terça-feira, 2 de março de 2021

Almaraz e Cacilhas, vestígios arqueológicos de actividades portuárias

Vista parcial, do lado direito, da colina do Almaraz, Almada, voltada para o estuário do Tejo...
João Cardoso, A Baixa Estremadura dos Finais do IV Milénio A. C. ... 2004

Almada

Posição geográfica: Margem esquerda do Tejo, na parte vestibular do estuário.
Coordenadas geográficas: N. 38 ° 41’ W. 9 ° 09’
Localização: Morro sobranceiro ao Tejo
Contexto geomorfológico: Insere-se no Esquema 2 de N. Flemming apresentado no II Capítulo e na Fig.13. Observou-se continuidade na posição de litoralidade.


Maria Luísa Blot, Os portos na origem dos centros urbanos...

Fontes antigas: São abundantes as referências ao ouro extraído das areias do Tejo emautores antigos tais como os poetas Catulo (XXIX, 20), Juvenal (III, 54-55), Silicio Italico (Punicorum, XVI, 560), Lucano (Pharsalia, VII, 755). Relativamente a época posterior, lembramos a conhecida relação entre o topónimo árabe Al-madan com o significadode "a Mina" e a tradição ligada à exploração de ouro no Tejo (Cardoso, 1995, p. 53).
Fontes cartográficas: João Teixeira (1648) — Descripção dos Portos Marítimos do Reino de Portugal, reproduzido em Cortesão e Mota (1987, vol. IV, Estampa 510 A).

Vestígios arqueológicos e actividades portuárias

Almaraz:

O esporão rochoso de Almaraz tem fornecido documentos arqueológicos que confirmam o povoamento do local durante a Idade do Bronze e a Idade do Ferro.

No caso do povoado de Almaraz datável da Idade do Ferro, registaram-se testemunhos de importações directas de produtos de fabrico mediterrânico, com origem no Mediterrâneo Oriental e datáveis do século VII a.C. (Cardoso, 1995, p. 47).

Essas importações de formas e técnicas poderão ter produzido fenómenos de aculturação como certas produções cerâmicas locais deinspiração oriental parecem sugerir a J. L. Cardoso (1995, p. 49).

Entre os artefactos de importação presentes em Almaraz figuram as cerâmicas de verniz vermelho, ânforas fenícias, pithoi decorados com bandas pintadas e cerâmicas cinzentas (Cardoso, 1995).

Cacilhas:

O achado subaquático, durante operações de dragagens fluviais, de umaespada pistiliforme datável do Bronze Final e a relação desse artefacto com “um comércio trans-regional, atlântico-mediterrânico”surgem em paralelo com uma eventual interpretação como objecto votivo relacionável com um ritual dedicado a divindades aquáticas (Cardoso,1995, p. 42).

As escavações na parte ribeirinha de Cacilhas levadas a cabo por Luís de Barros puseram a descoberto uma estrutura em pedra interpretável como um cais com evidências de contacto prolongado com a água, e associada a materiais pré-romanos (séculosVII-VI a.C.)18 e a tanques de salga.

É igualmente no sopé do esporão de Almaraz que continuou a fazer-se a travessia do Tejo em época romana, verificando-se continuidade nesta utilização desse ponto até à actualidade (Alarcão, 1992b, apud Cardoso, 1995, p. 45).

Cacilhas apresenta um complexo industrial de salga de peixe da época romana(século I a.C. — meados do século I d.C.).

A área das cetariae revelou sete níveis de ocupação, incluindo uma reutilização durante a época islâmica e registando-se ocupações posteriores relacionadas com a expansão urbana de Cacilhas (século XVI-século XIX) (Barros, 1982). Cerâmicas de importação: sigillata itálica e sud-gálica, cerâmica de paredes finas (Cardoso, 1995).

Utilização do litoral

A ocupação do morro de Almaraz denuncia contactos antigos com rotas marítimas longínquas através de um ponto de contacto com a navegação situado na área actualmente correspondente a Cacilhas. Terão operado em conjunto, constituindo um pólo de difusão e de escoamento quer de sal, quer de produtos mineiros, além de produtos agrícolas e agro-pecuários.

Almada insere-se num contexto geográfico especialmente privilegiado pela presença do estuário do Tejo na sua parte mais propícia à instalação de indústrias directamenterelacionadas com o meio marinho: salicultura, unidades fabris de transformação de pescadoe olarias com produção de contentores destinados aos preparados piscícolas durante a época romana.

Almada aparece referida em 1640 como uma vila:

"A la otra parte de Lisboa, distancia de una legua que la anchura do Tajo occupa, yaze la villa de Almada, comarca de Setubal, en lugar alto con 450 vezinos, 2 Parroquias y un convento de frayles" (Biblioteca Nacionalde Paris, Manuscrits espagnols, códice 324, fol. 31, apud Serrão, 1994, p. 198). (1)


O foral de Lisboa de 1179 e o foral de Almada de 1190, que privilegiam as tripulações das embarcações com foros de cavaleiros, são documentos reveladores da importância que, já naprimeira dinastia, era atribuída ao porto de Lisboa, embora a primeira referência explícita ao"porto de Lisboa" só tenha ocorrido em 1305, na época de D. Dinis.

No século XIV, a descrição que Fernão Lopes faz deste porto, embora aparentemente anterior a instalações portuárias construídas, e de relevo, não deixa dúvidas acerca da capacidade navegável da parte vestibulardo estuário do Tejo:

"carregavam de Sacavem e ponta de Montijo, sessenta a setenta navios de cadalogar, carregando sal e vinhos"(Fernão Lopes, apud Ramos, 1994, p. 724), embora, por ausência de cais adequados, fosse natural que se recorresse aos ancestrais serviços de embarcaçõesde transbordo, pois "por a gramde espessura de mujtos navios que assi jaziam ante a cidade, como dizemos, hiam ante as barcas Dalmadaa aportar a Santos, que he hum gramde espaço da çidade,nom podemdo marear perantrelles” (Fernão Lopes, apudRamos, 1994, p. 724). (2)


(1) Maria Luísa Blot, Os portos na origem dos centros urbanos...
(2) Idem


Mais informação:
Ana Olaio, O povoado da Quinta do Almaraz... 2018
João Cardoso, A Baixa Estremadura dos Finais do IV Milénio A. C. até à Chegada dos Romanos: um Ensaio de História Regional... 2004
Luis Barros, João Cardoso, Fenícios na margem sul do Tejo... 1993
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