segunda-feira, 4 de julho de 2016

Pequeno canal ou golada do Tejo

Na foz, o acesso marítimo ao interior do estuário [do Tejo] processa-se através de 3 canais ladeados por bancos de areia denominados Cachopo Norte e Cachopo Sul: O Grande Canal ou Barra Grande, localizado ao centro, liga o Atlântico ao Terreiro do Paço, apresenta largura mínima de 200m, caracteriza-se por uma boa estabilidade de fundos que actualmente se encontram a 16m e são facilmente aprofundáveis através de simples dragagem de areias; O Canal Norte ou Barra Norte situado entre o Cachopo Norte e a praia de Carcavelos, permite a navegação a navios de calado inferior aos 11 metros;

O naufrágio do HMS Bombay Castle na foz do Tejo, Lisboa, em 21 de dezembro de 1796, Thomas Buttersworth.
Imagem: artnet

O Canal Sul, denominado Golada, localizado entre o Cachopo Sul e a praia da Caparica, apenas acessível a embarcações de pequeno calado [...] (1)

Na área de estudo as principais alterações na linha de costa abrangem sobretudo a embocadura do Tejo, nomeadamente a golada do Tejo ou restinga do Bugio, ou seja, um banco de areia que liga o Farol do Bugio e a Cova do Vapor.

Vista aérea do estuário do Tejo, 2008.
Imagem: Porto de Lisboa

Esta golada nem sempre esteve fechada, como é possível observar na figura [abaixo] e o seu fecho/abertura é responsável por importantes modificações no areal da Costa de Caparica e Cova do Vapor.

Boat Channel (a golada), The environs and harbour of Lisbon, Laurie & James Whittle 001
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Em 1845 assiste-se ao início de um recuo de cerca de 750 m da ponta livre da restinga da Cova do Vapor em direção ao farol do Bugio. Entre 1879 e 1893 o recuo acentua-se e a ponta da restinga avança 400m em direção ao farol.

Plano hydrographico da barra do porto de Lisboa (detalhe), Francisco M. Pereira da Silva, 1857.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

A restinga do Bugio ou golada do Tejo sofre um acentuado recuo na segunda metade do século XIX, o que provoca a sua abertura. 

Planta hydrographica da barra e porto de Lisboa (detalhe), Joäo Verissimo Mendes Guerreiro, 1878
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

A partir do início do século XX começa a assistir-se ao avanço da restinga em direção ao Farol do Bugio, promovendo o seu fecho. 

Carta de Lisboa e seus arredores A. Filippe da Costa, 1909.
Imagem: Biblioteca Nacional Portugal

Entre 1929 e 1939 a extremidade livre da restinga (golada do Tejo) avança 750 m em direção à fortaleza do Bugio e recua cerca de 200 m na margem fluvial a oeste da Trafaria, sendo possível a travessia a pé em maré baixa da Cova do Vapor ao farol do Bugio.

Plano Hidrográfico da Barra do Porto de Lisboa (detalhe), 1929, actualizado em 1939.
Imagem: Biblioteca Nacional Portugal

A restinga do Bugio ou golada do Tejo tem uma importante influência no areal da Costa de Caparica e Cova do Vapor, considerando que se torna num importante esporão artificial, eficaz na retenção de sedimentos.

A partir de 1940 inicia-se um processo de erosão e uma redução acentuada da restinga que ligava a Cova do Vapor ao Bugio, sendo possível a passagem apenas em maré vazante. Esta redução é consequência de dragagens realizadas nesta área e em que o destino dos materiais dragados permanece desconhecido. 

Cova do Vapor, vista aérea (detalhe), 1953.
Imagem: Flickr

Segundo Abreu [V., O Porto de Lisboa e a Golada do Tejo, Síntese do Ciclo de Conferências O Porto de Lisboa e a Golada do Tejo apresentada na Academia de Marinha, 2010] nos anos 40 do século XX foram retirados da zona da Cova do Vapor cerca de 14,5 Mm3 de areia para aterros na margem direita do Tejo, no troço Belém-Algés. O projeto da construção e respetivos aterros da doca de pesca de Pedrouços datam de 1942, pelo que o destino dos materiais dragados seria provavelmente esse. 

Já em 1948 foi aprovada a retirada de areias da mesma zona para a "Regularização da Margem Esquerda do Tejo, entre Cacilhas e o Alfeite", sendo desconhecida a quantidade.

Vista aérea da variante à Estrada Nacional 10, zona da Mutela e da Margueira, 1958.
Imagem: IGeoE

Em 1959 é construída a primeira obra de defesa na Cova do Vapor, seguindo-se a construção de mais dois esporões e a obra longitudinal aderente.

Esporão da Cova do Vapor e vista do Forte ou Torre de S. Lourenço ou Bugio, Margarida Bico, 2015.
Imagem: Panoramio

Entre 1957 e 1963 assistiu-se a um recuo da linha de praia de 150m. 

Costa da Caparica, A praia 35 K de comprida, ed. Passaporte, 10, década de 1950.
Imagem: Fundação Portimagem

Entre 1968 e 1971 são construídos mais sete esporões na Costa de Caparica [...] Em 1971 é feita a primeira referência à alimentação artificial de praias na Costa de Caparica. 

Em 1979 já tinha sido dado início à construção do Terminal Cerealífero da Trafaria, atualmente a Silopor (Portaria nº 665/81, 5 de Agosto). Construído na margem sul do Tejo, entre a Trafaria e a Cova do Vapor, foi responsável por uma acentuada acumulação de areias. 

Trafaria, Cova do Vapor e Terminal Portuário, 2009.
Imagem: A Terceira Dimensão

O terminal funcionou como uma barreira que impedia a circulação natural de sedimentos, ficando então os sedimentos retidos a oeste do terminal, dando assim origem ao extenso areal que ser pode observar na zona dos Torrões da Trafaria [...]

Até ao ano de 1995 a situação esteve estabilizada, embora com perda progressiva da largura e volumetria da praia.

Costa da Caparica, Aspecto da praia, ed. Centro de Caridade N. Sr.a do Perpétuo Socorro, n.° 629, déc. 1980 1970.
Imagem: Delcampe

A partir do ano de 1996 a erosão acentua-se e assiste-se a danos preocupantes na praia e duna de S. João da Caparica. Os Invernos são a partir do ano de 1996 muito rigorosos, com registo de inúmeros galgamentos e destruições e progressivo emagrecimento do areal em S. João e Costa de Caparica. Entre 1999 e 2002 a linha de costa recuou em média cerca de 14,6 m.

Entre 2002 e 2007 recuou cerca de 12,2 m. Em 2007 inicia-se a alimentação artificial de praias com 0,5 Mm3, em 2008 com 1 Mm3 e em 2009 com igualmente 1 Mm3 de areias. Entre 2007 e 2010 foram gastos cerca de 2,5 Mm3 de areias provenientes de dragagens do porto de Lisboa e um ganho de cerca de 700.000 m3 de areias no sistema. 

Em 2014, devido a um Inverno (2013-2014) muito rigoroso e violento, que causou inúmeros galgamentos na zona da Costa de Caparica e o emagrecimento preocupante do areal, retomaram-se as obras de alimentação artificial de praias com 1 Mm3 de areias dragadas do canal de navegação do porto de Lisboa.

Vista do estuário do Tejo, tomada da Estação Espacial Internacional (detalhe), Samantha Cristoforetti, 2015.
Imagem: Samantha Cristoforetti no Facebook

Atualmente ocorre um período climático quente que se traduz numa desglaciação e consequentemente, num aumento do nível médio do mar (NMM). No litoral português o NNM subiu cerca de 15 cm durante o século XX e as projeções são de que suba entre os 0,75 e 1,90 m até ao final do século XXI, sendo o valor mais assertivo próximo de 1 m [...] (2)


(1) Cluster do Mar, O Porto de Lisboa
(2) Marta Oliveira, Evolução Natural e Antrópica Trafaria - Cova do Vapor - Costa de Caparica, Lisboa, UL, 2015

Artigos relacionados:
Os Cachopos
Mar da Calha

Ligações externas:
Valle de Trafaria e pantano do Juncal

Leituras relacionadas:
Estudo das intervenções na costa da Caparica
A Geologia no Litoral Parte I: Do Tejo à Lagoa de Albufeira
O Porto de Lisboa e a Golada do Tejo

3 comentários:

Anónimo disse...

Interessante artigo, mas com alguns erros.


A foto com a legenda : 'Costa da Caparica, Aspecto da praia, ed. Centro de Caridade N. Sr.a do Perpétuo Socorro, n.° 629, déc. 1980.
Imagem: Delcampe' não pode nunca ser datada da década de 80, pois é seguramente anterior.
https://almada-virtual-museum.blogspot.pt/2016/07/pequeno-canal-ou-golada-do-tejo.html

Note-se que as Torres Europa ( cuja construção se iniciou por volta do inicio de 1970, e finalizadas em 1975-6 ) nem sequer figuram nessa imagem.



Quanto à imagem legendada com :
' Cova do Vapor, vista aérea (detalhe), 1953.
Imagem: Flickr'
https://almada-virtual-museum.blogspot.pt/2016/07/pequeno-canal-ou-golada-do-tejo.html

tenho sérias dúvidas se será mesmo datada de 1953 (?), ou se será antes da década de 1970.



Seria importante ser-se rigoroso com as referências temporais em artigos deste tipo.

Rui Granadeiro disse...

Caro anónimo,

É sempre importante ser-se rigoroso, o que nem sempre se consegue.

Tem razão quanto à primeira foto, embora fosse circulada em postal na década de 1980, a tomada da vista é da década anterior, pelas razões que indica.

Quanto à vista da Cova do Vapor é certamente anterior a 1959, data da construção das primeiras defesas. Á falta de melhor informação, a indicada na origem das fotos é suficiente, i. e. 1953.

Cumprimentos

Anónimo disse...

Tenho uma foto do meu avô com o meu tio pequenino a pé de mão dada, vestidos, o meu avô vestido como se estivesse no meio de Lisboa, sobretudo, em cima da areia com o Bugio por trás. Anos 30 do séc. XX. 1932 ou 1933. Foram provavelmente a pé da Cova do Vapor até ao Bugio.