sábado, 30 de dezembro de 2017

José Elias Garcia (1830-1891)

Nascido em Cacilhas (Almada), a 31 de Dezembro de 1830, filho de José Francisco Garcia, chefe de oficinas do Arsenal da Marinha, defensor das ideias liberais que foi perseguido e preso pelos miguelistas. Em 1833, o pai de José Elias Garcia foge da cadeia do Limoeiro, quando aguardava a condenação à morte.

José Elias Garcia.
Imagem: ANTT

Elias Garcia estuda primeiro na Escola de Comércio de Lisboa, que conclui em 1848. Mais tarde entra na Escola Politécnica de Lisboa, seguindo posteriormente para a Escola do Exército (1857). Enveredando pela carreira militar assenta praça em 31 de Agosto de 1853, como voluntário no Regimento de Granadeiros da Rainha, atingindo o posto de coronel em 27-09-1888.

Dedicando-se ao ensino, foi convidado para leccionar a cadeira de Mecânica Aplicada, na Escola do Exército. Ocupou ainda outras funções como: no Conselho Geral de Instrução Militar, Conselho Naval, presidente da Junta Departamental do Sul e da Associação dos Jornalistas e Escritores Portugueses.

José Elias Garcia por Joshua Benoliel.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Foi um dos principais responsáveis pelo aparecimento de um grupo republicano cerca de 1850, fruto das consequências das revoltas que tinham eclodido na Europa em 1848 [...](1)

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Após a aclamação de D. Miguel (26-6-1828) seguem-se seis anos de terror, com perseguições, deportações e execuções. Em 27-10-1828 é publicado o Edital da Intendência Geral da Polícia que obrigava os cidadãos a denunciar a "infame e criminosa seita maçónica" para pôr cobro ao "nefando e horroroso projeto de destruir o Altar e o Trono".

Retrato de Elias Garcia.
Imagem: ANTT

O triunfo definitivo do liberalismo (1834) e a ascenção de D. Pedro IV, Grão-Mestre da Maçonaria brasileira, marca um período de apogeu da Ordem, que só viria a terminar com a Revolução de 28 de Maio de 1926. 

No princípio do séc. XIX a Maçonaria contava com milhares de filiados, incluindo nas ilhas dos Açores e Madeira e nas antigas colónias, justificando-se, assim, uma organização federadora, ou Grande Loja.

Esta foi criada em 1802 com o nome de "Grande Oriente Lusitano" (G.O.L.), recebendo o reconhecimento da Grande Loja de Inglaterra em Maio desse ano, embora o respetivo tratado só tenha chegado a Portugal em 1803. Foi eleito primeiro Grão-Mestre o desembargador da Casa de Suplicação, Sebastião José de São Paio de Melo e Castro Lusignam. 

O G.O.L. é, assim, o tronco da Ordem maçónica no nosso país. A sua  Constituição foi aprovada em 1806. Entre 1849 e 1859 o "Grande Oriente Lusitano" denominou-se "Grande Oriente de Portugal", e a partir de 1869 "Grande Oriente Lusitano Unido", retomando a designação original em 1985. 

Desde 1826 e até meados da centúria, o G.O.L. representou a corrente conservadora da Maçonaria, ligada à ideologia política do "cartismo", tendo como Grão-Mestres Silva Carvalho e Costa Cabral.

Este comprometimento provocou várias cisões: do Marechal Saldanha, que fundou em 1828 o "Oriente do Sul", de Passos Manuel, que fundou o "Oriente do Norte" (1834), e de Elias Garcia que [iniciado na Maçonaria em 1853 com o nome simbólico de Péricles, na Loja 5 de Novembro, em Lisboa, ligada ao rito francês e subordinada à "Confederação Maçónica Portuguesa"] criou a "Federação Maçónica" (1863).

Estas cisões corresponderam às diversas correntes do liberalismo e consequen-te conquista do poder, funcionando as respetivas Lojas como células partidárias, como aconteceu com a Loja "Liberdade", fundada em Coimbra em 1863 por lentes da Universidade e intelectuais (António Aires de Gouveia, Bernardo de Albuquerque e Lourenço de Almeida e Azevedo, entre outros menos conhecidos). 

Por isso, as vicissitudes da política repercutiram-se negativamente no prestígio e coesão da Ordem Maçónica. Por seu turno, o próprio G.O.L. havia de gerar a cisão de Silva Carvalho que, com outros, constituiu o "Oriente do Rito Escocês". 

Contudo, em 1869 foi possível reconciliar os Irmãos desavindos, com a criação do "Grande Oriente Lusitano Unido", sob o Grão-Mestrado do Conde de Paraty. Desde então, e excetuando pequenas convulsões, reinou a unidade da família maçónica. Foi o período áureo da Maconaria portuguesa.

Passaram pelo Grão-Mestrado figuras tão ilustres como Elias Garcia António Augusto de Aguiar, Bernardino Machado, mais tarde presidente da República e Sebastião de Magalhães Lima.

Retrato e assinatura de Elias Garcia.
Imagem: Casario do Ginjal

Foram igualmente maçons nomes prestigiados como Mouzinho da Silveira, Alexandre Herculano, Garrett, João de Deus, o cardeal Saraiva, patriarca de Lisboa, Machado Santos, Afonso Costa, António José de Almeida, António Maria da Silva, Miguel Bombarda, Sidónio Pais, Camilo Castelo Branco, Antero de Quental, Eça de Queirós, Rafael Bordalo Pinheiro, Egas Moniz (prémio Nobel da Medicina), Teixeira de Pascoais, Jaime Cortesão e Aquilino Ribeiro. (2)

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Entrou na política, com tendências pronunciadamente democráticas, e em 1854 fundou o primeiro jornal republicano, intitulado O Trabalho; em 1858 apareceu o Futuro, jornal fundado e sustentado por um grupo a que pertencia José Elias Garcia.

Almada, um aspecto do cortejo de homenagem a Elias Garcia, 1933.
Imagem: ANTT

Neste ano ainda se não havia constituído em Portugal o Partido Republicano; José Felix Henriques Nogueira e Lopes de Mendonça não tinham conseguido formar em torno de si um grupo de acção. 

O Futuro, mais tarde, em 1862, fundiu-se com a Discussão, tomando o nome de Política Liberal; foi este um dos jornais que mais valentemente combateram contra a vinda a Portugal das irmãs de caridade e dos lazaristas franceses, sendo secundado nessa luta por José Estêvão na câmara dos deputados.

Em 1868 pertenceu ao célebre grupo do pátio do Salema, donde saiu o Partido Reformista, que foi, por assim dizer, a guarda avançada do Partido Republicano. 

Elias Garcia foi convidado para entrar no ministério presidido pelo bispo de Viseu, D. António Alves Martins, e doutra vez recebeu convite do visconde de Sá do Bandeira. Recusou essa honra, que muitas mais vezes repeliu, mesmo depois de ser eleito para o directório do Partido Republicano.

Cacilhas, um aspecto do cortejo de homenagem a Elias Garcia, 1933.
Imagem: ANTT

Em 1865 foi também redactor principal do Jornal de Lisboa, que redigiu até ao último número. 

A 12 de outubro de 1873 publicou-se o primeiro número da Democracia, jornal redigido por José Elias Garcia, inserindo um artigo editorial escrito por Latino Coelho, precedendo a exposição do programa republicano, que era o do jornal. 

Mais tarde, em 1876, organizou-se um centro republicano, devido especialmente a Elias Garcia. Não foi, porém, este o primeiro centro estabelecido no país, pois já haviam sido fundados em Coimbra, mas até à data da instituição do de Lisboa, ainda o Partido Republicano não estava definitivamente constituído.

José Elias Garcia foi deputado pela primeira vez em setembro de 1870, quando tinha ainda o seu nome ligado ao Partido Reformista, que, por ser então o mais liberal, era o que convinha aos homens que compunham a guarda avançada da democracia. 

Em 1881, depois da valente campanha do tratado de Loureço Marques, em que ele tomou parte muito activa, comparecendo nos comícios particulares que se realizaram em Lisboa contra aquele tratado, e como protesto contra o governo regenerador que iniciara o período das perseguições, foi eleito pelo círculo 95, de Lisboa, para a legislatura que começou em 2 de janeiro de 1882, e terminou pela dissolução de 24 de maio de 1884.

Tornou a ser deputado na legislatura de 15 de dezembro do referido ano de 1884 até 7 de janeiro de 1887, dia em que foi dissolvida a câmara. Também pertenceu à legislatura de 2 de abril de 1887, dissolvendo-se a Câmara em 11 de julho de 1889. Nas eleições que se seguiram, a lista republicana ficou derrotada, porque, não tendo sido atendidas as reclamações dos centros republicanos, a votação se dividiu.

Colocação da lápide na casa onde nasceu Elias Garcia em Cacilhas, 1933.
Imagem: ANTT

Com a questão inglesa e os primeiros actos do despotismo do governo regenerador, o partido republicano novamente se animou, e apesar das simpatias gerais dos candidatos do governo, escolhidos entre os africanistas de maior popularidade, a lista republicana triunfou no dia 29 do março de 1890, sendo Elias Garcia novamente eleito, juntamente com Latino Coelho e Manuel Arriaga.

Durante o tempo em que foi vereador da Câmara Municipal, prestou muitos e importantes serviços; estabeleceu as escolas centrais, o ensino da ginástica, os batalhões escolares, o ensino do desenho de ornato, o canto coral das escolas e as bibliotecas populares. A primeira junta escolar que funcionou foi por ele presidida [...] 

Elias Garcia morreu pobre, porque sacrificou tudo quanto auferia pelos seus trabalhos, em proveito do seu partido, e para a sustentação da Democracia, jornal que ele fundara, e que lhe merecia a maior dedicação. 

A sua morte foi muito sentida; a imprensa unânime, de todas as cores políticas do país, consagram nas colunas dos seus jornais, indeléveis testemunhos de quanto apreciava e respeitava o carácter e merecimento de tão útil e benemérito cidadão, e lastimava a sua perda.

Estandarte da Loja Elias Garcia referente ao vintém das Escolas
Escola n° 1
Imagem: Fundação Mário Soares
O funeral foi imponentíssimo. Ali se viam incorporadas diversas associações as crianças do asilo de S. João, as escolas municipais com os respectivos professores, os alunos e o corpo docente da Escola do Exército representantes de todos os partidos políticos, da câmara municipal, da maçonaria portuguesa, bombeiros municipais, etc. 

Quatro anos depois em 21 de abril de 1895, o Grande Oriente Lusitano mandou levantar um jazigo no cemitério Oriental, para onde foram trasladados os seus restos mortais. Também foi uma manifestação imponente. O monumento é simples, tem a forma de obelisco, foi delineado por Silvestre da Silva Matos. Está levantado em terreno concedido gratuitamente pela câmara municipal, que tomou o encargo da sua conservação e reparação [...] (3)


(1) Almanaque Republicano
(2) António Arnaut, Introdução à Maçonaria
(3) Dicionário histórico

Leitura adicional:
Heliodoro Salgado, A insurreição de janeiro..., Porto, Typ. Emp. Lit. Typ., 1894
Eduardo Barros Lobo, A volta do Chiado, Lisboa, A. M. Pereira, 1902
A maçonaria em Portugal..., Edição da Ligue Anti-Maçonnique.
Luís Alves Milheiro e Abrantes Raposo, José Elias Garcia, Junta de Freguesia de Cacilhas, 2005
A República nos Concelho da Margem Sul

Mais leituras:
A Illustração Popular
Occidente 445, 1 de maio de 1891
O Tiro Civil 109, 1 de abril de 1897
lllustração portugueza 271, 1 de maio de 1911

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