Saltando da muralha (detalhe). Imagem: Imagem: Boletim "O Pharol" |
Pois esta Margueira (Velha) era livre e a malta ia para lá com plena autonomia. Tinha um esporão que entrava pela água dentro e era aí que a rapaziada aprendia a atirar-se para as salsas ondas do rio.
Para entrar na outra (Margueira Nova) já piava mais fino. Apesar de ser mais solicitada tinha que se passar junto a um Posto da Guarda-fiscal e quando estavam de serviço os guardas Caturra e Barreto, nem pensar por lá seguir.
Aonde é que os meninos vão? Perguntavam os guardas de cinzento...
Nós vamos ao banho, senhor guarda, afirmavam com voz muito humilde. Pois se os meninos querem ir ao banho, vão pela Margueira Velha que a água é igual [...]
Para a doca da Margueira,
Iam os putos reinar,
Quais capitães da areia,
Para ali iam nadar.
Para o rio, na Margueira,
A muralha era um céu,
Acabou-se a brincadeira,
Quando a Lisnave apareceu.
Só em pelo, sem calção,
Todos nus, em ritual,
Mas sempre com atenção,
Ao mau do guarda fiscal. (2)
Venância Quaresma Correia Guerreiro, irmã do escritor almadense Romeu Correia, por parte do pai, nasceu em Cacilhas, no Ginjal no dia 16 de Junho de 1933.
Foto de 1935, na praia da Margueira. Da esquerda para a direita: 1o plano: Francisco Avelar e
Orlando Avelar. 2o plano: Eduardo (padeiro), Romeu Correia, Ramiro Ferrão e António Calado.
(Foto de Mário da Cruz Fernandes, cedida pelo seu filho Mário Simões Fernandes) Imagem: As Margueiras |
Recorda ainda hoje com vivacidade as suas primeiras idas à praia com o seu irmão, sempre acompanhados por um grupo de amigos, do qual faziam parte Francisco Calado, Francisco Avelar, Francisco Bastos, Sérgio Malpique e Chico Carapinha, Jorge Parada e Adelino Moura, entre outros, quase todos eles praticantes de atletismo.
Naquele tempo, para tomarem um bom banho os jovens não precisavam de apanhar qualquer meio de transporte.
O rio Tejo, com as suas águas límpidas, tranquilas e convidativas, estava mesmo ali pertinho de casa. Era só descer a pé pela rua da Margueira, que se bifurcava em dois caminhos. À direita ficava a praia da Margueira Nova, onde se encontrava a guarita da Guarda-Fiscal, que controlava o acesso à praia de seixos e areia branca, onde a Guarda proibia a entrada à rapaziada.
No entanto, para alguns privilegiados a mesma guarita servia de vestiário.
À esquerda encontrava-se a praia da Margueira Velha, junto à casa da família Carbone onde se tinha de ter cuidado com as cascas de ostras para não cortar os pés descalços. Por vezes, quando os mais destemidos da malta mergulhavam sem pensar e calculavam mal o nível da maré-cheia, ficavam todos cortados nas ostras. Nesta praia, portanto, tinham de ser ter alguns cuidados e, acima de tudo, aproveitar para tomar banho com a maré bem cheia.
Saltando da muralha. Imagem: Boletim "O Pharol" |
Foi nesta mesma praia da Margueira Velha que o Romeu ensinou a sua irmã Venância a nadar. Mais tarde, haveria também de neste local ensinar a nadar a sua mulher Almerinda.
Cuidadosamente, o Romeu para proteger a irmã quando iam ao banho, levava-a às cavalitas. Na falta de fato de banho apropriado, a pequena ia habitualmente para dentro de água vestida de cuecas, que tinha de secar antes de vestir a roupa. As tias não podiam descobrir que estava molhada, quando chegava a casa, pois ela estava mesmo proibida de ir ao banho.
Vista panorâmica da Margueira (detalhe), Mário Novais, década de 1930 Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian |
Uma vez, desprevenida, molhou também o vestido. Estava no pontão a correr, agitando o vestido para o secar, quando se desequilibrou, caiu à água e voltou a molhar completamente as duas peças de roupa que tinha vestido nesse dia.
Margueira antiga (desenho original de Humberto Borges) sobreposição a actual vista satélite no Google Maps. Imagem: Boletim "O Pharol" |
Não tendo tempo para voltar a secar o vestuário, chegou a casa com ele ainda molhado. A partir daí, descoberta a sua já proibida ida a banhos, a menina Venância ficou igualmente proibida pela família de ir à praia da Margueira. (3)
Praia de doce encanto
Onde desde cedo
As crianças se banhavam.
Em suas límpidas águas sonhavam,
Desde manhã
ao sol se pôr na epifania.
Margueira, Anyana, 1981. Imagem: As Margueiras..., Junta de Freguesia de Cacilhas, 2013 |
Na ansiada hora
Da maré cheia
Eram tão sãos
Os gritos de alegria
Junto aos chamados
Da mãe que os repreendia.
E quando no caminho
Em aromas suaves da aurora
Derramando a vivacidade da sua energia
Aqueles seres pequeninos
Saltavam em pés coxinhos
Como alcatruzes nas noras.
E era tão belo
O correr do momento
E era tão sã
A sã euforia
Que marcaram bem
Na distância
No tempo
O que lhes ficou
No pensamento
O que jamais na razão desaparecia
Vamos! Está na hora da maré!
Era um grito
Na chamada de lar em lar
E sem esperar
Sempre correndo em frente
Aquele magote de gente
Se encontrava em cruzamento das Margueiras,
A nova e a velha,
Como que em juramento
De crédito na vida
No amor, na verdade, na fé plena
Na fé de esperança e caridade
Que corre ainda hoje
Estes caminhos
Nas memórias da saudade.
AnyAna (4)
(1) As Margueiras..., Junta de Freguesia de Cacilhas, 2013
(2) As Margueiras..., cf. José Luis Tavares, Almada minha, 2010
(3) As Margueiras..., Junta de Freguesia de Cacilhas, 2013
(4) AnyAna in As Margueiras..., Junta de Freguesia de Cacilhas, 2013
Informação relacionada:
Recordar as Margueiras - I
Recordar as Margueiras - II
Júlio Diniz
2 comentários:
É sempre bom reviver histórias e lugares de Almada.
Apenas uma correcção (deve estar assim no livro...), na fotografia de grupo não é o António Calado que lá está, além de ser mais alto que os amigos, não são as feições dele... parece-me o Carapinha, mas poderá ser outra pessoa de Cacilhas...)
Abraço Rui
(Luís Milheiro)
Fica então a nota a completar esta revisitação.
Um abraço Luis
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