quinta-feira, 26 de março de 2015

Almaraz

Nome com que se designa a orla esquerda do rio Tejo, em frente a Lisboa. (1)

Praça do Comércio e Rio Tejo, Francesco Rocchini (1822 - 1895), c. 1868.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Reflectindo-se nas aguas tranquillas do mais vasto e magestoso porto do mundo, banhada pela mansa corrente do seu aurífero Tejo, reclinando-se docemente sobre terrenos de leve pendor, onde aqui e ali brotam macissos de virente vegetação, sob um ceu de pureza inegualavel, e com um clima ameno e vivificante, a cidade de Lisboa revê-se nos terrenos fronteiros de alem-Tejo, semeados de povoações, de fabricas, de matas e de vinhedos, e que descem até a margem do rio por vertentes rápidas, ou por escarpas abruptas.

Baixa e Rio Tejo, Francesco Rocchini (1822 - 1895), c. 1868.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Pela base d'esses terrenos e banhadas pelas aguas do Tejo estendem-se as edificações, quasi ininterrompidamente, formando grupos, ou povoações, que tomam os nomes de Cacilhas, Ginjal, Arrábida, S. Lourenço, Affonsina [sic] e Banatica, até a Trafaria.

Baixa e Rio Tejo, Francesco Rocchini (1822 - 1895), c. 1868.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Em cima, Almada, a velha Cetobrica dos romanos, com as muralhas do seu castello e as torres das suas igrejas recorta pittorescamente o horizonte, reflectindo os raios afogueados do sol poente nas vidraças das casas, como se estivessem illuminadas em festa, ou ardendo em chammas [...]

Regata dos barcos da Channel Fleet em Lisboa, 1869.
Imagem: amazon

Na margem do S. ha ainda os seguintes pontos, que servem aos navegantes para a sua derrota:

Plano do porto de Lisboa e das costas adjacentes (detalhe), 1804.
Imagem: Bibliothèque nationale de France

Torrão — pequeno logar que fica mais a W. da margem S. do Tejo.

Calhaus do mar — grupo de pedras que existe próximo do areal da Trafaria.

Plano Hidrográfico do Porto de Lisboa, A. F. Lopes e Rodrigues Thomaz, gravura, 1932.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Trafaria — povoação das mais importantes do S. do Tejo, com grande accumulação de casas de pescadores, facilmente reconhecível.

Trafaria, c. 1900.
Imagem: Delcampe

Lazareto — edifício de grandes dimensões assente no cimo da montanha e descendo pela vertente, com diversos corpos em amphitheatro.

Torre velha — fronteira á torre de Belém, e a W. do Porto Brandão — logar bem reconhecido, pela grande quantidade de casas que fícam adjacentes áquella margem.

Banatica — logar que bem se distingue pelas pedreiras em exploração, cortando o terreno em talude muito áspero, e ao qual ficam próximas as marcas do limite W. da milha maritima.

Plano Hidrográfico do Porto de Lisboa, A. F. Lopes e Rodrigues Thomaz, gravura, 1932.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Alfanzina — pequeno porto a montante da Banatica.

Porto de S. Lourenço — fica ao N. do logar denominado Palença, e onde está installada uma grande fabrica de cerâmica.

Portinho da Arrábida — a nascente do qual, e na quebrada da montanha, ficam as duas marcas de alvenaria, que dão o limite E. da milha maritima. E com estas marcas e com as da Banatica que se vão acertar os relógios e experimentar o andamento dos navios. A milha official é dada pelo enfiamento dos dois grupos de marcas.

Torre de S. Paulo — na villa de Almada, a W. da povoação e em ponto elevado, uma das marcas mais importantes da margem sul do Tejo.

Plano Hidrográfico do Porto de Lisboa, A. F. Lopes e Rodrigues Thomaz, gravura, 1932.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Pontal de Cacilhas — ponta SE. da povoação d'este nome, e limite N. da enseada chamada da Cova da Piedade. (2)

Plano Hidrográfico do Porto de Lisboa, A. F. Lopes e Rodrigues Thomaz, gravura, 1932.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

[...] arribas da margem sul do Tejo desde Cacilhas à Trafaria. A denominação de Almaraz foi corrente entre a gente de rio e mar até principios do nosso século [XX] mas hoje restringe-se praticamente à quinta desse nome em Cacilhas. (3)


(1) Dicionário Priberam da Língua Portugues
(2) Loureiro, Adolfo, Os portos maritimos de Portugal e ilhas adjacentes, Vol III parte 1, Lisboa, Imprensa Nacional, 1906
(3) Pereira de Sousa, R. H., Almada, Toponímia e História, Almada, Biblioteca Municipal, Câmara Municipal de Almada, 2003, 259 págs.

Artigo relacionado:
H. Parry & Son, estaleiro no Ginjal


Informação relacionada:
Jornal Público, edição de 2 de julho de 2006

Lamas, Pedro Calé da Cunha, Os taludes da margem sul do Tejo - evolução geomorfológica e mecanismos de rotura, Lisboa, Universidade Nova, 1998, 21.71 MB.

segunda-feira, 23 de março de 2015

Os Faroleiros, filme de Raul de Caldevilla, 1922

Fundada em 1919, no Porto, por Raul de Caldevilla (1877-1951), pioneiro da publicidade moderna portuguesa e que já realizara um dos mais antigos filmes publicitários portugueses (Um Chá nas Nuvens , 1917), a Caldevilla Film talvez tenha sido a produtora que levou este rumo mais longe.

Os Faroleiros de Raul de Caldevilla, 1922.
Imagem: Vimeo

A empresa foi responsável pela produção de uma série intitulada A Pátria Portuguesa (1921-1922), constituída por filmes sobre várias localidades e regiões portuguesas (como Sintra ou a Serra da Estrela) e ainda uma outra série sobre as mais importantes estâncias termais do país.

Os Faroleiros de Raul de Caldevilla, 1922.
Imagem: Vimeo

A popularidade deste tipo de filmes relacionava-se com a possibilidade de mostrar aos espectadores (urbanos) um país (rural) largamente desconhecido e, em muitos casos, de difícil acesso. O cinema permitiria, deste modo, uma “viagem imóvel” do espectador, tradição com origem nos filmes de viagem e nos travelogues ingleses e franceses do início do século, mas empregue neste período não só com a intenção de explorar o pitoresco, mas também de fomentar um sentimento de pertença a (mas também de posse de) um território, fortalecendo assim os laços identitários de uma comunidade. (1)

Os Faroleiros de Raul de Caldevilla, 1922.
Imagem: Vimeo

Em 1919, Raul de Caldevilla prestigiou-se ao organizar o lançamento comercial de A Rosa do Adro, dirigido por Georges Pallu para a Invicta Film, anunciado sob o lema "Romance Português — Filme Português — Cenas Portuguesas — Actores Portugueses".

Os Faroleiros de Raul de Caldevilla, 1922.
Imagem: CINE-PT CINEMA PORTUGUËS

Três anos depois, com mais altas ambições, a Caldevilla Film contratou o francês Maurice Mariaud — que trabalhava para a Gaumont com a incumbência de dirigir Os Faroleiros (1922), um "drama-documentário", de que também foi argumentista e intérprete. (2)

Os Faroleiros de Raul de Caldevilla, 1922.
Imagem: CINE-PT CINEMA PORTUGUËS

O vislumbre de Raul de Caldevilla está patente no respectivo folheto de divulgação: "O cinematógrafo moderno tem se distanciado muito, nos temas escolhidos e nos fracassos, da técnica de há vinte anos. Já hoje dificilmente se suportam e vão sendo postos de parte no estrangeiro esses longos filmes em séries de enredo complicado e por vezes falhos de verosimilhança. 
Os Faroleiros, o filme de 1922
Elenco Equipa técnica
Abegaída de Almeida Rosa Argumento Maurice Mariaud
Augusto Machado Cabo do Mar Decoração Maurice Mariaud
Casimiro Tristão Pai de Rosa Distribuição Castello Lopes
Castro Neves António Gaspar Fotografia Victor Morin
Maria Sampaio Maria Ana Produção Caldevilla Film
Maurice Mariaud João Vidal Produtor Executivo Raul de Caldevilla
Sebastião Ribeiro Taberneiro Realização Maurice Mariaud
Sofia Santos Mãe de António

in CINE-PT CINEMA PORTUGUËS

O público de hoje, talvez por motivo da vida intensa que leva e lhe proporciona certos lazeres, escolhe de preferência películas de não muito longa metragem".


A rodagem [de exteriores] teve lugar na [Costa da] Caparica [...] (3)

Acompanhamento musical sugerido


(ou, se não gostar, Official Faithless Channel)



(1) Arquivo Municipal de Lisboa Videoteca Publicações
(2) Instituto Camões
(3) Truca 

Informação relacionada:

Cinemateca Portuguesa
amordeperdição 

domingo, 22 de março de 2015

Cacilhas 1946, cliché Mário Novais

Mário Novais (1899 – 1967)

Membro de uma reconhecida família de fotógrafos portugueses com actividade em Lisboa desde o último quartel do século XIX, filho do retratista Júlio Novais (1867 - 1925), sobrinho de António Novais (1855 - 1940) e irmão de Horácio Novais (1910 - 1988).

Cacilhas, largo do Costa Pinto, Mário Novais, 1946.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

Inicia a sua actividade profissional, no início da década de 1920, como retratista na "Fotografia Vasquez". Participa no I Salão dos Independentes (1930).

Cacilhas, largo do Costa Pinto (detalhe), Mário Novais, 1946.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

Em 1933, monta o seu próprio estúdio, o "Estúdio Novaes", em actividade durante 50 anos, tendo ficado ligado à temática de foto-reportagem, fotografia publicitária, comercial e industrial e ainda à fotografia de obras de arte e arquitectura (área em que se especializou), trabalhando com diversos organismos estatais e instituições particulares.

Cacilhas, largo do Costa Pinto (detalhe), Mário Novais, 1946.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

É responsável pela produção das mais importantes coberturas fotográficas de manifestações culturais e artísticas em Portugal e no estrangeiro. Integra o grupo de artistas seleccionados por António Ferro para a elaboração dos álbuns fotográficos Portugal 1934 e Portugal 1940.

Cacilhas, largo do Costa Pinto (detalhe), Mário Novais, 1946.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

Participa na Exposição Internacional de Paris (1937) com a introdução no circuito expositivo de ampliações de imagens de arquitectura e edição de uma série de postais, intitulada "Coutumes Portugais", representação dos usos e costumes de um povo individualizado em cada um dos rostos captados, na Exposição Internacional de Nova Iorque (1939) e na Exposição de Arte Portuguesa (Londres, 1955).

Cacilhas, largo do Costa Pinto (detalhe), Mário Novais, 1946.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

Colaborou em diversos periódicos, como a Ilustração Portuguesa, para a qual, na década de 1920, faz a cobertura de acontecimentos políticos, culturais, comerciais e desportivos e como a revista Panorama, já nos anos de 1940.

Cacilhas, largo do Costa Pinto (detalhe), Mário Novais, 1946.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

Colabora na publicação Vida e Arte do Povo Português, realizada no âmbito das Comemorações dos Centenários, da autoria de Francisco Lage e Luís Chaves.

Cacilhas, largo do Costa Pinto (detalhe), Mário Novais, 1946.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

O Museu de Arte Popular reúne um valioso espólio documental com obras de sua autoria, expostas nas diversas exposições organizadas pelo S.P.N./S.N.I. (1)

Cacilhas, largo do Costa Pinto (detalhe), Mário Novais, 1946.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

O espólio de Mário Novais, retratista e mais tarde excelente fotógrafo de arquitectura e obras de arte, foi em 1985 adquirido pela Fundação Gulbenkian e confiado ao seu Arquivo de Arte. (2)

Cacilhas, cacilheiro, Mário Novais, década de 1940.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

Como refere Luis Pavão, responsável pelo tratamento e arquivo da colecção, esta chegou ao Arquivo de Arte da Fundação, e aí permaneceu durante dois anos, tendo sido abertas apenas algumas caixas com o intuito de inspecção.

Nessas inspecções detectou-se a presença de negativos em nitrato de celulose, material altamente inflamável. Conscientes então do perigo que esta quantidade de material fechado numa sala sem climatização poderia causar, levaram a Fundação, no início de 1990, a por em marcha todo um processo de tratamento.

Mário Novais, por António Sena da Silva, 1960.
Imagem: MNAC (museu do Chiado)

A digitalização da colecção, que agora podemos consultar via computador, foi logo pensada de início, e se à época o modo digital era quase uma ficção, hoje é o sistema adoptado e vulgarizado nos arquivos. (3)


(1) Museu de Arte Popular
(2) Alexandre Pomar
(3) SAISDEPRATA-E-PIXELS

Informação adicional:
Wikipédia
Estúdo Mário Novais no Flickr

quinta-feira, 19 de março de 2015

2 de fevereiro de 1926

O GOVERNO
CONTA DOMINAR
O MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO
DURANTE ESTA NOITE

Cacilhas, movimento de dois de Fevereiro de 1926, major Faria Leal.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

O sr. Governador Civil declarou-nos, ás 18,30,  que até agora não há suspensão de garantias.
Aconselhamos a população amanter calma, e a recolher cedo a casa, embora não haja intimação para isso.
O Governo conta dominar os elementos revolucionarios de Almada durante a noite. (1)

Movimento de dois de Fevereiro em Almada, forças de infantaria 16 e GNR após o desembarque em Cacilhas, 1926.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

O CASO DE ONTEM

Por muito habituados que todos estejamos a aventuras sem consistência nem finalidade, a que mereça a pena sacrificara tranquilidade pública, não deixamos de nos confessar surpresos com o movimento de ontem.
É mais um caso de sentimentalidade politica.
Em boa verdade, descontentes que todos estejamos com a marcha dos negócios públicos e o descontentamento não vem do agora, não vemos, sinceramente, imparcialmente, conscientemente, razão para se pretender levar a cabo um golpe de Estado contra a actual situação politica.
Um estrangeiro que entre nós vivesse para estudar a nossa psicologia politica e social não seria capaz de compreender o movimento de ontem. Nós proprios, um pouco mais familiarizados com o caracter politico e partidario da nossa gente, não encontramos explicação directa.
lndirectamente, como dizemos, o acontecimento, tão lamentável, fundamenta-se em razões platónicas de sentimetalismo.

Cacilhas, largo do Costa Pinto, forças da GNR preparando-se para o ataque aos revoltosos, 1926.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

Mas esse sentimentalismo de revolta não tem raízes na alma popular. Não significa isto que o pais reconheça como perfeito o estado actual de coisas.
Mas as revoluções estäo desacreditadas, e muito mais o estão os movimentos isolados, sem preparação séria, sem ambiente, sem condições de qualquer sorte.
São aventuras, símpáticas a alguns, mas antipáticas ai grande maioria da Nação.
Este governo, que está constituído em condições normais, não será melhor do que os antecedentes, segundo o pensamento dos seus adversários.
Mas não é peor do que os outros, e antes oferece garantias — as garantias possíveis n nossa indisciplinada sociedade-de realizar uma obra lenta e serena de reconstrução. Os seus componentes são honrados, patriotas, decididos a uma obra de purificação.
As divergências politicas, de resto, repetimo-lo, resolvem-se dentro da legalidade.
E os republícanos não devem nunca afastar-se deste campo, por maiores que sejam, e mais fundas, e mais patrióticas, as suas incompatibilidades pessoais e partidárias.

Cacilhas, rua Cândido dos Reis, forças da GNR assestando uma metralhadora, 1926.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

O governo dominou a situação. Que a aventura de ontem, que algumas vítimas causou, estragos materiais e péssimo ambiente moral, sirva de lição — quantas vezes temos escrito isto! — é o nosso desejo, e certamente o de toda a Nação.

Uma granada dos revoltosos cortou ao meio o pau de bandeira da Cadeia de Almada.
Na Outra Banda, não caiu nenhuma granada atirada de Lisboa, parece que em virtude dos propósitos da artilharia do Castelo.

Auto-retrato (detalhe), 1929.
Imagem: Tamara de Lempicka
Uma senhora estrangeira, ontem, à noite no Avenida Palace:
— E ganham os revolucionários?
— Não minha senhora, não têm probabilidades.
— Pobre familias deles, que vão ficar presos por toda a vida!
Ninguem retorquiu nada.


O CHEFE DO DISTRITO
FALA
AO DIÁRIO DE LISBOA

 
Ás 16 horas, o sr. dr. Barbosa Viana entre no seu gabinete do governo civil.
Pouco depois, chega o sr. dr. Crispiniano da Fonseca.
O sr. dr. Barbosa Viana recebe-nos:
— Há duas noites que não sei o que é dormir!
— Como teve v. exa. conhecimento da revolução?
— Pela polícia de informação. Imediatamente avisei os ministros da Marinha e da Guerra.
— Soube logo no dia 1, do plano dos revolucionários?
— Tinha apenas vagas informações. Ontem, de manhã, é que soube que eles haviam ido sublevar as forças que se encontravam em Vendas Novas.
— Tinham possibilidades do vencer?
— Não há nenhum movimento revolucionário que tenha possibilidade do triunfar. desde que as autoridades constitucionais tomem logo providências enérgicas e adoptem uma acção decisiva.

Almada, o acampamento dos revoltosos após a rendição às tropas sitiantes, revista Ilustração n.° 4, 16 de fevereiro de 1926.
Imagem: Hemeroteca Digital

Continuando:
— As revoluções são sempre iniciadas por meia duzia de audaciosos. e so os deixarem tomar posições à vontade e ganhar terreno podem vencer.
— Diz-se que a Marinha se recusou a combater os revoltosos?
— Creio que tal não se deu. O quo posso afirmar, com enorme satisfação, é que o Exército e a Guarda procederam com a maxima disciplina, não se poupando a sacrifícios para a manutenção da ordem. (2)

Os revolucionários presos, conduzidos, entre a escolta, para o Porto Brandão.
Imagem: Hemeroteca Digital

GOVERNE!

Agora o Governo que Governe.
O incidente passou e, feitas as declarações necessárias no Parlamento, o acontecimento deixa o rescaldo para os jornaes, e o resto será com a justiça.

Os revoltosos de Almada, dirigindo-se para o Porto Brandão a fim de embarcarem para o navio onde ficarão detidos.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

Simpatias, antipatias, ódios, se os ha, lamentações, aplausos e críticas — deve a eles ser o Governo alheio.
E é, com certeza.
Não suponha o sr. Antonio Maria da Silva que só são seus amigos e confiantes da sua obra aqueles que o incensam. Não creia o sr. presidente do Ministerio que são mais patriotas e mais republicanos os que andam cerca dos seus gabinetes. A posição de independência de um jornal, como de um individuo, não lhes arrebata o sentimento de justiça.

Dr. Lacerda de Almeida e Martins Júnior, chefes dos revoltosos posando para O Século em Porto Brandão, 1926.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

Com a sua experiencia, honradez, decisão e prudência reconhecidas, continue o sr. Antonio Maria da Silva imprimir ao seu Governo uma orientação de trabalho ponderado e constante. Alguns dos seus colaboradores bem merecem por sua inteligência e boa vontade.
 Há muito que fazer. Preparar a proposta da questão dos Tabacos. É uma questio aberta do Governo — disse-nos o sr. ministro das Finanças. Mas tem que haver uma base. Ela que surja.
Qualquer solução nos interessa, desde que ela seja a mais favoravel e ao interesse do Estado. O Monopólio é antipático. A Regie — pela qual não quebramos lanças — tem defensores, entre os quais o próprio ministro das Finanças, e muitos adversários. O regime de liberdade e concorrência parece preferível. O governo que se habilite, sondando a opinião pública autorizada.

Porto Brandão, movimento de 2 de Fevereiro, os revoltosos subindo para bordo do Pêro de Alenquer, 1926.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

A obra de reconstrução financeira e económica deve merecer a este governo atenção "imediata". O "deficit", se não é relativamente grande, tem de ser combatido.
Não pode este governo considerar-se desapoiado. Adversários todos os governos os têm. Alguns honram. Para deante!

Diário de Lisboa, 5 de fevereiro de 1926.
Imagem: Fundação Mário Soares

Para o caso da ordem publica — da qual é preciso não fazer espantalho — tem o ministro do Interior os seus delegados indicados.
Estas palavras escrevemo-las com simplicidade, sem afectação nem reservados intuitos.
Por pouco que valha o apoio de um jornal modesto corno o nosso, não trocamos a sinceridade dos nossos escritos por mercê alguma da terra.

Diário de Lisboa, 8 de fevereiro de 1926.
Imagem: Fundação Mário Soares

Governe o governo do sr. Antonio Maria Silva! (3)


(1) Fundação Mário Soares, Diário de Lisboa, 2 de fevereiro de 1926
(2) Fundação Mário Soares, Diário de Lisboa, 3 de fevereiro de 1926
(3) Fundação Mário Soares, Diário de Lisboa, 4 de fevereiro de 1926

segunda-feira, 16 de março de 2015

Colina de Almada

[...] uma epístola de Lisboa

No século XII, Lisboa, e grande parte de Portugal e Espanha, estava na posse dos mouros, Afonso, o primeiro rei de Portugal, tendo conseguido diversas vitórias sobre esssa gente, punha cerco a Lisboa, quando Robert, Duque de Gloucester, no seu caminho para a Terra Santa, apareceu nas costas desse reino.

Vista de Lisboa tomada de Almada, século XVIII
Imagem: Museu da Cidade de Lisboa

Como a causa era a fama, Robert foi facilmente persuadido a fazer a sua primeira cruzada em Portugal. 

Ele exigiu que a tomada do castelo de Lisboa, situado numa colina considerável, e cujas ruínas mostravam ter tido grande força, lhe fossem atribuídas, enquanto Afonso assaltaria as muralhas e a cidade.

Ambos os lideres tiveram sucesso; e Afonso, entre as recompensas que outorgou ao inglês, concedeu aos que foram feridos, ou incapazes de proceder para a Palestina, o Castelo de Almada e as terras em redor.

O rio Tejo, abaixo e oposto a Lisboa, é ladeado por rochas íngremes e grotescas, particularmente no lado sul. Essas no arco sul, são geralmente mais altas e muito mais magnificas e pitorescas que os penhascos de Dover. Sobre uma das mais altas dessas rochas, e diretamente opostas a Lisboa, permanecem as ruínas planas do Castelo de Almada.

Em dezembro, 1779, como o Autor deambulava entre estas ruínas, foi atingido pela ideia, e formou o plano do seguinte poema; uma ideia que, pode permitir-se, foi natural para o Tradutor dos Lusíadas, e o plano pode, até certo grau, ser chamado como um suplemento a esse trabalho [...]

Vista geral de Lisboa, tomada perto de Almada, século XVIII.
Imagem: Museu da Cidade de Lisboa

O poema seguinte, exceto as correções e algumas linhas, foi escrito em Portugal. As partes descritivas são estritamente locais. A melhor perspetiva, de Lisboa e do Tejo, (que tem cerca de quatro milhas de largo) é de Almada, que assim também comanda os campos [e lugares] adjacentes, desde a Rocha de Cintra [Cabo da Roca] até ao Castelo e Cidade de Palmela, uma extensão acima de cinquenta milhas. 

Esta vista magnifica é completada pela extensa abertura da foz do Tejo, cerca de dez milhas abaixo, que descobre o Oceano Atlântico [...]


Enquando Lisboa maravilhada de horror viu propagar
A ousadia falha que primeiro à India liderou,
E muitas vezes inspira Almada profundamente fortificada
À Musa pensativa fogos visionários;
Colina de Almada querida à memoria Inglesa,
Enquanto as sombras dos heróis Ingleses aqui vaguearem!

The Channel Fleet in the Tagus, 1873.
imagem: eBay

Para o Inglês antigo o valor sagrado ainda
Resta, e sempre restará, Colina de Almada;
A colina e os relvados ao valor dos Ingleses dados
Que a tempo os Mouros Árabes da Espanha expulsos foram ,
Antes que os estandartes da Cruz subjugassem,
Quando as torres de Lisboa foram banhadas em sangue Mouro
Pela lança de Gloster. — Dias românticos que fazem brotar
Dos atos galantes um amplo campo luxuriante
Querido para a Musa que ama as planícies de fadas
Onde a antiga honra selvagem e ardente reina.

Regata dos barcos da Channel Fleet em Lisboa, 1869
Imagem: amazon

Onde acima sobre o Tejo que inunda os baixos de Almada,
No meio da pompa solene das torres arruinadas
Passivamente sentado, amplos e distantes
Meus olhos encantados maravilham. — Aqui o limite
Da justa Europa sobre as traseiras do oceano
Sua margem ocidental desaparece onde vagamente
A vaga do Atlântico, o dia lento descendente
Radiância ligeira derrama serena o raio suave
Do inverno Lusitano, prateando sobre
Os cumes como torres das margens da montanha;
Manchando as altas falésias que atiram friamente
Seus fabulosos horrores sobre os vales abaixo.

Vista do Tejo e da Trafaria, The river Tagus at Trafaria, John Cleveley Jnr, 1775.
Imagem: Bonhams

Ao longe os imponentes meandros do rio encurvam
Seus braços gigantes, como o mar, amplamente se estendem
Suas enseadas, de férteis ilhas coroadas, 
E relvados para o renome do valor Inglês: 
Dados aos filhos galantes da Cornualha de outrora, 
O nome de Cornualha as sorridentes pastagens deram à luz;

Vista do Tejo tomada de Belém, Bellisle looking down the Tagus, John Cleveley Jnr, 1775.
Imagem: Bonhams

E ainda o seu Senhor sua linhagem Inglesa ostenta 
De Rolland famoso nas Hostes da Cruzada. [...] (1)


(1) Mickle, William Julius, Almada hill: an epistle from Lisbon, Oxford, W. Jackson, 1781

sexta-feira, 13 de março de 2015

A visita do sr. ministro

No forte de Caxias estão presas 93 pessoas, e presos estão também o Afonso Costa, o João Pinto dos Santos, o Ribeira Brava, etc. A policia desandou então a prender a tôrto e a direito. O José de Figueiredo que mora no Campo de Sant'Anna, por cima da esquadra, ouviu isto: Ao telefone, o chefe da esquadra para o governo civil: — Já prendemos quatro. — Prendam mais. — Era preso quem passava na rua [...], 30 de janeiro de 1908

Na travessia do Tejo, Joshua Benoliel, 1911.
Imagem: Hemeroteca Digital

— Na noite do regicidio fui ao Paço, com o Campos Henriques. O Julio de Vilhena, a quem procurei em casa, não foi porque lhe faltava um botão na braguilha. Assisti a tudo: tiraram o rei e o principe de dentro do carro.

O rei de Portugal e o príncipe herdeiro morrem assasinados em 1 de fevereiro de 1808 (detalhe),
Le Petit Journal, 16 de Fevereiro.

O rei estava disforme. A rainha, se tinha dito alguma coisa desagradavel ao João Franco no Arsenal, no Paço não lhe disse palavra. A Maria Pia perguntava de quando em quando: — A morte do rei será muito sentida? — Estava tudo preparado para uma revolução. O Afonso Costa não deu o signal porque esperava a morte do Franco.

O desembarque em Cacilhas, Joshua Benoliel, 1911.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Pormenor absolutamente authentico: o João Franco ainda se ofereceu para governador civil de Lisboa [...], 3 de fevereiro de 1908

O desembarque em Cacilhas, Joshua Benoliel, 1911.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Dias mais tarde havia sujeitos que se chegavam á beira das pessoas que deitavam luto e perguntavam-lhe com ar de troça: — Então morreu-lhe alguem da familia?...

O desembarque em Cacilhas, Joshua Benoliel, 1911.
Imagem: Hemeroteca Digital

O Correia d'Oliveira: — Se visse!... Quasi ninguem tirava o chapeu quando o enterro passou... A sombra do rei comeu, sumiu a do principe. Tem-se distribuido muitos papeis com estes dizeres: "Morte aos Sanguinarios Afonso Costa, Alpoim, Ribeira Brava, os Verdadeiros Assassinos DE EL-REI E DO PRINCIPE REAL". E outros, escriptos á machina, atribuindo o crime a este e áquelle [...], 11 de fevereiro de 1908 (1)

A multidão aguardando o ministro na villa de Cacilhas, Joshua Benoliel, 1911.
Imagem: Hemeroteca Digital

O sr. ministro da justiça no concelho de Almada

O sr ministro da justiça percorrendo a quinta, Joshua Benoliel, 1911.
Imagem: Hemeroteca Digital

O ministro da justiça visitou hoje a quinta do Rosal que pertenceu aos jesuítas e está hoje encorporada nos bens nacionaes.

As ruinas da casa da quinta e da capella incendiadas pelo povo nos dias da revolução, Joshua Benoliel, 1911.
Imagem: Hemeroteca Digital

O povo d'Almada fez uma grande manifestação ao sr. dr. Affonso Costa que se demorou a vêr a antiga propriedade da Companhia e que é excellente. (2)

O sr ministro da justiça contemplando as ruinas, Joshua Benoliel, 1911.
Imagem: Hemeroteca Digital


(1) Brandão, Raul, Memórias, Vol. I, Porto, Renascença Portuguesa, 1919
(2) Illustração Portuguesa, n.° 263, 6 de março 1911