quinta-feira, 16 de abril de 2015

Fragata D. Fernando II e Glória

A Fragata "D. FERNANDO II E GLÓRIA", o último navio de guerra exclusivamente à vela da Marinha Portuguesa e também a última "Nau" a fazer a chamada "carreira da India" verdadeira linha militar regular que, desde o século XVI e durante mais de 3 séculos, fez a ligação entre Portugal e aquela antiga colónia foi o último navio que os estaleiros do antigo Arsenal Real de Marinha de Damão construíram para a nossa Marinha.

Fragata D. Fernando II e Glória, Roger Chapelet (1903 - 1995).
Imagem: flickriver

Sob a supervisão do Guarda-Marinha construtor Naval Gil José da Conceição, foi encarregam da sua construção o mouro Yadó Semogi e nela participaram operários portugueses e indianos.

Fragata D. Fernando II e Glória, Roger Chapelet (1903 - 1995).
Imagem: Revista da Armada,  A recuperação da fragata D. Fernando II e Glória, janeiro 1998

O casco foi construído com madeira de teca proveniente de Nagar-Aveli e, após o lançamento à água, em 22 de Outubro de 1843, foi rebocado para onde aparelhou a galera. A sua construção importou em 100.630 mil réis.

A Fragata recebeu o nome de "D. FERNANDO II E GLÓRIA", não só em homenagem a D. Fernando Saxe Coburgo Gota, marido da Rainha D. Maria II, mas tambem por ter sido entregue à protecção de Nossa Senhora da Glória, de especial devoção entre os goeses.

Fragata D. Fernando II e Glória.
Imagem: Maritima et Mechanika

O navio foi preparado para receber 50 bocas de fogo, sendo 28 na bateria (coberta) e 22 no convés.

A lotação do navio variava consoante a missão a desempenhar, indo do mínimo de 145 homens na viagem inaugural ao máximo de 379 numa viagem de representação [...]

A viagem inaugural, de Goa para Lisboa, leve lugar em 1845 com largada em 2 de Fevereiro e chegada ao Quadro dos Navios de Guerra, no Tejo, em 4 de Julho.

Desde então, foi utilizado em missões de vários tipos até Setembro de 1865, data em que substituiu a Nau Vasco da Gama, como Escola de Artilharia, tendo ainda, em 1878, efectuado uma viagem de instrução de Guarda Marinhas aos Açores [...]

Fragata D.Fernando II e Gloria, 3 de Abril de 1963.
Imagem: Cesto da gávea

Em 1940, depois de ter sido considerado que já não se encontrava em condições de ser utilizado pela Marinha, iniciou uma nova fase da sua vida, passando a servir como sede da Obra Social da Fragata D. Femando, criada para recolher rapazes oriundos de familias de fracos recursos económicos, que ali recebiam instrução escolar e treino de marinharia, facilitando, assim, o seu ingresso nas marinhas de guerra, do comércio e de pesca. (1)

Fragata D. Fernando II e Glória, aguarela de Alberto Cutileiro, Museu da Marinha.
Imagem: Cesto da gávea

Desde finais da década de 40 até meados da década de 70 do século passado, decorreu (inicialmente a bordo de uma velha fragata da Carreira da India e posteriormente em instalações em terra) a Obra Social da Fragata D. Fernando II e Glória.

Fragata D. Fernando II e Gloria, selo de Carlos Alberto Santos, 1997.
Imagem: Tangerino

Em pleno Estado Novo, a Obra parece ter seguido um percurso que acompanhou o próprio sistema político vigente. Recorrendo a um sistema assistencial, educacional e de integração profissional próprios do período, assistiu-se ao crescimento, estagnação e declínio que seguiu o perfil do regime.

Fragata D. Fernando II e Gloria, selo de Carlos Alberto Santos, 1997.
Imagem: Tangerino

Tendo como objetivos principais, a recolha, educação e instrução de rapazes sem família ou sem recursos, a instituição pode, contudo, ter sido muito mais do que estes princípios fundadores previam.

A história da fragata D. Fernando II e Glória, pode dividir-se em várias fases que ilustram as características multifuncionais e multifacetadas que a mesma teve ao longo dos tempos, desde a sua largada de Goa para Lisboa em 1845 até à atualidade.

Assim podemos dividir em sete fases distintas a história do navio:
a) A fase da construção (1832 – 1845, durou 13 anos).
b) A fase operacional, onde efetuou várias viagens (1845 – 1878, durou 33 anos).
c) A fase em que foi Escola de Artilharia e sede de Brigada de Artilheiros (1865- 1937, durou 72 anos).

Fragata D. Fernando II e Gloria, Escola de Artilharia, 1904.
Imagem: Hemeroteca Digital

d) A fase em que foi sede de vários comandos e organismos (1938 – 1945, 7 anos).
e) A fase em que foi sede da “Obra Social da Fragata D. Fernando II e Glória” (1945 – 1963, 18 anos).
f) A fase imediatamente a seguir à destruição, o abandono (1963 – 1992, 29 anos).
g) O restauro, recuperação e museu (1992 até à atualidade).


in Alves, Américo José Vidigal, ASSISTÊNCIA, EDUCAÇÃO E TRABALHO NO ESTADO NOVO, O caso da Obra Social da Fragata D. Fernando II e Glória, 2013

Em Janeiro de 1945, o Ministro da Marinha, Américo Thomaz, através da Portaria nº 10:827 de 9-1-1945 (O.D.A. nº 8, de 10-1-1945) determina “que a fragata D. Fernando seja posta à disposição da Brigada Naval, para fins de instrução e utilização compatíveis com o estado em que se encontra.

Fragata D. Fernando II e Gloria, aula de ginástica, 1956.
Imagem: O caso da Obra Social da Fragata D. Fernando II e Glória

De acordo com o primeiro artigo, do capítulo I, denominado "Fundação e Objetivo" constante no Regulamento Geral da Obra144, "é criada a Obra Social da Fragata D. Fernando que tem como objetivo a recolha, alimentação, educação e instrução, gratuitamente e em regime de internato, de rapazes com 12 a 16 anos de idade, desprotegidos, sem família, sem meios e sem trabalho, a livrá-los dos perigos morais a que a ociosidade e a libertinagem os podem conduzir e prepará-los para a vida no mar, a servirem nas frotas das Marinhas de Guerra, mercante ou de pesca."

Fragata D. Fernando II e Gloria, alunos por identificar.
Imagem: Cesto da gávea

[...] o dia de entrada na fragata, era precedida de inspeções médicas, corte de cabelo, limpeza do corpo e distribuição de roupa interior (camisola e cuecas) e exterior (blusão e calças de cotim). Sobre o calçado, este ex-aluno, apenas refere que, aos pés era dado o “calejamento das águas do Tejo” o que pressupõe que no início da obra, ou nos primeiros dias de permanência, os alunos andariam descalços [...]

Fragata D. Fernando II e Gloria, alunos trabalhando com cabos a bordo.
Imagem: O caso da Obra Social da Fragata D. Fernando II e Glória

Neste primeiro dia eram ainda distribuídas as macas, que faziam as vezes da cama. Estas eram compostas por um travesseiro, um colchão, uma manta e uma coberta de lona. Depois desta distribuição, os alunos eram agrupados por pelotões para a formatura, comandados por alunos mais velhos.

Este enquadramento levado a cabo pelos alunos mais velhos era contínuo e não se confinava aos primeiros dias, sendo observável também à mesa, durante as refeições, e quando se desfilava em parada na via pública.

Durante a noite os alunos efetuavam vigias ao navio que duravam quatro horas. Além do aluno de vigia havia também um marinheiro ou grumete de vigilância, controlando este, a guarnição e os alunos.

Após passagem pelos lavabos para lavar cara, mãos e dentes, prosseguia-se ao enrolar das macas. Pouco tempo depois tocava a formar para a primeira refeição que, quase sempre, consistia em café com leite e pão com manteiga ou marmelada. A seguir ao pequeno-almoço tocava novamente a formar para distribuição de serviços, tarefas e obrigações. Entendia-se por serviços ou tarefas o escalamento para as embarcações, para baldeações e para lavagem de loiça de alumínio após as refeições.

Fragata D. Fernando II e Gloria, aprendendo a arte de fazer nós.
Imagem: O caso da Obra Social da Fragata D. Fernando II e Glória

As obrigações tratavam-se de tarefas fixas que alguns alunos podiam ter permanentemente, como adjuntos das oficinas de bordo (sapateiro e carpinteiro), aulas de instrução primária, de ginástica, de marinharia, de vela, de remo e de natação, entre outras.

Fragata D. Fernando II e Glória, familiares de alunos de visita, 1956.
Imagem: Cesto da gávea

Também a roupa era lavada pelos próprios alunos [...]

Fragata D. Fernando II e Gloria, mergulho no Tejo.
Imagem: O caso da Obra Social da Fragata D. Fernando II e Glória

Digno de registo é também o mergulho do Madeirense. Esta autêntica proeza aconteceu num dos primeiros verões após constituição da Obra, encontrando-se o navio fundeado em Belém, como era hábito nessa altura do ano. (2)


(1) Revista da Armada,  A recuperação da fragata D. Fernando II e Glória, janeiro 1998
(2) Alves, Américo José Vidigal, ASSISTÊNCIA, EDUCAÇÃO E TRABALHO NO ESTADO NOVO, O caso da Obra Social da Fragata D. Fernando II e Glória, 2013

Informação adicional:
D. FERNANDO II E GLÓRIA
Cesto da gávea

Cesto da gávea em imagens
No dia da apresentação da Tese de Mestrado de Américo Alves, sobre a Fragata D. Fernando II e Glória
Sachetti, António, D. Fernando II e Glória. A Fragata que Renasceu das Cinzas, Lisboa, Edições CCT, 1998
Sousa, Victor Manuel de, Apontamentos sobre a Fragata D. Fernando II e Glória, edição do autor
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