Vista de Lisboa (tomada da margem sul), Alexandre-Jean Noël. Cabral Moncada Leilões |
Nessa época quase todos os chefes das grandes famílias Irlandesas que não aderiram ao protestantismo e à Coroa Inglesa, foram proscritos e para manter os seus direitos de linhagem viram-se obrigados a sair da Irlanda na esperança de poderem voltar. A ancestral tendência em associar a natureza humana ao resto da natureza levou o povo a apelidar esse movimento de Flight of the Wild Geese — voo dos gansos bravos — pela semelhança com o regresso das aves migratórias ao seu ponto de partida.
A dúvida quanto à probabilidade da criação de condições que tornassem o regresso útil levou muitos destes lideres emigrados, a procurar soluções mais duradouras que, tirando partido da sua experiencia, dos seus hábitos e da sua visão especial da vida, se lançassem em actividades em que tivessem um fac- tor diferenciador positivo em relação aos seus concorrentes.
A produção e distribuição de vinho e de bebidas alcoólicas em cuja avaliação eram peritos, foi naturalmente uma das principais escolhas. O afinado sentido de humor dos irlandeses levou-os a apelidar estes líderes emigrados “Wine Geese” os gansos do vinho.
A nossa família obteve as duas qualificações: Wild Geese pela saída de Felim O’Neill para França à frente do regimento O’Neill da Brigada Irlandesa e Wine Geese devido à montagem pelo seu neto Shane ou João na Quinta da Arealva de uma adega e um negócio de compra e venda de vinhos, que mais tarde evoluiu para a exportação de vinhos para os Estados Unidos em colaboração com Charles, seu irmão, que veio mais tarde para Portugal armando um navio “João e Carlos” especialmente destinado a este transporte e que usava o ainda existente cais da Quinta para a carga e descarga dos vinhos.
Os vinhos foram ganhando fama tendo João recebido a visita de Giuseppe Baretti, um homem de letras e um desfrutador da vida, que o visitou em 1760 assinalando a sua visita numa das suas obras, onde descreve o cais, a qualidade dos vinhos e a elegância da adega e da quinta. (1)
E foi uma felicidade que aquele senhor negociante de vinhos que se chama O'Neal, usasse para commigo de tanta cortezia quanta vilania tinha praticado o velho doutor da tal mulher nova, o qual apenas quiz consentir que eu depenicasse um cacho das suas vinhas, que todavia estavam carregadíssimas d'elles.
Retrato de Giuseppe Baretti (1719-1789) por Joshua Reynolds. Wikipedia |
Deu-me com liberalidade o sr. O'Neal a beber quanto eu quiz, e fez-me provar mais qualidades de vinhos muito estimados, e aos meus suados barqueiros deu tambem um garrafão, pondo ainda dificuldade em deixar metter algum dinheiro no bolso de um seu pequeno.
Aquelle cavalheiro tem a sua casa protegida do rio por uma espécie de molhe construido de grossos penedos, e, tendo eu subido a esse molhe, recreei-me de ver dois escravos da Guiné, mais pretos do que pez nadarem no rio, e darem viravoltas e saltos na agua, e mergulhos, que era um regalo vel-os; e, a troco de alguns cobres que lhes dei, armaram uma dança sobre as ondas, cantando á sua moda, ora mergulhando, ora pulando de todo no ar. de modo tão assombroso, que seria mais facil agarrar uma enguia pelo rabo. (2)
Quinta da Arealva (detalhe) Margarida Bico |
Valentina Ferreira morre em 1766 e João O’Neill resolveu construir em sua memória uma ermida a que deu o nome de S. João Baptista, padroeiro de Almada. Aí casou a sua filha Maria com Brian Lynch em 1774. Em 1786 dois dos seus filhos puseram-lhe uma acção de partilhas e obtiveram do tribunal a posse provisória da Quinta.
João O’Neill morreu em 1788 e após a sua morte a casa e quinta passaram para a sua filha Maria que a vendeu em 1813 a João Luis Lourenço (...) (3)
(1) António Cunha Bento, Inês Gato de Pinho, Maria João Pereira Coutinho, Património arquitectónico civil de Setúbal e Azeitão, 2019
Occidente n.° 625, 5 de maio de 1896
António Cunha Bento, Inês Gato de Pinho, Maria João Pereira Coutinho, Idem
Artigo relacionado:
Almada em 1760
Informação relacionada:
Lugares de Almada: Da Fonte da Pipa à Arialva, passando pelo Olho de Boi
Andrew Shepherd, The O’Neills of Portugal, 2020
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