quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Iconografia de Lisboa (1.ª parte)

O empenho de tornar conhecidas as belezas das cidade e de outras povoações estimulou, após a descoberta da arte tipográfica e da gravura em madeira, e seguidamente em cobre, no século XVI, os artistas desenhadores e gravadores a ilustrarem os livros descritivos dessas terras, com estampas representando vistas panorâmicas e trechos arquitectónicos de cidades, povoações e edifícios, tomando assim mais atraente e interessantes os textos descritivos.

Vista de Lisboa e fantasia da margem sul do Tejo, Martin Engelbrecht segundo Friedrich Bernhard Werner, 1750.
Imagem: akg images

Portugal não ficou esquecido nessas publicações, tanto mais que os olhos da Europa estavam então fixados neste povo, que alargava os âmbitos do velho mundo com as suas descobertas e conquistas.

Portugalia (detalhe), Nuremberg Chronicle, Hartmann Schedel, 1493.
Imagem: World Digital Library

Era então a cidade de Lisboa muito mais pequena do que hoje a conhecemos. Já no século XVI ela tinha transposto a cinta de muralhas com que a havia cingido, de 1373 a 75, el-rei D. Fernando, e havia-se alargado ate à Esperança, para o ocidente, até Santa Clara, para o oriente, pelos montes da Graça, da Penha de França e de Sant'Ana, para o norte, e bem assim ao longo duma faixa marginal do Tejo, desde Alcântara até Xabregas.

Foi porém depois do terramoto do 1.º de Novembro de 1755, e ainda mais durante o século XIX, que a cidade ampliou consideravelmente o seu âmbito do lado da terra, de forma que neste trabalho consideraremos "cidade de Lisboa" toda a região que constitui actualmente (1946) o município de Lisboa, que se estende desde as antigas portas de Algés até Olivais, ao longo da linha marginal do Tejo, e desde este rio até Benfica, Lumiar e Charneca para o norte, compreendendo portanto as antigas povoações de Belém, Alcântara, Ajuda, Benfica, Carnide, Campo Grande, Lumiar, Ameixoeira, Charneca, Encarnação, Chelas, Olivais e Xabregas.

A mais antiga representação iconográfica de Lisboa conhecida consta dum selo de cera da Câmara de Lisboa, do tempo de D. Afonso IV, pendente dum documento da era 1390 (A.D. 1352), que existiu no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em que se vê a cidade representada esquematicamente com as muralhas e torres da cerca moura.

Esta vista só é conhecida pela cópia que dela se fez para acompanhar o tomo IV (1788) da "História Genealógica da Casa Real Portuguesa", por António Caetano de Sousa.

Selo de cera do tempo de D. Afonso IV, 1352 (A.D.),
reprodução gráfica.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Depois desta, as primeiras representações iconográficas da cidade foram feitas nalguns portulanos em pergaminho, dos séculos XV e XVI, que se guardam em bibliotecas e museus estrangeiros, e que têm sido reproduzidas e publicadas em épocas recentes.

Portulano de Jorge de Aguiar (detalhe), 1492.
Imagem: Gafanha da Nazaré

São todas vistas esquemáticas em que figuram edifícios convencionais, e que tinham por fim, como os desenhos, mostrar o seu respectivo local nos ditos mapas geográficos.

Da mesma época se conserva uma vista esquemática da cidade numas tapeçarias conhecidas por "Tapeçarias da tomada de Tunis" [tapeçarias ditas de Pastrana], que se guardam em Espanha.

É dos princípios do 2.° quartel do século XVI (1529) um quadro a óleo, sobre tábuas, que contém, como episódio de assunto religioso, o desembarque em Lisboa dos Santos Mártires (Veríssimo, Máxima e Júlia), a vista mais antiga dum edifício de Lisboa, o palácio real da Ribeira propriedade dum particular [do Museu Carlos Machado].

Santos Mártires Veríssimo, Máxima e Júlia, Desembarque em Lisboa, Garcia Fernandes.
Imagem: Museu Carlos Machado

Como pequenos trechos de edifícios de Lisboa, em pintura a óleo, há os portais das igrejas da Madre de Deus, num quadro (1509) que representa a chegada a este convento, das relíquias de Santa Auta, e da Sé, num painel que contém a representação de Santo António intercedendo para livrar o seu pai, da forca (2.a metade do século XVI). Estão ambos estes quadros em museus de Lisboa.

Mestre do Retábulo de Santa Auta, Chegada das Relíquias de Santa Auta (detalhe),
Cristovão de Figueiredo?, c. 1520, MNAA.
Imagem: do Porto e não só...

Afora as mencionadas, não se conhecem outras pinturas a óleo, com motivos da cidade, até aos princípios do século XVII.

O desenho em papel mais antigo que se conserva com assunto referente a Lisboa é o da batalha da ponte de Alcântara, 1580, que deve ter sido feito pouco depois do acontecimento que comemora. Está emoldurado num gabinete da Biblioteca Nacional de Lisboa.

Batalha de Alcântara, 1580, representação c. de 1595.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Do princípio do século XVI datam as mais antigas vistas panorâmicas da cidade, que se conhecem já com um certo cunho artístico e característico de exactidão. Consistem elas em duas iluminuras em pergaminho, quase idênticas, guardadas em museus, que felizmente têm resistido ao estrago do tempo e à incúria dos homens.

A primeira dessas vistas panorâmicas encontra-se na "Chronica de D. Affonso Henriques", por Duarte Galvão (1505), códice manuscrito que pertenceu ao Conde de Castro Guimarães, mandado editar pelo mesmo conde em 1917, e deixado em testamento à Misericórdia de Cascais. Está no Museu Conde Castro de Guimarães, em Cascais.

Lisboa c. 1500–1510, Crónica de Dom Afonso Henriques, Duarte Galvão.
Imagem: Wikipédia

A segunda pertence a uma "História Genealógica da Casa Real de Portugal", iluminada por Simão Beninc [Simon Bening] (entre 1580 e l584), e que, tendo sido encontrada ou comprada em Portugal em 1842, foi adquirida depois pelo British Museum de Londres, onde se guarda.

Vista panorâmica de Lisboa, História Genealógica da Casa Real de Portugal, Simon Bening, entre 1580 e l584.
Imagem: British Museum

Acha-se reproduzida integralmente em fototipias, num album com o título "Ahnenreihen aus dem Stammbaum des Portugiesischen Königshauses", editado em Stuttgart por Julius Hoffmann, s/d..

Tanto a segunda como a primeira destas vistas têm sido reproduzidas modernamente em varias obras, e foram publicadas, em grande escala, num artigo do autor, inserto em Arqueologia e História (vol. V, 1928. pág. 101), acompanhadas dum texto descritivo.

Depois destas, a primeira vista panorâmica de Lisboa consta do livro "Da Fabrica que falece ha Çidade de Lysboa", por frãcisco dolãda [Da fábrica que falece à cidade de Lisboa, Francisco de Hollanda] (1571), estampa IV, desenho em papel. Este livro guarda-se na Biblioteca da Ajuda, e era pouco conhecido quando em 1879 foi publicado o texto, e depois, em 1929, o texto com as estampas.

Da fábrica que falece à cidade de Lisboa (i. e. construções que faltam à cidade de Lisboa), Francisco de Holanda, 1571.
Imagem: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de S. Paulo

São numerosos os livros que até ao fim do século XVIII se publicaram no estrangeiro, ilustrados com vistas de cidades, de edifícios, e de trechos pitorescos de paisagens.

Mas, pelo que respeita ao nosso país, pode dizer-se que quase nada nele se fez a tal respeito, sendo por isso devida a estrangeiros, e não a nacionais, a divulgação da vista panorâmica e as de alguns edifícios da nossa capital sendo tais documentos gráficos os únicos que nos permitem ter conhecimento de algumas cousas desses remotos tempos, hoje desaparecidas. (1)


(1) Vieira da Siva, Augusto, Iconografia de Lisboa, Revista Municipal n.° 32, Câmara Municipal de Lisboa, 1947
 
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Leitura adicional:
Lisboa do século XVII "a mais deliciosa terra do mundo"

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