sábado, 9 de janeiro de 2016

Iconografia de Lisboa (3.ª parte)

Uma outra modalidade de vistas panorâmicas e de edifícios isolados, muito em voga no século XVIII e nos princípios do imediato, consistia nas chamada vistas ópticas, que eram gravadas em cobre, geralmente toscamente coloridas, e com dimensões aproximadamente uniformes, destinadas a ser exibidas em câmaras ópticas ou cosmoramas, onde as "Vistas às avessas mostram o Mundo às direitas", como dizia, pelo ano 1809, o nosso bom José Daniel Rodrigues da Costa.

Lisboa, representação invertida da topografia da cidade, baseada em gravura precedente de Pierre Aveline, c. 1750.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Havia editores franceses, ingleses e alemães, que publicavam séries ou colecções destas vistas de monumentos, edifícios e cidades de todo o mundo, contribuindo assim para a propaganda das belezas e dos aspectos pitorescos dos diferentes países; constituíam elas o bilhete postal ilustrado e popular daqueles tempos.
Em 1946, o ano em o artigo foi escrito, durante o Estado Novo, o tema da governação espanhola, entre 1580 e 1640, era sensível e frequentemente evitado, fosse pela debilitação do orgulho nacionalista, fosse para não incomodar a, também nacionalista, Espanha de Franco.

Praticamente só Leitão de Barros abordou o tema, no filme Frei Luís de Sousa, na cena do incêndio, quando Manuel de Sousa Coutinho lança fogo à sua própria casa, em Almada, de modo a não albergar Filipe II de Espanha.


Tiremos então partido desse hiato pictórico, no texto original do engenheiro Augusto Vieira da Silva, para aqui intercalar algumas imagens do período Filipino, onde o Paço da Ribeira se evidencia pelo torreão maneirista, de Fillipo Terzi, que a partir de 1581 substitui a arquitectura manuelina, de Diogo de Arruda.

Vista geral da cidade de Lisboa capital de Portugal antes do terremoto.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Umas dessas estampas são invertidas, a fim de que, quando introduzidas na câmara óptica, e com a margem inferior para baixo, se vissem os edifícios e os panoramas com o aspecto que eles naturalmente possuíam.

Os títulos, inscritos nas margens, superior ou inferior, eram também muitas vezes invertidos, de modo que, quando vistos, na câmara óptica, a sua leitura fazia-se ás direitas. Outras vezes, porém, as vistas eram direitas, de forma que introduzidas na câmara, mostravam os panoramas invertidos (da esquerda para a direita e vice-versa), o que não tinha inconveniente algum para os efeitos e fins que para o público se pretendiam obter com tais exibições.

Lisabona, Georg Balthasar Probst (1732-1801), c. 1730.
Imagem: Swaen

As vista ópticas da cidade de Lisboa, de que temos conhecimento, são geralmente cópias mui incorrectas, de estampas anteriores, panorâmicas e de edifícios, que se adaptavam ao formato e dimensões próprias para exibição nas câmaras ópticas.

Excepcionalnente encontram-se, sem serem destinadas a câmaras ópticas, algumas vistas de Lisboa invertidas, no que se refere aos seus lados direito e esquerdo, isto é, como o lado da foz do Tejo à direita do observador. Não sabemos explicar, senão por um equívoco do desenhador, o que levou este a praticar tal anomalia.

Lisboa amplissima lusitaniæ civitas, totius indiæ orientalis et occidental:
emporium celeberrimum, 1619.
Imagem: World Digital Library

As numerosas vistas panorâmicas produzidas durante este período de dois séculos que estamos considerando, isto é, até ao terremoto de 1755, eram feitas mui rudimentarmente.

Lisbona, Giuseppe Longhi, 1670.
Imagem: BLR

Os desenhadores copiavam os edifícios principais e característicos, que colocavam nos seus respectivos locais, e o espaço restante era preenchido com casaria, telhados, fachadas e janelas, dispostas de uma maneira mais ou menos arbitrária.

Lissbona, representação invertida da topografia da cidade,
Jeremias Wolff (1663-1724), segundo Friedrich Bernhard Werner (1690-1776).
Imagem: Paulus Swaen

Por isso o aproveitamento de tais estampas, como documento, para a história, deve ser feito mui criteriosamente, para não induzir em erros, como por várias vezes tem sucedido. (1)


(1) Vieira da Siva, Augusto, Iconografia de Lisboa, Revista Municipal n.° 32, Câmara Municipal de Lisboa, 1947
 
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Leitura adicional:
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