sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Grande passeio à Outra Banda (6 de 10)

Pouco o padre se molhou, 
A coisa não valeu nada, 

N'um instante s'enchugou, 
Com a famosa golada. 

Cacilhas, Caes e Pharol, ed.Tabacaria Havaneza, década de 1900.
Imagem: Delcampe

Rindo foi sentar-se á prôa, 
Ao lado do seu Gambôa, 
Pucha do fuzil... petisca; 
Mas logo riam instantinho, 
Surge o tenente Coutinho, 
P'ra fiscalizar a isca.

Policia civil,  Raphael Bordallo Pinheiro.
Imagem: Bordallo Pinheiro

Ao bote manda dois guardas, 
De espadalhões e de fardas, 

(D. Francisca)

Que vem fazer este bando?

Vimos ver o contrabando, 
E d'essa isca acendida... 
Será já da permittida.

Grita o Gambôa bufando; 
"Aqui não ha contrabando, 
Não vivi, nunca passando-o, 
Não uso a falsa torcida! 
Isto em mim não são cantigas, 
O olho á vontade deite, 
Aqui ninguem tem bexigas, 
De agua ardente, nem de azeite. 

Se a curiosidade alastra, 
Por ordem de um tolo fino, 
Metta o nariz na canastra, 
Que traz restos do petisco."

(Grita o padre) 

Digam lá ao sor Coutinho, 
Que diz o padre José, 
Que vai no "bote-olaré"!
Sem uma pinga de vinho,

A mana assaz escamada,
As pequenas e a cunhada, 
E a môça, todas zangadas, 
Não querem ser apalpadas.

Lugar de atracagem em Belém, A.P.D.G., Sketches of Portuguese life (...).
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

O Alfredo, alegre ri, 
E pondo a mão na ilharga: 
Esclama:—"Vamos d'aqui! 
Larga! Larga! o bote larga!"

O Durão, vai pirá escôta
E junto ao padre e ao Gambôa,
Vai assentar-se na prôa,
A creada... (que marôta)!

Agora uma outra cousa, 
Metta-se aqui de permeio: 
Do Azevedo e do Sousa, 
Do Rodrigues e do Feio, 
Despediu-se a sociedade, 
Com abraços de amisade.

Adeuses... suspiros... e ais, 
E o bote larga do caes. 

Catraio no Tejo, década de 1900.
Canoa "Amor da Pátria" de Jerónimo Rodrigues Durão.
Imagem: almaDalmada

Sulcando o ameno rio 
Canta o padre ao desafio.

"Saiba você seu Gambôa, 
Que vou agora cantar, 
E a Lisboa hei do chegar, 
Com a cabeça já bôa. 
Aqui, direito na prôa, 
Igual ao Vasco da Gama, 
Do amor patrio tenho a chamma, 
Não vou descobrir a India, 
Deus esta viagem finde-a, 
Pondo-me dentro da cama."

Embarcação (canoa) Zinha, Costa da Caparica, passeio de barco, 1922.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

(Grandes gargalhadas)

(A mana)

De cantar tendo cubiça 
D'esta fórma s'esganiça:

"Joven Lylia abandonada, 
Por seu lindo ingrato amante, 
solharia e delirante, 
Passeava em seu jardim."

D. Francisca, contente, 
Tambem canta de repente: 

"Sentes além no retumbar 
Da serra...
O som do bronze que nos causa 
Horror?! 
É mais um ente que voou... 
Da terra! 
Mais um poeta que morreu... 
D'amor." 

(O Alfredo) 

Tambem em grande berrata, 
Dá mil vivas á frescata, 
E eis que começa a cantar, 
Em estylo popular: 

"Que seja á quarta, 
Que seja á quinta, 
Que se a á sexta,
0 mesmo é, 
Que seja ao sabbado, 
E ao domingo, 
Ah! ah! ah! Trilolé!"

Pontaleto de Cacilhas, José Artur Leitão Bárcia, 1905.

Ri muito o padre José!
E o que faltava alli só,
P'ra cabal... alamiré,
Era um bello sol-e-dó!


(1) Diário Illustrado, 13 de agosto de 1896

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