segunda-feira, 27 de abril de 2015

Música velha, música nova

Em 1846, reinava ainda D. Maria II, havia na vila de Almada, num pátio chamado da Boca de Vento, uma sociedade musical conhecida pela dos Cabralistas.

Pátio do Prior, Júlio Diniz, década de 1950.
Imagem: Visita Virtual Rotas de Almada

Corriam os tempos impetuosos para a politica em que Cabral governava absoluto e tirânico e os partidos monárquicos agitavam-se convulsionados.

Saldanha, que era contrário à politica daquele João Franco doutras eras, fora a Almada, afim de preparar com os seus amigos e influentes, uma manifestação popular, em harmonia com as suas ideias e princípios.

Agitaram-se as multidões, houve quase lutas com os partidos oposicionistas, quando alguém se lembrou de ir com os seus partidos pedir a Cabralista para acompanhar a manifestacão.

Esta, obedecendo à politica interna dos seus influentes, negou-se, mas à noite, como se visse coagida por outros elementos, apareceu a tocar na antiga praça ou largo de Almada, hoje praca de Camões.

Almada, rua Direita, década de 1890.
Imagem: Hemeroteca Digital

Assim que começou tocando, houve grande tumulto, choveram as pedras sobre os executantes, e a música teve de fugir, acabando os sócios com a Cabralista, pouco depois, para evitar novos dissabores.

Dois anos se passaram e, em princípios, de 1848, diversos rapazes principiaram a falar em fundar uma sociedade musical, mas lutavam com falta de dinheiro. Compraram uma cautela de sociedade, saiu com o mesmo dinheiro e com este compraram outra que saiu branca. Começaram então a cotizar-se semanalmente e foram fazendo o pé de meia, até que em 1 de Outubro, inauguraram uma sociedade musical. Faltava o titulo e uma vez, em converse, um dos assistentes mais cepticos disse:
— Uma sociedade em Almada?! Não vai avante!... Era uma coisa incrível!....
— Pois há-de ser esse o titulo — respondeu um dos seus fundadores. Fica sendo a Incrivel Almadense!

Sociedade Filarmónica Incrível Almadense.
Imagem: Restos de Colecção

E com este nome ficou até o presente. Foi seu primeiro regente o mestre da banda de Caçadores 5, sr. Pavia, que criando amor a sociedade, em pouco tempo a tomou florescente. Os partidários e influentes politicos da terra, como quisessem servir-se dela para fins eleiçoeiros, e como fossem banidos, porque a politica tinha sido posta de parte desde a sua fundação, reuniram-se e deliberaram formar em Cacilhas uma outra sociedade, o que fizeram, intimando os seus operários a deixarem a Incrível, sob pena de despedimento das suas oficinas e obrigando-os a entrarem na Cacilheira.

Foi um golpe quase de morte para a Incrível. Ficaram apenas com 11 sócios, sendo 7 da música e 4 contribuintes...

Quando todos esperavam vê-la morrer, aparece, mesmo doente, o mestre Pavia que enche os lugares vagos de rapazes, ensina-lhes música, ensaia-os, e, num domingo de Ramos, quando na procissão devia aparecer pela primeira vez em público a banda Cacilheira, aparece de repente a Incrível, com fardamenfos novos comprados a expensas do seu mestre, tocando e desafiando, com mocidade e amor próprio dos executantes, os transfugas que a queriam aniquilar. Mas para chegar a esse ponto o que não custou!... Havia da parte desses 7 homens, que se tinham mantido fiéis, abnegação de não arriar a bandeira da Incrível; e, para iludir a toda a gente, davam ensaios à noite, tocando instrumentos diversos, fazendo barulho, enquanto os rapazes não sabiam solfejar!...

Banda da Incrível Almadense, c. 1894 - 1896.
Imagem: Restos de Colecção

E venceram. Até que um dia, a Sociedade dos ricos, a de Cacilhas, morreu pela falta de capricho, pois que só fora fundada com intuitos malévolos. Os músicos e sócios que então a tinham abandonado, forçados pela ameaça, tornaram a entrar novamente na sua Incrível, mas desta vez para sempre com firmeza e dignidade.

Vinte e dois anos depois, uma nova cisão se dá na banda. Saem sócios executantes também e funda-se em Almada, desses elementos dissidentes, a Academia Instrução e Recreio Familiar Almadense, que actualmente conta 30 anos de existência.

E nesta data que a Incrível começa a ser apelidada pela Sociedade Velha, enquanto que a Academia é conhecida pela Sociedade Nova. (1)

[...] por volta de 1894 (tinha José Maria de Oliveira 41 anos de idade), um conflito que originou uma cisão entre os associados da Incrível Almadense. Mas explica-se porquê:

José Maria de Oliveira (1853 - 1898).
Imagem: Homens e Mulheres vinculados às terras de Almada

O nosso biografado e outros incríveis opinavam pela obtenção de um novo edifício para sede social da colectividade. As instalações utilizadas há anos eram exíguas para novos e urgentes empreendimentos. Havia um prédio que interessava. Mas esse edifício era igualmente disputado pela direcção da Cooperativa Almadense (esta fundada em 1891). E quando José Maria de Oliveira. que tinha o prédio apalavrado com o proprietário em nome da Incrível, se dirigiu com o dinheiro para efectuar a transacção, verificou que o edifício pertencia já à Cooperativa, constituida, na sua maioria, por associados da Incrível...

Após a tradicional procissão da Senhora do Bom-Sucesso, em Cacilhas. a 1 de Novembro de 1894, José Maria de Oliveira e outros associados da velha colectividade, uma vez cumpridos todos os compromissos assumidos perante a banda musical, abandonaram a Incrível.

Daqui resultou a fundação da Academia de Instrução e Recreio Familiar AImadense. Assim, a 27 de Março do ano seguinte (cinco meses depois), nascia em Almada uma nova e importante colectividade [...]

Academia de Instrução e Recreio Familiar Almadense.
Imagem: A.I.R.F.A.

Quando a banda da Academia saiu pela primeira vez [22 de março de 1896] e foi cumprimentar a congénere mais velha encontrou todas as janelas e portas cerradas.

Banda da Academia de Instrução e Recreio Familiar Almadense, 1925
Imagem: Restos de Colecção

Edifício sede da Incrível Almadense — Sede da colectividade situada na avenida Gomes Neto (actual av. Heliodoro Salgado), fazia esquina com a actual rua Carvalho Serra,  em 1898.

Edifício sede da Incrível Almadense e habitação de José Carlos de Melo de 1938 a 1959.
Imagem: Castanheira, Alexandre, Romeu Correia, Memória Viva de Almada

Este corte de relações iria durar 53 anos. A reconciliação das duas colectividades teve lugar no dia 1 de Outubro de 1948, ano do Centenário da Incrível. (2)

Almada, Edifício do Cine Teatro Incrível Almadense, Mário Novais,1946.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

A aula de mestre Damião era um cubículo da velha Incrível, lugar dos armários do arquivo da Banda, anexo ao bulhento gabinete da Direcção. As terças e sábados. o septuagenario subia a escada no seu passo alquebrado, estacionando no primeiro patamar, a renovar fôlego para trepar os restantes degraus. Raramente faltava. E, quando o rapazio pressentia que passavam alguns minutos da hora marcada, repetia logo: "O velhadas está pior da quebradura!".

Banda da Incrível Almadense com o maestro Manuel da Silva Dionísio, nas comemorações do 100º aniversário, em 1948.
Imagem: Restos de Colecção

Era magro, afilado, guedelhas brancas e olhar vivo. Arrastava uma perna, dava saliência as ancas, curvava o tronco adiante da linha dos pés. Desprovido de abalos e de conforto. aparecia, em muitas noites de chuva, encharcado, triste de figura, a ponto de provocar compaixão aos rapazes. Residia na Rua da Judiaria, num vago casebre, onde reunia, numa balbúrdia de pocilga, os seus parcos tarecos caseiros com a tralha do ofício. O banco de carpinteiro servia muitas vezes de mesa de cozinha, de refeitório, de cabide para roupas — e era lá que lia também o jornal e tratava da gaiola do pássaro. Vivia rodeado de recordações: fotografias e programas encaixilhados, suspensos das paredes-relíquias amarelecidas. Enviuvara há muito. Filhos, perdera-os tambem na voragem do tempo. Restava a sua arte, a menina dos seus olhos, a paixão de uma vida toda: a Música.

A ela dedicara o melhor do seu entusiasmo, todo o seu vigor. A Incrível tinha-o desde catraio. Quase medrara sob os seus tectos. Seu pai, executante da Banda, logo o metera ao solfejo, antes de as suas maos manobrarem a plaina e o formão. Durante largos anos, cumpriu a tradição da familia. Foi contramestre, director da Banda, e ocupou numerosos cargos no quadro directivo da colectividade. Mas, mais do que tudo isto um motivo havia que o tornara venerávei no meio associativo: ser o único sobrevivente da famigerada cisão — a rixa que originara a fundação da Outra. Damião fora dos teimosos, dos poucos do finca-pé ao Zé Maria d'Oliveira e quejandos. Dias heroicos, inesquecíveis!

Desfalcada, sem recursos, a colectividade estivera prestes a soçobrar. Meses de comédia, de vida artificial— mesmo depois de a Academia surgir pelas ruas, com pessoal fardado e a tocar. Debelada a crise, regressados alguns desavindos, novos candidatos preencheram a proposta... E a vida associativa serenou.

Morreram companheiros, amigos, discípulos. Melhoraram-se instalações, ampliaram-se beneficios — caprichando-se sempre por fazer mais do que na Outra. Grupo cénico, escola de músisa, orfeão, concertos, arraiais, passeios terrestres e marítimos — assinalavam actividades memoráveis. O cunho familiar predominava no espirito de associação. E, embora as relações entre as rivais fossem tensas, o movimento associativo criava ramificações por toda a vila. Recreio, cooperativismo, socorros mútuos, humanitariamo, desporto — borbotaram a cada necessidade da grei.

Envelhecido. pálida sombra do que fora, Damião entregara o instrumento e a farda, incapaz de aguentar o andamento de uma marcha. Caducara, é certo, mas jamais abandonaria a menina dos seus olhos... Os seus ensinamentos, a sua paciência, seriam preciosos para a gente nova. Enquanto as secas pernas lhe permitissem sair de casa para vir aturar os rapazes, a sua contribuição não cessaria. E, naquela noite, subiu a escada com muito esforço; fez paragens, resfolegou, mas ainda entrou a horas:
— Boa noite.
Os aprendizes vieram da sala de Jogos e corresponderam a saudação:

José Carlos Lírio (1870 - 1954), o mestre Damião em Os Tanoeiros de Romeu Correia.
Imagem: Homens e Mulheres vinculados às terras de Almada

— Boa noite, mestre Damião! (3)


(1) Francisco José da Silva (1884 - 1949) citado em Correia, Romeu, Homens e Mulheres vinculados às terras de Almada, (nas Artes, nas Letras e nas Ciências), Almada, Câmara Municipal de Almada, 1978, 316 págs.
(2) Correia, Romeu, Homens e Mulheres vinculados às terras de Almada, (nas Artes, nas Letras e nas Ciências), Almada, Câmara Municipal de Almada, 1978, 316 págs.
(3) Correia, Romeu, Os Tanoeiros, Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 1976.

sábado, 25 de abril de 2015

Sábado sem Sol

EIS-NOS perante um facto que não pode deixar de nos causar certa alegria: Romeu Correia, um jovem auto-didata cuja experiencia da arte de escrever era quase nula e cuja cultura tem sido adquirida, em ande parte, nas bibliotecas populares da sua terra, publica um volume de contos que é, sob vários aspectos, digno da maior atenção. Na verdade se Romeu Correia produziu obra onde não e difícil apontar erros e deficiências, o certo e que o seu livro é também a demonstração inequívoca de reais qualidades que injustiça seria não destacar.

Sábado sem Sol, 1947, ilustração Fernando Camarinha.
Imagem: Tertúlia Bibliófila

"Consolador" será, talvez, o adjectivo mais apropriado para caracterizar este "Sábado sem Sol". É que, apesar de todos os senões, ele é a prova clara de que estamos perante um jovem escritor que soube encontrar na vida do povo os motivos e a razão dos seus contos; que conhece e sente os ambientes que descreve.

Julgamos não haver, da parte do autor, apenas uma adesão sentimental ou ideológica às vidas que palpitam e sofrem nas páginas do seu livro; mas sim uma identificação do autor com essas vidas — o sentir seus, também, os dramas e as esperanças dessa gente — o que nos parece constituir uma das mais importantes condições para a realização de uma literatura sincera e humana e não uma literatura que seja um mero reflexo do que é moda fazer-se.

Romeu Correia está ainda longe, como e fácil de ver, daquela maturidade artistica e intelectual que lhe permita escrever uma obra sólida e duradoira. Contudo, este seu "Sábado sem Sol" dá-nos a esperança de que talvez isso venha a acontecer. As qualidades nele patentes são razões fortes para assim pensarmos. Os tres melhores contos do volume — "Chegou o carvoeiro ! 

O carvoeiro, Leslie Howard, década de 1930.
Imagem: Museu da Cidade de Almada

Mestra e Novela interrompida" — dizem-nos que o seu autor pode, se souber superar-se por um trabalho sério e constante, vir a escrever obra de valor.

O mesmo não acontece com os outros trabalhos do seu livro, que são, fora de dúvida, de nivel nitidamente inferior ao dos tres atrás citados. Vê-se, através deles, uma fragilidade técnica que os prejudica enormemente, desde a inesperada passagem da terceira para a primeira pessoa, no modo de contar de "Destino. . ." até "O Fogueiro" que mal chega a ser uma crónica a fugir para conto e na qual o desfecho — o aparecimento o filho cadastrado, rico e com uma bela mulher — não tem explicação alguma nem chega a sugerir, com solidez, qualquer hipótese.

Porém, a primeira grande qualidade de Romeu Correia reside na extraordinária habilidade de nos dar um diálogo vivo e natural — coisa que raramente acontece entre os que, como o autor de "Sábado sem Sol", não tem atrás de si uma longa experiencia da arte de escrever. A segunda, o bom aproveitamento de pormenores felizes, o que da aos seus contos a impressão de coisa mais vista do que imaginada. Ora, se e certo que a obra de arte tem de ser criação — e aqui o factor imaginação tem uma inestimável importancia — a verdade é que essa imaginação não terá elementos fecundos e trabalho se não estiver bem assente na observação da realidade. Romeu Correia, ao que nos parece, é senhor de um poder de observação e de um conhecimento dessa realidade que julgamos excelentes. Falta-lhe, talvez, ainda, o poder artístico que lhe permita "recriá-la", de modo a produzir obra que verdadeiramente se possa impor. Romeu Correia está, pois, perante um dilema: ou fica satisfeito com o que fez, ou considera o seu "Sábado sem Sol" como o primeiro passo, balbuciante ainda, o longo e penoso caminho que tem à sua frente. No primeiro caso, nada de inteiramente serio poderá realizar, visto que, apesar das apreciáveis qualidades que nele encontramos, o seu livro está demasiado eivado de imperfeições para que, por si só, possa ter mais do que um momentâneo interesse. No segundo caso — e esta é a única atitude aceitável e a única fecunda — então, sim, tenhamos esperança em Romeu Correia! O artista — o verdadeiro artista — vive em constante insatisfação e em constante desejo de aperfeiçoamento.

Auto de apreensão do livro Sábado Sem Sol, 26 de maio de 1947.
Imagem: Biblioteca da Incrível Almadense

É nesta insatisfação e neste desejo que Romeu Correia poderá encontrar as condições essenciais para se afirmar como escritor. (1)


(1) Costa, Nataniel, MUNDO LITERÁRIO : semanário de crítica e informação literária, científica e artística, Editorial Confluência, 26 de abril de 1947

n.do e.: na mesma edição de Mundo Literário é também publicada poesia de Hélio Quartim.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Lisboa vista do Pragal, na Outra-Banda

Aportando, na Outra-banda, á praia chamada forno do tijolo, por n'ella haver uma fabrica d'este producto, e ganhando o cume da montanha que a domina quasi perpendicularmente, acha-se o viajante n'um logar, conhecido pelo nome de Pragal, d'onde descobre o mais rico e variado panorama.

Lisboa, Vista panorâmica desde Pragal de Cima, ed. Passaporte, 123.
Imagem: Delcampe

Não falta que ver e admirar d'ahi.

Obras da natureza e dos homens, isto é, paizagens amenas e agrestes , serras, planícies, mar, vasto ceo, cidade e monumentos historicos; tudo em larga cópia se lhe desenrola aos olhos maravilhados.

Lissabon, vista tomada de Palença, 1830
Imagem: Mundo do Livro, (Mundo do Livro no Facebook)

Pela esquerda, a barra e o Oceano perdendo-se no infinito dos ecos; á direita, Seixal, Barreiro, e Alcochete, transpirando vagarmente por entre os vapores de longínquos horisontes; a seus pés, a vastidão do Tejo, de cuja superficie, banhada pelos raios de um sol sem rival, parece sair e mover-se luz; na frente, surgindo da aguas prateadas do tranquillo rio, a vistosa, a pittoresca, a invejada Lisboa;

Vista da parte ocidental de Lisboa, Alexandre Jean Noel, início da década de 1790
Imagem: FRESS

ao lado d'esta, desdobrando-se até á barra, uma cumiada de montanhas, onde, por entre o matiz dos campos, se ve o colossal palacio d'Ajuda,

Vista do Tejo e do palácio da Ajuda, Charles Landseer, 1825.
Imagem: Instituto Moreira Salles

o famoso templo dos Jeronimos e a elegante torre de Belem, fallando-nos de riquezas e glorias passadas; para além de tudo , e tudo dominando, a magestosa Cintra, erguendo-se sobre as nuvens, indecisa e vaporosa, como para nos accelerar a cobiça d 'irmos de perto contemplar a maravilha do seu aspecto.

Lisboa, Vista panorâmica de Belém desde Pragal, ed. Passaporte, 124.

Eis a fecunda perspectiva, que do Pragal a vista abraça, e de que a gravura representa uma parte, Lisboa.

Lisboa vista do Pragal, na Outra-Banda, gravura, Nogueira da Silva, 1858.
Imagem: Hemeroteca Digital

Quando o leitor estiver triste aconselhàmol-o a que vá para o Pragal, e se sente no mesmo logar d'onde tirámos o desenho, e cremos que, ao desafogar os olhos e espraiar os sentidos por tão vasto e ma rico panorama, o coração se lhe alliviará. (1)

A ponte sem tabuleiro, c. 1965.
Imagem: Estação Chronográphica


(1) Silva, Nogueira da, Archivo Pittoresco, 2.° Anno, Julho, 1858, págs 4 - 5.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Fragata D. Fernando II e Glória

A Fragata "D. FERNANDO II E GLÓRIA", o último navio de guerra exclusivamente à vela da Marinha Portuguesa e também a última "Nau" a fazer a chamada "carreira da India" verdadeira linha militar regular que, desde o século XVI e durante mais de 3 séculos, fez a ligação entre Portugal e aquela antiga colónia foi o último navio que os estaleiros do antigo Arsenal Real de Marinha de Damão construíram para a nossa Marinha.

Fragata D. Fernando II e Glória, Roger Chapelet (1903 - 1995).
Imagem: flickriver

Sob a supervisão do Guarda-Marinha construtor Naval Gil José da Conceição, foi encarregam da sua construção o mouro Yadó Semogi e nela participaram operários portugueses e indianos.

Fragata D. Fernando II e Glória, Roger Chapelet (1903 - 1995).
Imagem: Revista da Armada,  A recuperação da fragata D. Fernando II e Glória, janeiro 1998

O casco foi construído com madeira de teca proveniente de Nagar-Aveli e, após o lançamento à água, em 22 de Outubro de 1843, foi rebocado para onde aparelhou a galera. A sua construção importou em 100.630 mil réis.

A Fragata recebeu o nome de "D. FERNANDO II E GLÓRIA", não só em homenagem a D. Fernando Saxe Coburgo Gota, marido da Rainha D. Maria II, mas tambem por ter sido entregue à protecção de Nossa Senhora da Glória, de especial devoção entre os goeses.

Fragata D. Fernando II e Glória.
Imagem: Maritima et Mechanika

O navio foi preparado para receber 50 bocas de fogo, sendo 28 na bateria (coberta) e 22 no convés.

A lotação do navio variava consoante a missão a desempenhar, indo do mínimo de 145 homens na viagem inaugural ao máximo de 379 numa viagem de representação [...]

A viagem inaugural, de Goa para Lisboa, leve lugar em 1845 com largada em 2 de Fevereiro e chegada ao Quadro dos Navios de Guerra, no Tejo, em 4 de Julho.

Desde então, foi utilizado em missões de vários tipos até Setembro de 1865, data em que substituiu a Nau Vasco da Gama, como Escola de Artilharia, tendo ainda, em 1878, efectuado uma viagem de instrução de Guarda Marinhas aos Açores [...]

Fragata D.Fernando II e Gloria, 3 de Abril de 1963.
Imagem: Cesto da gávea

Em 1940, depois de ter sido considerado que já não se encontrava em condições de ser utilizado pela Marinha, iniciou uma nova fase da sua vida, passando a servir como sede da Obra Social da Fragata D. Femando, criada para recolher rapazes oriundos de familias de fracos recursos económicos, que ali recebiam instrução escolar e treino de marinharia, facilitando, assim, o seu ingresso nas marinhas de guerra, do comércio e de pesca. (1)

Fragata D. Fernando II e Glória, aguarela de Alberto Cutileiro, Museu da Marinha.
Imagem: Cesto da gávea

Desde finais da década de 40 até meados da década de 70 do século passado, decorreu (inicialmente a bordo de uma velha fragata da Carreira da India e posteriormente em instalações em terra) a Obra Social da Fragata D. Fernando II e Glória.

Fragata D. Fernando II e Gloria, selo de Carlos Alberto Santos, 1997.
Imagem: Tangerino

Em pleno Estado Novo, a Obra parece ter seguido um percurso que acompanhou o próprio sistema político vigente. Recorrendo a um sistema assistencial, educacional e de integração profissional próprios do período, assistiu-se ao crescimento, estagnação e declínio que seguiu o perfil do regime.

Fragata D. Fernando II e Gloria, selo de Carlos Alberto Santos, 1997.
Imagem: Tangerino

Tendo como objetivos principais, a recolha, educação e instrução de rapazes sem família ou sem recursos, a instituição pode, contudo, ter sido muito mais do que estes princípios fundadores previam.

A história da fragata D. Fernando II e Glória, pode dividir-se em várias fases que ilustram as características multifuncionais e multifacetadas que a mesma teve ao longo dos tempos, desde a sua largada de Goa para Lisboa em 1845 até à atualidade.

Assim podemos dividir em sete fases distintas a história do navio:
a) A fase da construção (1832 – 1845, durou 13 anos).
b) A fase operacional, onde efetuou várias viagens (1845 – 1878, durou 33 anos).
c) A fase em que foi Escola de Artilharia e sede de Brigada de Artilheiros (1865- 1937, durou 72 anos).

Fragata D. Fernando II e Gloria, Escola de Artilharia, 1904.
Imagem: Hemeroteca Digital

d) A fase em que foi sede de vários comandos e organismos (1938 – 1945, 7 anos).
e) A fase em que foi sede da “Obra Social da Fragata D. Fernando II e Glória” (1945 – 1963, 18 anos).
f) A fase imediatamente a seguir à destruição, o abandono (1963 – 1992, 29 anos).
g) O restauro, recuperação e museu (1992 até à atualidade).


in Alves, Américo José Vidigal, ASSISTÊNCIA, EDUCAÇÃO E TRABALHO NO ESTADO NOVO, O caso da Obra Social da Fragata D. Fernando II e Glória, 2013

Em Janeiro de 1945, o Ministro da Marinha, Américo Thomaz, através da Portaria nº 10:827 de 9-1-1945 (O.D.A. nº 8, de 10-1-1945) determina “que a fragata D. Fernando seja posta à disposição da Brigada Naval, para fins de instrução e utilização compatíveis com o estado em que se encontra.

Fragata D. Fernando II e Gloria, aula de ginástica, 1956.
Imagem: O caso da Obra Social da Fragata D. Fernando II e Glória

De acordo com o primeiro artigo, do capítulo I, denominado "Fundação e Objetivo" constante no Regulamento Geral da Obra144, "é criada a Obra Social da Fragata D. Fernando que tem como objetivo a recolha, alimentação, educação e instrução, gratuitamente e em regime de internato, de rapazes com 12 a 16 anos de idade, desprotegidos, sem família, sem meios e sem trabalho, a livrá-los dos perigos morais a que a ociosidade e a libertinagem os podem conduzir e prepará-los para a vida no mar, a servirem nas frotas das Marinhas de Guerra, mercante ou de pesca."

Fragata D. Fernando II e Gloria, alunos por identificar.
Imagem: Cesto da gávea

[...] o dia de entrada na fragata, era precedida de inspeções médicas, corte de cabelo, limpeza do corpo e distribuição de roupa interior (camisola e cuecas) e exterior (blusão e calças de cotim). Sobre o calçado, este ex-aluno, apenas refere que, aos pés era dado o “calejamento das águas do Tejo” o que pressupõe que no início da obra, ou nos primeiros dias de permanência, os alunos andariam descalços [...]

Fragata D. Fernando II e Gloria, alunos trabalhando com cabos a bordo.
Imagem: O caso da Obra Social da Fragata D. Fernando II e Glória

Neste primeiro dia eram ainda distribuídas as macas, que faziam as vezes da cama. Estas eram compostas por um travesseiro, um colchão, uma manta e uma coberta de lona. Depois desta distribuição, os alunos eram agrupados por pelotões para a formatura, comandados por alunos mais velhos.

Este enquadramento levado a cabo pelos alunos mais velhos era contínuo e não se confinava aos primeiros dias, sendo observável também à mesa, durante as refeições, e quando se desfilava em parada na via pública.

Durante a noite os alunos efetuavam vigias ao navio que duravam quatro horas. Além do aluno de vigia havia também um marinheiro ou grumete de vigilância, controlando este, a guarnição e os alunos.

Após passagem pelos lavabos para lavar cara, mãos e dentes, prosseguia-se ao enrolar das macas. Pouco tempo depois tocava a formar para a primeira refeição que, quase sempre, consistia em café com leite e pão com manteiga ou marmelada. A seguir ao pequeno-almoço tocava novamente a formar para distribuição de serviços, tarefas e obrigações. Entendia-se por serviços ou tarefas o escalamento para as embarcações, para baldeações e para lavagem de loiça de alumínio após as refeições.

Fragata D. Fernando II e Gloria, aprendendo a arte de fazer nós.
Imagem: O caso da Obra Social da Fragata D. Fernando II e Glória

As obrigações tratavam-se de tarefas fixas que alguns alunos podiam ter permanentemente, como adjuntos das oficinas de bordo (sapateiro e carpinteiro), aulas de instrução primária, de ginástica, de marinharia, de vela, de remo e de natação, entre outras.

Fragata D. Fernando II e Glória, familiares de alunos de visita, 1956.
Imagem: Cesto da gávea

Também a roupa era lavada pelos próprios alunos [...]

Fragata D. Fernando II e Gloria, mergulho no Tejo.
Imagem: O caso da Obra Social da Fragata D. Fernando II e Glória

Digno de registo é também o mergulho do Madeirense. Esta autêntica proeza aconteceu num dos primeiros verões após constituição da Obra, encontrando-se o navio fundeado em Belém, como era hábito nessa altura do ano. (2)


(1) Revista da Armada,  A recuperação da fragata D. Fernando II e Glória, janeiro 1998
(2) Alves, Américo José Vidigal, ASSISTÊNCIA, EDUCAÇÃO E TRABALHO NO ESTADO NOVO, O caso da Obra Social da Fragata D. Fernando II e Glória, 2013

Informação adicional:
D. FERNANDO II E GLÓRIA
Cesto da gávea

Cesto da gávea em imagens
No dia da apresentação da Tese de Mestrado de Américo Alves, sobre a Fragata D. Fernando II e Glória
Sachetti, António, D. Fernando II e Glória. A Fragata que Renasceu das Cinzas, Lisboa, Edições CCT, 1998
Sousa, Victor Manuel de, Apontamentos sobre a Fragata D. Fernando II e Glória, edição do autor
Navios da Armada no Facebook
Fragata D. Fernando II e Glória no Facebook

terça-feira, 14 de abril de 2015

Eu gosto é do verão...

Na Primavera o amor anda no ar.
Na Primavera os bichos andam no ar.

Costa da Caparica, Vista parcial da Praia do Sol, ed. Passaporte, 43.
Imagem: Delcampe

Na Primavera o pólen anda no ar
E eu não consigo parar de espilrar.

Férias na praia, fotonovela iniciada em 30 de maio de 1963 na Crónica feminina.
Imagem: Dias que Voam

No Verão os dias ficam maiores.
No Verão as roupas ficam menores.

Costa da Caparica, Um trecho da praia, ed.Passaporte, 44.
Imagem: Delcampe

No Verão o calor bate recordes
E os corpos libertam seus suores.

Férias na praia, fotonovela iniciada em 30 de maio de 1963 na Crónica feminina.
Imagem: Dias que Voam

Eu gosto é do Verão
De passearmos de prancha na mão.

Costa da Caparica, Aspecto da Praia à hora do banho, Passaporte, 99.
Imagem: Delcampe - Oliveira

Saltarmos e rirmos na praia
De nadar e apanhar um escaldão.

Férias na praia, fotonovela iniciada em 30 de maio de 1963 na Crónica feminina.
Imagem: Dias que Voam

E ao fim do dia, bem abraçados
A ver o pôr-do-Sol
Patrocinado por uma bebida qualquer.

Costa da Caparica, praia de Santo António.
Imagem: Delcampe - Bosspostcard

No Outono a escola ameaça abrir.
No Outono passo a noite a tossir.

Férias na praia, fotonovela iniciada em 30 de maio de 1963 na Crónica feminina.
Imagem: Dias que Voam

No Outono há folhas sempre a cair
E a chuva faz os prédios ruir.

Costa da Caparica, Aspecto da Praia à hora do banho,  ed. Passaporte, 17.
Imagem: Delcampe

No Inverno o Natal é baril.
No Inverno ando engripado e febril.

Férias na praia, fotonovela iniciada em 30 de maio de 1963 na Crónica feminina.
Imagem: Dias que Voam

No Inverno é Verão no Brasil
E na Suécia suicidam-se aos mil


Costa da Caparica, Vista parcial da Praia, ed. Passaporte, 19.
Imagem: Delcampe

E ao fim do dia, bem abraçados
A ver o pôr-do-Sol

Férias na praia, fotonovela iniciada em 30 de maio de 1963 na Crónica feminina.
Imagem: Dias que Voam

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Costa da Caparica, Um aspecto da Praia, Passaporte, 21.
Imagem: Delcampe - Bosspostcard

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Férias na praia, fotonovela iniciada em 30 de maio de 1963 na Crónica feminina.
Imagem: Dias que Voam

Qualquer. (1)

Férias na praia, fotonovela iniciada em 30 de maio de 1963 na Crónica feminina.
Imagem: Dias que Voam


(1) A Fúria do Açúcar, O maravilhoso mundo do acrílico, Lisboa, Polygram, 1997