Ella outra vez:
Devem recordar-se os nossos leitores d'uma celebre bruxa de Cezimbra, uma tal Maria da Burra, que figurou em tempo nas columnas do nosso jornal a proposito de umas gentilezas que praticou.
Cá a temos outra vez. A bruxa de Cezimbra introduziu-se pacatamente na casa de uma viuva rica do Caramujo, que tem uma filha, e convenceu aquella senhora de que tinha o demonio na sua residencia.
O demonio em casa! Caso sério, que dá muito que pensar a um cerebro enfermiço. Ora, parece, que realmente a senhora viuva não tem o mais claro juizo, porque acreditou as palavras da intrujona, acceitando os serviços desta.
A Maria da Burra disse-lhe que se prestaria a pôr péla porta fora o demo, servindo-se para isso tão sómente dos seus exorcismos, bem como a livraria em toda a parte das tentações do tal pontudo sujeito.
O caso deu-se ha dois annos, tantos quantos ha que a bruxa se tornou a companheira inseparavel da viuva. Pudera! E uma investida inesperada de Belzebuth não seria obra?
A espertalhona anda no luxo, vive á grande, porque, emfim, ha toda a razão para isso:—Sempre é menina que tem poder contra Satanaz!
O que se chama em linguagem de "bruxa" e calão da gente réles — "um governo de vida a custa dos tolos".
Parece, no entanto, que a mulher que alcançara o bem estar por meio das suas especulações se devia dar por satisfeita. Mas qual historia; aquillo é de sangue.
Ha mezes, querendo alargar a sua importancia e dar-se ares de bruxa de primeira ordem, fez relações com a mulher de um tanoeiro tambem do Caramujo.
Aquella mulher tinha filhas e filhos, sendo um destes um rapaz irrequieto, que deu com as suas leviandades alguns desgostos á família.
A doutora da bruxa, que para tudo tem remedio, deu logo o seu conselho: — "Casemos o rapaz".
E assim como deu o conselho, egualmente se encarregou de arranjar noiva.
Fez as relações do rapaz com a viuva sua protectora, protegeu os amores da filha desta com o filho do tanoeiro, e por fim de tal modo dispoz as cousas que a menina fugiu de casa da mãe para a casa do namorado. Como consequencia, o casamento.
Ha perto do dois mezes que casaram na egreja de S. Thiago de Almada. A lua de mel, porém, parece ter sido curta, porque viviam um pouco desgostosos.
Em uma das noites da semana passada, cerca da meia noite, o rapaz acordou e achou-se só. Sua mulher deixara-o com o seu travesseiro.
Levantou-se, e, em resultado de desconfiança atrazada, ou por presentimento, foi encontrar a esposa em casa da Maria da Burra. Entretinham se as duas no mais inocente dos passatempos. A bruxa deitava as cartas. A outra seguia com anciedade o resultado d'aquella manobra feita pela bruxa.
O rapaz caiu ali como o espectro de Banquo na tragedia de Shakespeare. A esposa imprudente desmaiou; a bruxa fez uma carantonha de metter medo ao demo.
Como, porém, a scena tivesse de ser um pouco mais real do que a que os nossos leitores teem visto no "Macbeth", não tardou em irromper o cachação, indo pelos ares as cartas, e fugindo a mulher do iracundo para casa de sua mãe, mas sem umas pulseiras e uns brincos de ouro, que desappareceram por artes de berliques e berloques.
A bruxa fez o casamento e lá o desmanchou. É o — "coso e descoso para não estar ocioso". E, acrescenta o nosso informador — uma paga da bruxa aos beneficios que lhe tem feito a sua protectora! (1)
Devem recordar-se os nossos leitores d'uma celebre bruxa de Cezimbra, uma tal Maria da Burra, que figurou em tempo nas columnas do nosso jornal a proposito de umas gentilezas que praticou.
Cezimbra, desenho do natural por Casellas [gravura de Alberto], in O Occidente, n° 208, 1 de outubro 1884. Imagem: Hemeroteca Digital |
Cá a temos outra vez. A bruxa de Cezimbra introduziu-se pacatamente na casa de uma viuva rica do Caramujo, que tem uma filha, e convenceu aquella senhora de que tinha o demonio na sua residencia.
O demonio em casa! Caso sério, que dá muito que pensar a um cerebro enfermiço. Ora, parece, que realmente a senhora viuva não tem o mais claro juizo, porque acreditou as palavras da intrujona, acceitando os serviços desta.
A Maria da Burra disse-lhe que se prestaria a pôr péla porta fora o demo, servindo-se para isso tão sómente dos seus exorcismos, bem como a livraria em toda a parte das tentações do tal pontudo sujeito.
O Tejo em frente do Caramujo, Revista Illustrada, fotografia de A. Lamarcão, gravura de A. Pedroso, 1892. Referencia: Toscano, Maria da Conceição da Costa Almeida, A fábrica de moagem do Caramujo património industrial Imagem: Fernandes, Samuel Roda, Fábrica de molienda António José Gomes |
O caso deu-se ha dois annos, tantos quantos ha que a bruxa se tornou a companheira inseparavel da viuva. Pudera! E uma investida inesperada de Belzebuth não seria obra?
A espertalhona anda no luxo, vive á grande, porque, emfim, ha toda a razão para isso:—Sempre é menina que tem poder contra Satanaz!
O que se chama em linguagem de "bruxa" e calão da gente réles — "um governo de vida a custa dos tolos".
Parece, no entanto, que a mulher que alcançara o bem estar por meio das suas especulações se devia dar por satisfeita. Mas qual historia; aquillo é de sangue.
Ha mezes, querendo alargar a sua importancia e dar-se ares de bruxa de primeira ordem, fez relações com a mulher de um tanoeiro tambem do Caramujo.
O cais do Caramujo, década de 1980. Imagem: Flores, Alexandre M., Almada antiga e moderna, Freguesia da Cova da Piedade |
Aquella mulher tinha filhas e filhos, sendo um destes um rapaz irrequieto, que deu com as suas leviandades alguns desgostos á família.
A doutora da bruxa, que para tudo tem remedio, deu logo o seu conselho: — "Casemos o rapaz".
E assim como deu o conselho, egualmente se encarregou de arranjar noiva.
Madam Mim, Gyanax, 2014. Imagem: DeviantArt |
Fez as relações do rapaz com a viuva sua protectora, protegeu os amores da filha desta com o filho do tanoeiro, e por fim de tal modo dispoz as cousas que a menina fugiu de casa da mãe para a casa do namorado. Como consequencia, o casamento.
Ha perto do dois mezes que casaram na egreja de S. Thiago de Almada. A lua de mel, porém, parece ter sido curta, porque viviam um pouco desgostosos.
Em uma das noites da semana passada, cerca da meia noite, o rapaz acordou e achou-se só. Sua mulher deixara-o com o seu travesseiro.
Levantou-se, e, em resultado de desconfiança atrazada, ou por presentimento, foi encontrar a esposa em casa da Maria da Burra. Entretinham se as duas no mais inocente dos passatempos. A bruxa deitava as cartas. A outra seguia com anciedade o resultado d'aquella manobra feita pela bruxa.
O rapaz caiu ali como o espectro de Banquo na tragedia de Shakespeare. A esposa imprudente desmaiou; a bruxa fez uma carantonha de metter medo ao demo.
Madam Mim, The Sword in the Stone, Classic Disney, 1963. Imagem: fanpop |
Como, porém, a scena tivesse de ser um pouco mais real do que a que os nossos leitores teem visto no "Macbeth", não tardou em irromper o cachação, indo pelos ares as cartas, e fugindo a mulher do iracundo para casa de sua mãe, mas sem umas pulseiras e uns brincos de ouro, que desappareceram por artes de berliques e berloques.
Madam Mim, The Sword in the Stone, Classic Disney, 1963. Imagem: Tumblr |
A bruxa fez o casamento e lá o desmanchou. É o — "coso e descoso para não estar ocioso". E, acrescenta o nosso informador — uma paga da bruxa aos beneficios que lhe tem feito a sua protectora! (1)
(1) Diário Illustrado, 6 de outubro 1884
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