quarta-feira, 29 de agosto de 2018

A Clínica do Povo

Por iniciativa da L.U.A.R. (Liga de União e Acção Revolucionária) e com o apoio e "empurrão" do povo, o palácio de José Gomes, na Cova da Piedade, foi tomado. No desabitado e inútil palácio foi instalada uma clinica comunitária materno-infantil ao serviço das massas trabalhadoras mais desfavorecidas.

Fachada do palácio tomado pela L.U.A.R. (detalhe).
portadaloja

A Cova da Piedade e mais concretarnente o Palácio de José Gomes foi escolhido entre os muitos palácios abandonados, desabitados ou subaproveitados, que ainda existem por este País para a instalaçãoo da primeira clínica popular materno-infantil do País.

Concordamos que a designação que transformou uma desabitada e requintada construção do século XIX num edifício para exclusivo serviço das massas trabalhadoras é capaz de ferir sensithlídade das opulentos do século XX.

Fachada do palácio tomado pela L.U.A.R. (detalhe).
portadaloja

José Gomes, o homem que o engenho e a "eterna" gratidão perpetuou em estátua de bronze no pequeno jardim no Largo 5 de Outubro  — em frente seu palacete  — se deixasse o céu (deve ser lá que se encontram os que suavizaram os "pobres" explorados), teria certamente agradecido L.U.A.R. por ter salvo o seu palácio da ruína, talvez mesmo da pilhagem e com certeza da escandalosa inutilidade.

Os seus herdeiros — cidadãos de um País que segundo as vozes oficiais e oficiosas não possui instalações suficientes e apropriadas para que as reformas (do ensino, da saúde, da habitação...) se possam iniciar com "a urgèncra e necessidades desejadas", — tinham há 14 anos abandonado o senhoril palacete, sem contudo renunciarem ao requintado recheio, como fiéis e legitimos prolongadores de uma herança acumulada numa zona habitada por trabalhadores.

Foi este palácio, de 32 salas com 3 pisos e uma pequena e bem tratada quinta —  nurna vila onde apenas existe um hospital — com urna população de 20 mil crianças e igual número de mulheres casadas. que. no dia 28, pelas 17 horas e 30 minutos, a L.U.A.R. (Liga de Unidade e Accão Revolucionária) tomou com o apoio e "empurrão" da população trabalhadora.

Esta foto não foi tomada no Museu dos Coches...
portadaloja

Estava dessa forma aplaudida a concretização de uma ideia nascida pela visão da opulência e do esbanjamento e pela vivéncaa de carências e exploração humana. 

São de Ferrando Pereira, responsável da L.U.A.R. na zona, as palavras que transcrevemos: 

"A acção que reabrimos nasceu de uma conversa que tive no Verão passado, com um casal francês que nos visitou. A construção do palácio prendeu-lhes a atenção, e, quando. souberam que estava desabitado, a senhora exclamou: "Que magnifíca clínica para parturientes." A partir dessa altura comecei a convencer os colegas da L.U.A.R. e a espalhar a ideia entre algumas pessoas da populacão".

Se a adesão dos militante da organização foi rápida, pois todas as outras alternativas que surgiram se enquadravam na linha da utilização do edifício para servir o povo trabalhador, já um pouco mais moroso foi no respeitante a uma parte da população. 

Para os privilegiados eram já conhecidos os possíveis destinos do glorioso palacete.

À herdeira, Fernanda Faria de Carvalho, uma senhora que mora na Avenida Sidónio Pais, de Lisboa, era-lhe mais grato saber que a sua herança iria servir para Museu, residència de embaixador ou para Paços do Concelho.

Mas não eram esses os desígnios dos homens que sentem e vivem no pulsar acelerado de uma vila de trabalhadores óptimas condições para ali serem implantados os alicerces do um serviço de saúde voltado para as reais necessidades dos moradora e não para a "massa" dos trabalhadores-habitantes. 

Nesta cozinha se prepararam fartos e opíparos manjares. Agora preparam-se refeições para o pessoal em serviço.
portadaloja

Num comunicado divulgado à população a L.U.A.R. clarifica as intenções e objectivos revolucionários da tomada do palacete: 

O objectivo é transformar este magnífico palácio, inútil e amplo, numa clínica comunitária materno-infantil administrada exclusivamente pelos populares.

Boletim informativo da LUAR n° 1, outubro 1975.
1969 Revolucão Ressaca

Com os recursos precários de que se dispunha, foi posto a funcionar, tendo acorrido pessoas com crianças, que foram atendidas gratuitamente por alguns médicos que apoiam esta iniciativa. 

Pretende-se com esta acção lançar as ideias básicas de um Serviço Nacional de Saúde ao serviço das massas trabalhadoras mais desfavorecidas e controlado por elas. 

É evidente que acções como esta náo terão significado se não se alargarem à populaçáo de todo o País, se não assumirem uma forma poder popular (contra-poder popular).

Para que o povo futuramente ganhe o Poder é necessário para já, a n´vel político e económico, haver um controlo efectivo por parte das massas trabalhadoras. 

É aqui que surge a necessidade dos contrapoderes populares, significando isto que ern regime da exploração cápitalista quem comanda o Poder não pode servir o povo..."

"SERVIR O POVO" 

A clínica cornunitária materno-infantil já está a funcionar. Diariamente, aproximadamente 20 pessoas são gratuitamente recebidas pelos serviços clínicos — pediatria e clínica geral — assegurados por 4 médicos e enfermeiros que livremente puseram as suas horas disponíveis e os seus recursos ao serviço da revolução económico-social.

O dr. Açucena, pediatra que aderiu, ainda no tempo da incubação do ideia, à tomada do palácio e desde e primeira hora presta assistência clínica disse-nos: 

Como médico municipal que sou tinha de aderir e sempre aderi a iniciativas de carácter humanitário. Não sou um militante da L.U.A.R. mas sim um médico progressista.

Dr. Açucena numa consulta de pediatria na clínica popular materno-infantil ao serviço exclusivo das massas trabalhadoras.
portadaloja

A uma pergunta que lhe fizemos sobre a viabilidade de urna assistência médica contínua e progressiva — o que implica maior aderència da parte de médicos que queiram pôr verdadeiramente a medicina ao serviço do povo — disse-nos: 

Há ainda alguns médicos que põem certas reticências em virtude do modo como os serviços foram iniciados, preferindo aguardar uma legalizaçáo.

De qualquer modo contamos para já com médicos suficientes para não só dar concretização a urna ideia que nasceu de uma organização revolucionária mas também para alargar a clínrca a outros serviços médicos indispensáveis nesta zona. O que está em jogo nesta altura é querer ou não servir o povo trabalhador.

Por enquanto apenas as salas do rés-do-chão estão a ser utilizadas. Brevemente outras salas serão utilizadas para instaurar um serviço de obstetrícia e ginecologia.

O recheio, revelador ainda de uma opulência ali vivida, está devidamente inventariado e guardado em salas fechadas.

Interior de uma das salas requintadas do palácio que foi pertença de José Gomes.
portadaloja

Os militantes da L.U.A.R. esperam, e fazem esforços nosso sentido, que no prazo de uns mês a população da vila, em Assembleia, nomeie uma Comissão que tome conta de clinica comunitária materno-infantil e vigie para que ela cumpra a missão a que está destinada. 

"Os dados foram lançados".  É ao povo da Cova da Piedade que cumpre assumir e desenvolver contra a exploração Capitalista, que tem sido longa e tudo nos leva a supor que será dura.

Se podemos dizer que a L.U.A.R. deu o exemplo, é ao povo que compete extirpar do seu seio as formas parasitárias e exploradoras que continuam e travar e marcha para o socialismo. 

Joaquim António Aguiar, sentado de fronte da estátua de bronze do benemérito José Gomes, tentando recuperar as energias gastas ao longo dos seus 75 anos do vida, revelou-nos as suas impressões que coincidem com muitas outras opinióes que auscultámos.

Isto foi muito bem feito. Não se admite que uma casa destas estivesse aos ratos. Mas ainda aí há mais casas que precisam do ser arejadas. 

De facto outros casas já foram arejadas e transformadas em instalaçõeses de serviço público. Na Parede, no Barreiro o ern Lisboa o exemplo dado pela L.U.A.R. em conjunto com a pooulacão do Cova da Piedade produziram fruto  um fruto que é bem digerido pela debilitada população. 

Ouçamos alguns dos depoimentos que recolhemos durante uma consulta na clinica popular materno-infantil da Cova da Piedade, que tem funcionado diariamente das 16 às 20 horas. 

Sala de espera da nova clínica materno-infantil da Cova da Piedade.
portadaloja

Luísa Miranda do Jesus tem 23 anos e veio há dois meses de Mocambique:

Cheguei há pouco tempo de Moçambique e como a vida está cara e eu estou sem dinheiro trouxe o rnenino aqui para ser consultado. 

Maria de Lourdes Pires chegou há dois meses de Angola. Tem 26 anos e 2 filhos:

A criança estava tratamento em Angola, mas quando cheguei tive de parar o tratamento. Não me era possível recorrer aqui a um especialista de pele, que não são tão baratos como isso. 

Estrudes Maria Tavares explica porque optou pela clínica popular:

Anteriormente ia a urn consultório, era atendida à pressa e pagava 150$00 cada consulta. É a segunda vez quo trago aqui o meu filho e além de ser de graça parece-me que consultam melhor. 

Maria Amélia tem 46 anos. Disse ser doméstica e mal atendida nas "Caixas":

Vim aqui porque o meu marido não pode pagar para eu levar o filho a um medico particular. Na Caixa não nos atendem como deve ser. Passam o tempo a fazer croché. A minha filha já por três vezes que tirou análises, mas nunca mais aparecem. O médico bom a, pode, mas elas não as conseguem encontrar.

Felicidade Mendes, com o mais novo dos 3 filhos ao regaço, contou-nos: 

Estou cheia de ir aos médicos. Agora venho aqui para ver se me curam a menina. Tirei-lhe análises na Estefânia e disseram-me que tinha uma inflamação. Só mandam mudar do leite o mais nada. Fui a um médico particular. paguei 200$00. pata me dizer: "Não encontro nada, não sei porque não come". 

portadaloja

O que eles querem é servir-se dos nossos filhos para estudarem. Façam isso com os filhos deles. (1)

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Os estrangeiros que vieram para Portugal no pós-25 de Abril participaram nas mais diversas actividades. Lembro-me, por exemplo, que a certa altura o grafismo e a paginação do jornal do MES (Movimento de Esquerda Socialista) foram obra de um artista gráfico inglês, ou que na Clínica Popular da Cova da Piedade (freguesia do concelho de Almada), havia vários médicos estrangeiros voluntários. 

Cova da Piedade, palacete António José Gomes (detalhe).

Esta Clínica foi criada em Setembro de 1974 por militantes da LUAR e do PRP, mas dela faziam parte sobretudo independentes, em particular estrangeiros.

A Clínica, instalada num antigo palacete abandonado pelos donos, começou como centro de planeamento familiar que dava informação e aconselhamento sobre medidas anticoncepcionais. Tinha uma permanência aberta 24 horas por dia e acorriam ali muitas pessoas da zona, sobretudo mulheres, muitas das quais puderam resolver gratuitamente os seus problemas, e em 1975 começou a ter consultas de medicina e abriu um infantário. 

As pessoas pagavam apenas, numa caixa de papelão à saída, o que achavam que podiam e deviam pagar, e alguns dos médicos, sobretudo os estrangeiros, estavam ali alojados em instalações improvisadas. 

Tal como muitas outras iniciativas semelhantes, a Clínica foi encerrada por imposição militar após o contragolpe do 25 de Novembro. 

A cineasta Margarida Gil, em 1975, fez o seu segundo filme sobre essa clinica, intitulado Clinica Comunal Popular de Cova da Piedade, e teve grandes elogios no festival de cinema de Leipzig, na Alemanha. (2)

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Clinique Populaire de Cova da Piedade 

L'occupation s'est faite après une intense campagne de popularisation sur le quartier. L'occupation elle-même a été faite par 150 militants de la L.U.A.R. et la participation des habitants du quartier.

Critique Socialiste 25, Paris, Syros, 1976
Gallica

L'aménagement de la clinique, les réparations ont été effectuées par des gens du quartier, des usines avoisinantes et des militants.

Le jour même de l'occupation, une imprimerie fournissait à la clinique enveloppes et ordonnances à en-tête de la clinique populaire.

Le matériel de radioscopie a été payé par les travailleurs de la Lisnave, celui d'anesthésie par les travailleurs de la mairie. Pour faire fonctionner la clinique, il est demandé aux utilisateurs une cotisation de 30 escudos par mois (une consultation en médecine libérale coûte 150 escudos). Ensuite tous les soins sont gratuits. Ils sont assurés par 12 médecins et infirmières qui travaillent bénévolement. Il était prévu par la suite un salaire égal pour tous.

Les médicaments sont fournis par la population ou par les travailleurs des laboratoires pharmaceutiques.

Les habitants du quartier sont très vite venus consulter à la clinique qui assurait au mois de juillet 60 à 90 consultations par jour.

Au cours de la consultation, on explique au malade les causes de sa maladie, la nature des médicaments qui lui sont prescrits.

Toutes les consultations de gynécologie sont suivies d'un entretien entre la malade et une assistante sociale. Il existe une équipe de planning et d'hygiène. Elles se déplacent dans les usines et les bidonvilles. Enfin dans le cadre de la consultation de planning, il est pratiqué la pose de stérilet, des avortements et la prescription de pilules.

Sur le plan de la gestion, il y avait au mois de juillet une réunion par semaine entre les médecins, le personnel et des militants de la L.U.A.R.

La commission de gestion était composée de militants de la L.U.A.R. Nous ne savons si le projet d'élection d'une commission composée de travailleurs et d'habitants a été réalisé. Mais il semble que le projet initial d'intervention populaire n'a pu se développer conformément aux espoirs des promoteurs et que l'action de la clinique soit restée dans les schémas classiques. (3)


(1) Joaquim Gaio, Século Ilustrado, 15 de março de 1975 (ref. portadaloja)
(2) Os estrangeiros na revolução social do 25 de Abril
(3) Parti socialiste unifié (France), Critique Socialiste, Paris, Syros, 1976


Informação relacionada:
Syringues are the new weapons in the Portuguese revolution, New Scientist, 11 March 1976
Margarida Gil, Clínica Comunal Popular de Cova da Piedade, documentário, P/B, 16 m.

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Almada no espólio do arquitecto Cassiano Branco

Esta documentação é constituída exclusivamente fotografias a preto e branco, de dimensões variadas.

Panorâmica parcial de Almada do lado nascente, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

É percetível, em alguns casos, o cuidado de Cassiano Branco em agrupar as fotografias de acordo com os temas que abordam.

Traseiras em ruínas do palácio dos marqueses da Fronteira, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Nestes casos, elas encontram-se coladas em cartão, e referem assuntos que vão desde a estatuária à ourivesaria, passando pela arquitetura militar e religiosa.

Porta antiga posteriormente emparedada do palácio dos marqueses de Fronteira,
espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

A variedade e a heterogeneidade com que estes conjuntos se apresentam impediram a distinção dos mesmos, daí que, na sua maioria, os documentos se apresentem soltos e dispersos. 

Miradouro com vista sobre o rio Tejo em Almada tendo ao fundo parte de Lisboa, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Várias cidades portuguesas estão aqui representadas. Contudo, é Lisboa que se encontra melhor testemunhada, ocupando uma percentagem considerável das fotografias da coleção de Cassiano Branco. 

Perspetiva geral de um miradouro em Almada tendo por fundo Lisboa, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Encontram-se retratados aspetos do seu quotidiano, as suas ruas, jardins e vistas panorâmicas. Este documento composto comporta também negativos, alguns em vidro. 

Miradouro em Almada com vista sobre o rio Tejo e Lisboa, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Existem ainda fotografias integradas noutras séries por se relacionar diretamente com os projetos aí considerados. (1)

Miradouro em Almada com vista sobre o rio Tejo e Lisboa, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

À semelhança do que se passa com a coleção de fotografias, também nos postais (reproduzidos tanto por método fotográfico quanto por método fotomecânico) é notória uma tentativa de ordenamento patente nas colagens que, em alguns casos, foram efetuadas em cartão.

Miradouro em Almada assente em terreno rochoso à beira do rio Tejo tendo por fundo Lisboa, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Apesar de, tal como sucedeu com as fotografias, não se terem elaborado documentos compostos temáticos, é possível descortinar alguns temas privilegiados, como por exemplo: museus, mosteiros, gravuras antigas, postais humorísticos da II.ª Guerra Mundial, naturezas mortas, e ainda várias cidades portuguesas e estrangeiras vistas nos seus múltiplos aspetos.

Miradouro em Almada assente em terreno rochoso à beira do rio Tejo tendo por fundo Lisboa,
espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Merecem também destaque os postais de autor, como os de Eduardo Portugal, Coleção Passaporte, Edições Costa, J. Bárcia, Casa Sucena, entre outros. (2)

Cruzeiro do interior do convento de São Paulo tendo por fundo o rio Tejo e parte de Almada, espólio Cassiano Branco.
[cf. Illustração Portugueza, 1911]
Arquivo Municipal de Lisboa

A documentação, produzida e acumulada no âmbito da atividade exercida pelo arquiteto Cassiano Branco, foi adquirida pela Câmara Municipal de Lisboa, em 1990. 

Interior do seminário de São Paulo em Almada, espólio Cassiano Branco.
[original de Eduardo Portugal]
Arquivo Municipal de Lisboa

Encontra-se atualmente à guarda do Arquivo Municipal de Lisboa, que a detém, em regime de usufruto e de propriedade jurídica.

Interior do seminário de São Paulo em Almada, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Cassiano Branco, filho de Cassiano José Branco e de Maria de Assunção Viriato, nasceu em Lisboa, a 13 de agosto de 1897, na rua do Telhal, junto aos Restauradores, no começo da avenida da Liberdade, para a qual desenhou alguns dos seus projetos mais emblemáticos. Iniciou o percurso de instrução em 1903, na primária e, posteriormente, em 1912, no liceu.

Painel de azulejos com figuras religiosas do convento de S. Paulo em Almada,
espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Matriculou-se, pela primeira vez, em 1919, na Escola de Belas-Artes de Lisboa, tendo interrompido a frequência, para ingressar no Ensino Técnico-Industrial, provavelmente, desiludido com o ensino baseado no modelo francês, desatualizado em relação ao pensamento teórico e projetual vanguardista produzido em Itália, Reino Unido, Alemanha e União Soviética.

Fonte do seminário de São Paulo, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Regressado de Paris, onde esteve na Exposition Internationale des Arts Décoratifs et Industriels, em 1925, Cassiano Branco, iniciou o seu percurso profissional como arquiteto diplomado, no ano seguinte.(3)

Panorâmica parcial de Almada tendo por fundo o rio Tejo, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Todavia, a sua atividade projetual começou em 1921, com uma proposta para o mercado municipal da Sertã, no qual evidenciou uma estilística de raiz clássica, reflexo da sua formação académica na Escola de Belas-Artes de Lisboa. 

Largo do Espírito Santo, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Em 1929, Cassiano Branco recebeu a encomenda para intervir em duas salas de espetáculos: o Coliseu dos Recreios e o Éden Teatro.

Rua Dr Francisco Inácio Lopes, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

No primeiro caso, tratou-se de um projeto de alterações a efetuar nos corredores, no palco e na cúpula.

A velha travessa do Espírito Santo, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Já o trabalho a desenvolver no teatro, foi bastante mais controverso e ambicioso, mormente a ampliação desse espaço, com o duplo objetivo de tornar possível a exibição do cinema sonoro e de aumentar o número de espetadores.

Entrada do pátio do Prior do Crato em Almada, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Tendo sido, possivelmente, a obra mais emblemática de Cassiano Branco e um dos marcos na arquitetura moderna portuguesa, o projeto do Éden Teatro, apenas inaugurado a 1 de abril de 1937, foi, contudo, atribuído ao engenheiro civil Alberto Alves Gama e ao arquiteto Carlos Dias, seu colaborador, que o concluiu.

Entrada do pátio do Prior do Crato em Almada, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Apesar dos elementos mais notáveis das alterações efetuadas ao Éden Teatro poderem ser encontrados nas duas primeiras propostas de Cassiano Branco, o arquiteto, nunca reivindicou a sua autoria, pese esta ser unânime entre os estudiosos da sua obra.

Azulejos do Patio do Prior, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Ainda numa fase inicial da sua vasta e multifacetada trajetória, Cassiano Branco, com apenas 32 anos, apresentou, em 1930, dois dos seus projetos mais ambiciosos e vanguardistas, mas que nunca passaram do papel: o plano de urbanização da Costa da Caparica e a Cidade do Cinema Português, em Cascais. 

Excluído das encomendas oficiais, a parte mais substancial da obra de Cassiano Branco, proveio de clientes particulares e de construtores civis, predominantemente, através de encomendas de prédios de rendimento, a integrar em malhas urbanas consolidadas.

Calçada da Barroquinha do Barroquinho, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

A partir de 1938, foram raros os prédios em Lisboa assinados por ele, presumivelmente, por ter estado, a partir dessa data, ocupado com os projetos do Grande Hotel do Luso e do Coliseu do Porto, para lá do trabalho que iniciara no Portugal dos Pequenitos, em 1937.

O Coliseu do Porto, com o qual Cassiano Branco encerrou a sua atividade projetual, nos anos 30, afirmou-se como uma obra de síntese, de grande maturidade estilística e de plena modernidade. Porém, após a Exposição do Mundo Português, em 1940, iniciou uma nova fase, que atravessou os anos 40, visivelmente marcada pela falta de trabalho e de quase total abandono de programas arquitetónicos de feição moderna que, no decénio anterior, haviam sido expoente máximo em Portugal.

Perspetiva da rua da Judiaria tendo por fundo o palácio de frei Luís de Sousa em Almada,
espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Nos anos 50, a carreira de Cassiano Branco foi objeto de adversidade, ao terem-lhe recusado dois projetos, respetivamente, o do hotel Infante de Sagres, em 1950 e o de ampliação do edifício da sede da Junta Nacional do Vinho, em 1957. Ambos revelaram uma tentativa, por parte do arquiteto, de integração numa estílica moderna, objetivo, que não obstante o esforço, não foi concretizado.

Perspectiva da rua da Judiaria em Almada, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Na década de 60, Cassiano Branco elaborou alguns projetos, em que demonstrou um último ensejo de concordância com a arquitetura de influência internacional, como a segunda proposta de ampliação do edifício da sede da Junta Nacional do Vinho, em Lisboa, assim como os projetos para o posto fronteiriço de Galegos, em Marvão, para o Grémio do Comércio dos Concelhos de Torres Vedras, Cadaval e Sobral de Monte Agraço, para o edifício para os Correios, Telefones e Telégrafos (CTT), em Portimão, e ainda, os estudos realizados para um edifício na Rebelva, na Parede, entre outros.

Perspetiva da rua da Judiaria com prédios nos dois lados em Almada,
espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Ainda assim, nenhum do edificado projetado acabou por ser construído. Para além dos exemplos anteriores, a alternância entre um ecletismo de inspiração tradicional e de inspiração moderna, ficou mais uma vez assinalada, no último projeto de Cassiano Branco, para o concurso público do Banco de Portugal, da agência de Évora. A solução apresentada foi, mais uma vez, reprovada e constituiu um derradeiro exemplo da ambiguidade que marcou a sua obra desde 1940.

A prolixa e diversificada obra de Cassiano Branco, de grande riqueza formal, desenvolvida entre meados dos anos 20 e o final da década de 1960, consagrou-o como um dos arquitetos que, mais indelevelmente, marcou a primeira geração moderna.

Fachada principal da igreja de São Tiago, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

Embora não tenha feito parte do grupo de pioneiros do modernismo, é inegável a sua importância na história da arquitetura portuguesa, da primeira metade do século XX, tendo sido, seguramente, um dos mais conhecidos e estudados.

Perspectiva da rua Direita observando-se ao fundo a torre dos paços do concelho da câmara municipal de Almada,
espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

O contexto histórico da sua vasta e notável obra, associado à sua personalidade, é indispensável, para compreender a complexidade de um percurso, muitas vezes polémico, que, iniciado no período pré-modernista da Primeira República, tendeu a ser interpretado à luz da Modernismo e do Português Suave.

Travessa e Igreja do Bom Sucesso, espólio Cassiano Branco.
Arquivo Municipal de Lisboa

De facto, foi possível distinguir claramente na obra de Cassiano Branco duas fases distintas. A primeira, iniciada pouco depois de concluir a sua licenciatura, perdurou até finais dos anos 30 do século XX e caraterizou-se por projetos de extrema criatividade como o hotel Vitória e o Éden Teatro, que lhe conferiram reconhecimento como um dos mais importantes arquitetos modernos a nível nacional.

Castelo de Almada em 1666, espólio Cassiano Branco.
[segundo Alain Manesson Mallet]
Arquivo Municipal de Lisboa

A segunda fase, na década de 40, revelou uma cedência ao estilo normalmente apelidado de Arquitetura do Estado Novo, impedindo-o de expressar a matriz inovadora dos primeiros anos. Cassiano Branco faleceu em Lisboa, a 24 de abril de 1970.


(1) Arquivo Municipal de Lisboa
(2) Idem
(3) Idem, ibidem

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Sobre o projecto de Cassiano Branco

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