarcaçõesde transbordo, pois "por a gramde espessura de mujtos navios que assi jaziam ante a cidade, como dizemos, hiam ante as barcas Dalmadaa aportar a Santos, que he hum gramde espaço da çidade,nom podemdo marear perantrelles” (Fernão Lopes, apudRamos, 1994, p. 724). (2)


(1) Maria Luísa Blot, Os portos na origem dos centros urbanos...
(2) Idem


Mais informação:
Ana Olaio, O povoado da Quinta do Almaraz... 2018
João Cardoso, A Baixa Estremadura dos Finais do IV Milénio A. C. até à Chegada dos Romanos: um Ensaio de História Regional... 2004
Luis Barros, João Cardoso, Fenícios na margem sul do Tejo... 1993
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