Recordação de uma "pandiguinha" na tapada do Alfeite em 28 de Setembro de 1913. Casa Comum |
Desde as quatro da manhã que em casa dos Rochas, andava tudo n'uma debadoira, pois cheirava a pandega, e demais a mais, pandega paga pelo primo, rapaz com algum vintem, que estava para casar com a Piedade, irmã da Marianna.
O pae das raparigas, o sr. Rocha, um amanuense encravado do ministerio do Reino, a quem o magro ordenado mal chegava para sustentar aquella tropa fandanga de seis pessoas, elle, mulher e quatro filhas, exultava de contente n'aquelle dia, não só por poupar o jantar em casa; como também lhe cheirar a comer de borla e tirar o seu ventresinho de miseria.
A D. Pulcheria senhora já quarentona e mãe de raparigada, essa tombem não cabia dentro da pelle, com o contentamento que sentia, e agourando de antemão um dia bem passado fóra de casa.
Ás seis horas chegou o Alfredo, todo dandy, de fato claro, Panamá de palha posto á mosqueteiro, e saboreando um carmelita aromatico, que deixava nos ares um aroma deliciosissimo.
As Rochas estavam esperando impacientes, todas aprumadas e mais firmes do que o seu apelido, na casinha de fóra, por isso foi um delírio quando a campainha telintou alegremente.
— Ora graças!... disse a D. Pulcheria que foi quem abriu a porta, emquanto o Rocha pae escovava o côco e as filhas ensaiavam caretas ao espelho.
Julguei que não chegava hoje!... O seu relogio está muito atrasado!
— Ora essa?... Está pelo tiro, que o accertei hontem, voltou o Alfredo puchando pela cebolla e mostrando-a á futura sogra.
— Então é o de cá, que está adiantado, voltou a Annita cofiando o penteado na testa.
O Alfredo foi-se chegando para o pé, da Piedade e apertou-lhe a mão ternamente, emquanto o pae Rocha, já de bengala empunhada e chapéo na cabeça, dizia:
— Bem, então não ha tempo a perder. Vamos andando a ver se apanhamos o vapor das seis e meia.
Embarque na ponte dos Vapores Lisbonenses, fotografia de Joshua Benoliel (1873-1972). Arquivo Municipal de Lisboa |
Eram sete e meia quando o alegre bando desembarcou em Cacilhas.
O Alfredo sempre agarrado ao braço da Piedade, propôz para irem ao Alfeite vêr a quinta, mas primeiro seria conveniente almoçarem em qualquer parte.
Acceite o convite com todo o contentamento, dirigiram-se a uma casa de pasto onde almoçaram regaladamente bife, ovos estrellados, vinho etc.
— Se nós agora fossemos de burricos até ao Joaquim dos melões? alvitrou o Rocha pae.
— Cá por mim antes queria ir á Cova da Piedade, disse o Alfredo olhando sorrateiramente para a prima, que se poz vermelha como um tomate.
Cova da Piedade, Rua Tenente Valadim, ed. desc., década de 1900. Imagem: Delcampe |
— Nada, nada vamos nos burros dar um passeio maior, retorquiram em côro as outras irmãs.
Alugaram-se burros e começaram a montar, mas o Alfredo e a prima deixavam-se ficar para traz, cochichando em voz baixa.
— Então vocês não veem nos burros? perguntou a D. Pulcheria já quando os jumentos se punham em marcha.
Grupos de arraial, Alfredo Roque Gameiro, J. Novaes Jr., c 1900. Internet Archive |
— Não mamã! respondeu a Piedade batendo as palmas. Vão andando, vão andando, que eu e o primo vamos em cavallo...
E foram. (1)
(1) O Zé, successor do Jornal "O Xuão", 13 de dezembro de 1910
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