Almada, vista poente do novo mercado construído em terrenos dexanexados à então zona rural, 1933. Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo |
Este caminho e a calçada da Pedreira (actual rua Elias Garcia) eram até meados dos anos 30, praticamente isentos de propriedades urbanas, sendo apenas circundados por imóveis rústicos.
Além da praça, a estampa [abaixo] ilustra, à direita, o edifício da Pensão Barros, o Tribunal em construção e diversas propriedades que nos anos 40, pertenciam ao Casal dos Serras (onde hoje, se situam a rua Fernão Lopes, rua de Olivença e parte da avenida D. Afonso Henriques [...] (1)
Almada, rotunda da Praça da Renovação e acessos em construção, c. 1950. Imagem: Flores, Alexandre M., Almada antiga e moderna... Freguesia de Almada |
De facto com o Plano de Urbanização desenvolvido por De Gröer [1946], Almada viu o seu crescimento seguir de forma relativamente mais organizada e segundo um planeamento definido.
Almada, Pensão Barros, rua de Olivença, c. 1950. Imagem: Maria do Céu Ramos |
Contudo, foi na década de 50, com o arquitecto Rafael Botelho em conjunto com a Câmara Municipal e a convite do arquitecto Faria da Costa que surgiu o Gabinete de Urbanização a Câmara Municipal de Almada.
Almada, Avenida D Afonso Henriques, ed. J. Lemos, 18, década de 1950. Imagem: Nuno Machado |
Neste seguimento, Almada passou a seguir um desenvolvimento de vários estudos urbanísticos, nomeadamente Planos Parciais de urbanização. (2)
Almada, avenida D. Nuno Álvares Pereira, fotografia Julio Diniz, década de 1950. Imagem: Museu da Cidade de Almada |
Foi um acontecimento de relevo para a vida de Almada a inauguração do
Café Central
ALMADA que, dia após dia e, em ritmo acelerado, se transfigura e se embeleza, acaba de ser dotada com mais um melhoramento que em muito a valorizará: o novo "Café Central", pertença do conceituado construtor civil sr. João Morgado e situado numa das principais artérias do burgo, Praça da Renovação, "é mais uma pedra que acaba de ser colocada no já grande e imenso plano de melhoramentos locais", levados a cabo pela iniciativa particular, para uma Almada moderna e cosmopolita [...]
in Voz do Tejo, edição de 9 de junho de 1956, citado em almaDalmada
Em Almada havia dois Cafés, lado a lado, separados apenas pela entrada do prédio de três andares, (onde se instalaram nos baixos), e por uma tabacaria que dava para aquela praça.
Almada, Praça da Renovação, ed. J. Lemos, 29, década de 1950. Imagem: Flores, Alexandre M., Almada antiga e moderna... Freguesia de Almada |
Um, o maior, era o Central, o outro era o Dragão Vermelho, o tal que eu mais frequentava.
Os referidos Cafés tinham no exterior e á sua frente esplanadas contíguas, voltadas para a Praça da Renovação, onde, especialmente à noite, a tomar cafés e, aos domingos de manhã, a beber um Martini, caía toda a gente semi-chique, tigela e meia-tigela. Chique não havia, ou, se havia, não se notava nem nada dava a entender.
Almada, Praça da Renovação, ed. J. Lemos, s/n, década de 1950. Imagem: almaDalmada |
O Central, embora frequentado pela maioria da populaça, por ser mais amplo e ter alguns refúgios recatados, era o preferido dos chamados intelectuais. Ali escrevia desalmadamente Romeu Correia, despontava Fernando Pernes, que havia um dia ir para a Casa de Serralves, no Porto, e advogados, como o Herculano Pires da esquerda moderada e o Luís Álvaro, uma ave nocturna muito minha amiga, da direita também moderada.
Os dois moderados de sinal contrário, por todas as razões e mais esta, mantinham-se em guerra intestina e odiavam-se figadalmente.
Rotary Club de Almada |
Luís Álvaro era dos Rotários, o que na altura dava bastante penacho, e sempre pôs uma bola preta em Herculano para que este dentro deles não conseguisse pôr um só dedo dum qualquer pé. Este e outros rejeitados, cheios de despeito recalcado, haviam de vir a criar os Lions de Almada, não por amor aos ceguinhos, mas como adequada retaliação.
Lions Clube Almada Tejo |
O Dr. Luís Álvaro, cerca de vinte anos mais velho que eu, era um jovem companheirão, muito observador e crítico mordaz, com quem me fartei de divertir. Ficávamo-nos umas vezes por Almada a tagarelar e deslocavam-nos algumas até ao Muxito mordiscar um pouco de ambiente nocturno a ouvir, ao vivo, um pouco de música dançável, às vezes com uns fadinhos pelo meio, muito bem cantados pela Saudade dos Santos.
Nas amenas noites de Verão íamos tomar um cafezinho numa qualquer esplanada da já insuportável Caparica, onde a Dona Ausenda, uma matrona livre de compromissos, não sei se solteirona, viuvona ou outra ona qualquer, a ele se atirava descaradamente e ele dela, pelo menos em público, cortesmente fugia a sete, ou mais, pés. Algo me diz que ela era uma das suas consulentes "habituées", daquelas que o iam ver frequentemente ao consultório, como quem ritualmente se vai benzer à bruxa.
O advogado Luís Álvaro vivia e tinha o seu escritório no coração de Almada, bem junto ao jardim e ao novo Tribunal.
Fotografia de António Homem Christo, in Almada, a cidade satélite, Revista Eva, Dezembro de 1960. Imagem: Dias que Voam |
Conhecia meio mundo, muito mais por dentro do que por fora, e ia-me contando, sem nunca quebrar o sagrado sigilo profissional, engraçadíssimas histórias, muitas delas muito podres, de toda aquela gente de casca muito fina e interior muito grosso de quem ele, de ginjeira, conhecia muito melhor o tenro e escondido miolo do que a dura e bem visível casca. Ríamo-nos os dois, com muito gosto, à custa das graças envenenadas de um e das tretas não menos venenosas do outro, e vice-versa.
Um dos actuais encantos de Almada está precisamente nos imprevistos aspectos que a cidade satélite nos desvenda: eis o velho e romântico petroleiro de carro puxado a mula, contrastando com a moderna linha dos edifícios. Fotografia de António Homem Christo, in Almada, a cidade satélite, Revista Eva, Dezembro de 1960. Imagem: Dias que Voam |
Ao Dragão ia gente como eu, ou até pior; iam, por exemplo, os irmãos do trio Odemira e vários fadistas e cançonetistas baratos e muito mal cotados; também iam algumas senhoras acompanhadas dos seus maridos a quem, com todo o empenho, notoriamente punham os palitos, para não estar para aqui, em frente de toda a gente, a dizer cornos.
Praça da Renovação, década de 1960. Imagem: Delcampe |
Na Praça da Renovação, hoje abrilescamente designada por Praça das Forças Armadas, havia uma papelaria, uma outra tabacaria, onde eu comprava o “Janeiro”, uma farmácia, um oculista, a Calhandra, (que era um snack-bar), o Stand Mirco, os Correios e, que me lembre,
Praça da Renovação, Almada, Fotoselo ROTEP (Roteiro Turístico e Económico de Portugal), 173. |
pouco ou nada mais. (1)
(1) Flores, Alexandre M., Almada antiga e moderna, roteiro iconográfico, Freguesia de Almada, Almada, Câmara Municipal de Almada, 1985, 189 págs.
(2) Almeida, Gonçalo, Miguel Pires de, Densidade e Forma Urbana..., Densificação como valor de projecto e estratégia de desenvolvimento urbano, Lisboa, Faculdade de Arquitectura de Lisboa, 2011
(3) Isolino de Almeida Braga
6 comentários:
Caso algum dia pretenda qualquer foto do "almadalmada" sem o endereço do blog, tal como actualmente publico, pode solicitar pelo email do blog. Enviar-lhe-ei e poderá usar sem quaisquer contrapartidas ou restrições minhas.
Cumprimentos
almadalmada
Agradeço a cortesia, normalmente publico as imagens coforme a fonte original, ou com uma pequena ediçaão, cumprimentos
Muito bom, para variar.
Grato, Rui.
Obrigado Luis, um abraço
Caro Rui Granadeiro, só agora conheci este seu escrito, que li com atenção e gosto. Sou neto de Luís Álvaro Júnior e a parte em que se lhe refere agradou-me particularmente. Permita-me algumas observações, nomeadamente: o meu avô tinha uma boa relação com o Dr. Herculano Pires e com a restante família (viviam até no mesmo prédio). Sendo um homem mordaz com o regime, não era propriamente de Direita moderada... Quanto à Praça da Renovação havia ainda a Radiolar, o BPA, o BNU, a Rifera e a Padaria.
Havia também uma loja de brinquedos e gelados, um relojoeiro (no vão de escada), uma padaria, os Correios, a Caixa Geral de Depósitos, uma agencia de viagens (Cetóbriga), uma loja de discos, e (quase se pode dizer) a entrada para o Frei Luis de Sousa
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