Sábado sem Sol, 1947, ilustração Fernando Camarinha. Imagem: Tertúlia Bibliófila |
"Consolador" será, talvez, o adjectivo mais apropriado para caracterizar este "Sábado sem Sol". É que, apesar de todos os senões, ele é a prova clara de que estamos perante um jovem escritor que soube encontrar na vida do povo os motivos e a razão dos seus contos; que conhece e sente os ambientes que descreve.
Julgamos não haver, da parte do autor, apenas uma adesão sentimental ou ideológica às vidas que palpitam e sofrem nas páginas do seu livro; mas sim uma identificação do autor com essas vidas — o sentir seus, também, os dramas e as esperanças dessa gente — o que nos parece constituir uma das mais importantes condições para a realização de uma literatura sincera e humana e não uma literatura que seja um mero reflexo do que é moda fazer-se.
Romeu Correia está ainda longe, como e fácil de ver, daquela maturidade artistica e intelectual que lhe permita escrever uma obra sólida e duradoira. Contudo, este seu "Sábado sem Sol" dá-nos a esperança de que talvez isso venha a acontecer. As qualidades nele patentes são razões fortes para assim pensarmos. Os tres melhores contos do volume — "Chegou o carvoeiro !
O carvoeiro, Leslie Howard, década de 1930. Imagem: Museu da Cidade de Almada |
Mestra e Novela interrompida" — dizem-nos que o seu autor pode, se souber superar-se por um trabalho sério e constante, vir a escrever obra de valor.
O mesmo não acontece com os outros trabalhos do seu livro, que são, fora de dúvida, de nivel nitidamente inferior ao dos tres atrás citados. Vê-se, através deles, uma fragilidade técnica que os prejudica enormemente, desde a inesperada passagem da terceira para a primeira pessoa, no modo de contar de "Destino. . ." até "O Fogueiro" que mal chega a ser uma crónica a fugir para conto e na qual o desfecho — o aparecimento o filho cadastrado, rico e com uma bela mulher — não tem explicação alguma nem chega a sugerir, com solidez, qualquer hipótese.
Porém, a primeira grande qualidade de Romeu Correia reside na extraordinária habilidade de nos dar um diálogo vivo e natural — coisa que raramente acontece entre os que, como o autor de "Sábado sem Sol", não tem atrás de si uma longa experiencia da arte de escrever. A segunda, o bom aproveitamento de pormenores felizes, o que da aos seus contos a impressão de coisa mais vista do que imaginada. Ora, se e certo que a obra de arte tem de ser criação — e aqui o factor imaginação tem uma inestimável importancia — a verdade é que essa imaginação não terá elementos fecundos e trabalho se não estiver bem assente na observação da realidade. Romeu Correia, ao que nos parece, é senhor de um poder de observação e de um conhecimento dessa realidade que julgamos excelentes. Falta-lhe, talvez, ainda, o poder artístico que lhe permita "recriá-la", de modo a produzir obra que verdadeiramente se possa impor. Romeu Correia está, pois, perante um dilema: ou fica satisfeito com o que fez, ou considera o seu "Sábado sem Sol" como o primeiro passo, balbuciante ainda, o longo e penoso caminho que tem à sua frente. No primeiro caso, nada de inteiramente serio poderá realizar, visto que, apesar das apreciáveis qualidades que nele encontramos, o seu livro está demasiado eivado de imperfeições para que, por si só, possa ter mais do que um momentâneo interesse. No segundo caso — e esta é a única atitude aceitável e a única fecunda — então, sim, tenhamos esperança em Romeu Correia! O artista — o verdadeiro artista — vive em constante insatisfação e em constante desejo de aperfeiçoamento.
Auto de apreensão do livro Sábado Sem Sol, 26 de maio de 1947. Imagem: Biblioteca da Incrível Almadense |
É nesta insatisfação e neste desejo que Romeu Correia poderá encontrar as condições essenciais para se afirmar como escritor. (1)
(1) Costa, Nataniel, MUNDO LITERÁRIO : semanário de crítica e informação literária, científica e artística, Editorial Confluência, 26 de abril de 1947
n.do e.: na mesma edição de Mundo Literário é também publicada poesia de Hélio Quartim.
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