quinta-feira, 4 de agosto de 2022

De regresso à Lapa (com Luís Bayó Veiga e outros cacilhenses)

À direita, assente na vertente um pouco mais recuada do maciço rochoso, erguia-se uma construção toda em pedra, que tinha a forma cilíndrica e que mais não era que um torreão que acompanhava toda a altura da arriba do morro encimado por uma pequena habitação de forma quadrada com telhado coberto por telha lusa e que tinha 3 janelas viradas respectivamente a nascente, sul e norte.

Esboços de Paizages d'Mediterraneo e Lisboa, 28.
Cacilhas, Luiz Gonzaga Pereira, 1809 (com a zona da Lapa à esquerda da imagem).
Museu de Lisboa

A porta localizava-se a poente e dava acesso ao caminho que percorria o cimo do morro, onde se situavam precárias habitações que faziam parte da Margueira Velha, até se chegar ao Largo de Gil Vicente, como então se chamava (...)

Percorrendo de seguida a ala direita da Lapa, no sentido do Largo de Cacilhas, existiam 4 prédios separados entre si por pequenos acessos laterais que conduziam a quintais ou pequenas construções anexas.

Cacilhas vista do Tejo, gravura xilográfica, João Pedroso, 1846
Revista O Panorama, n° 18, 1847

Seguidamente, procura-se fazer um resumo da descrição de cada um deles.

O primeiro prédio localizado mesmo defronte ao portão de entrada dos estaleiros da “Parry”, era de construção muito antiga e encontrava-se bastante degradado. Em meados da década de 1930, foi comprado por José de Jesus Malaquias, então comerciante de Cacilhas, que na práctica o reconstrui quase de raíz e o transformou em prédio de rendimento com 4 pisos e 8 fogos, comportando ainda 2 espaços que funcionavam como armazém de mercadorias, um dos quais tinha acesso exterior por uma escada em pedra existente na fachada lateral do edifício (I).

Cacilhas, Carro Carreira da Empreza Camionetes Piedense, Leslie Howard, década de 1930.
A zona da Lapa em segundo plano (detalhe).
Museu da Cidade de Almada

José de Jesus Malaquias ficou a viver no 3° andar conjuntamente com a sua mulher, Maria Rosa Malaquias e seu filho José Malaquias, alugando os restantes fogos a diversos inquilinos, entre os quais se relembram alguns deles tal como eram conhecidos:

—  Tomás das Camionetes que era expedidor da empresa de camionagem Setubalense;
— Carlos da Ponte que possuía uma lancha para transportar passageiros a bordo dos navios ancorados ao largo do Tejo. (1o andar);
— Álvaro Cortador, conhecido talhante de Cacilhas que depois foi viver para a Rua Carvalho Freirinha;
— António Pintassilgo que era irmão do mestre do cacilheiro Renascer (4° andar);
— Joaquim Vieira, motorista dos barcos da Parceria dos Vapores Lisbonenses.


No piso térreo do “prédio do Zé Malaquias”, como ficou a ser conhecido, situava-se a “taberna do Malaquias”, que também funcionava como casa de pasto, que era frequentada aos almoços pelo pessoal um pouco mais abastado que trabalha mesmo defronte na “Parry”.

Existiam ao tempo, mais tabernas e tascas na localidade de Cacilhas, mas segundo “rezam as crónicas” era na taberna do “José Malaquias” na Lapa, que se servia o melhor vinho tinto, que provinha das adegas de Xavier Santana localizadas em Palmela, que ainda hoje existem.

A traseira da taberna dava acesso para um saguão que existia no interior do prédio e era aqui que se localizava numa das paredes, uma porta que dava acesso à entrada de uma gruta que segundo se dizia, se prolongava em forma de túnel subterrâneo, em direcção onde existia à superfície, a Estalagem /Cocheira do Narciso José e depois declinando em frente do local onde se situa a “Igreja de Cacilhas”, seguiria para Almada, bifurcando-se para o forte de Almada e o palácio da Cerca, onde se sabe existirem diversos tuneis subterrâneos...

Carta hydrographica do littoral de Cacilhas, 1838.
 Biblioteca Nacional de Portugal

Segundo José Malaquias (filho), ao penetrar-se pela galeria da gruta com a ajuda de um candeeiro a petróleo ou pequeno archote, uma vez que não existia iluminação eléctrica, poucos passos adiante a chama extinguia-se, o que era indicativo de haver pouco oxigénio no ar pelo que naquele tempo, ninguém se atrevia a ir mais além...

A seguir ao prédio do Malaquias, havia um armazém de Azeite a granel que era pertença de Ferreira Marques. O seu encarregado de apelido Oliveira, vivia no 1° andar com mulher e filhos. O azeite era embalado em latas de folha-de-flandres de 1 e 5 litros e era destinado à exportação (II).

Grupo de Obuses Pesados, Manobras militares do Outono (detalhe), 1937.
Arquivo Nacional Torre do Tombo

Logo depois, erguia-se um enorme prédio de rendimento já bastante antigo e gasto, que pertencia à família da Casa Serra (III).

A Casa Serra, cujo proprietário era o comerciante João Baptista de Carvalho Serra, tinha os seus escritórios e estabelecimento num prédio na actual Rua Cândido dos Reis, onde vivia com a família no 1° andar. Esta firma comercializava enorme gama de géneros alimentícios, mas também licores, xaropes e ainda produtos de drogaria, ferragens e calçado.

Procedia ainda ao fabrico de gasosas. Aquele prédio que tinha grande profundidade, era formado por 3 pisos e águas furtadas, e nele habitavam diversos inquilinos. Todas as fachadas tinham janelas do tipo guilhotina.

Na frente principal do prédio, existia um a acompanhar a sua largura, um logradouro em forma de quintal, local preferido pelo rapazio para brincadeiras e jogatanas de bola.

As suas escadas interiores, em madeira já envelhecida e carunchosa, rangiam ao serem percorridas e a rapaziada que por ali brincava chamava-lhe o prédio das carochas... Segundo informação recolhida, no rés-do- chão existia ainda a entrada para uma taberna e casa de pasto que pertencia a José Narciso que habitava no mesmo prédio com mulher e filhos.

Continuando na direcção ao Largo de Cacilhas, deparava-se de seguida com uma entrada em forma de rampa que intervalava o prédio antecedente com o último prédio da Lapa que já fazia gaveto com o Largo.

Bailarico em Cacilhas, possível original de A. E. Hoffman, c. 1835.
Alberto de Souza, Alfacinhas, Os Lisboêtas do passado e do presente, Lisboa, edição de Fernando Souza.

Esta estreita rampa permitia o acesso de veículos a um logradouro interior onde se localizavam duas pequenas construções com telhados de duas águas que serviam inicialmente de garagem aos veículos pertencentes à Casa Serra.

Aquelas construções foram compradas em 1942 pela firma José Pinto Gonçalves, Lda. para servirem de armazém de mercadorias e permi- tindo então a ligação a outro armazém que a firma já possuía nas traseiras do prédio na Rua Cândido dos Reis, onde se situava o estabelecimento Casa da Beira Alta.

Casa da Beira Alta de José Pinto Gonçalves, Mercearia, Fanqueiro e Retrozeiro
Largo Costa Pinto, Cacilhas
Boletim O Pharol

Finalmente o último prédio da Lapa, era composto por 3 pisos e em todas as fachadas existiam janelas de guilhotina. Ao nível térreo na esquina virada a sul, existia uma garagem para recolha de viaturas a qual não era visível pelo Largo de Cacilhas e que pertencia à Casa Serra, Lda (IV).

Para o eventual relembrar de alguns cacilhenses mais provectos na idade, referem-se alguns dos últimos inquilinos que viveram neste prédio:

Casimira que era cabeleireira em Cacilhas (1° andar);
José Joaquim Júnior e Donorah Vialonga (1° andar);
Magalhães que era Cabo de Mar (2° andar),
André que era expedidor da camionagem Setubalense (3° andar).

Na fachada virada para o Largo de Cacilhas, estava escrito em letras pretas garrafais: Garage CentralRecolha de Automóveis.

Grupo de Obuses Pesados, Manobras militares do Outono (detalhe), 1937.
Arquivo Nacional Torre do Tombo

Já virada para o largo de Cacilhas, existia uma taberna e casa de pasto, bem frequentada, que pertencia a Antonino Ferreira, conhecido pelo “Pinga Azeite”, cuja entrada se fazia pelo lado da Lapa.

Já fora do sítio da Lapa, mas a bem dizer, com “paredes meias”, e logo a seguir à taberna do “Pinga Azeite” poucos metros adiante, à entrada da rua Cândido dos Reis, havia uma outra taberna também muito conhecida e que veio (por razões diferentes da sua actividade), a ficar famosa: Era a taberna da Tia Francisca, como era conhecida, a qual já existia a funcionar, desde a primeira década de 1900.

A multidão aguardando o ministro na villa de Cacilhas, Joshua Benoliel, 1911.
Hemeroteca Digital

A Tia Francisca, que explorava a taberna, vivia no 1° andar do mesmo prédio com seu marido e seu filho, José de Jesus Malaquias. Este casou, ainda bem jovem, e nos primeiros anos continuou a viver na casa dos seus pais, com sua mulher e seu filho, José Malaquias, que entretanto tinha nascido em 1934.

Só após as obras concluídas no prédio que tinha adquirido na Lapa é que então se mudou para lá, e começou a explorar o seu próprio negócio de taberna e Casa de Pasto, mantendo-se aberta a taberna explorada por sua mãe.

Lapa de Cacilhas, aguarela de Anyana, O Scala, inverno 2006.
Casario do Ginjal

Em 1947, com a previsível expropriação de todas as construções existentes na ala direita da Lapa, a fim de ser aberta uma nova via de acesso entre Cacilhas e a Cova da Piedade, José de Jesus Malaquias, acabou por ir viver para Almada e passou a explorar a taberna que pertencia a seus pais, sucedendo assim à sua mãe Francisca, naquele negócio (...) (1)


(1) O Pharol n° 25, A Lapa - Um recanto de Cacilhas, 2014

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A menina do mirante
O torreão e a Lapa
Na esplanada do forte de Cacilhas
Bailarico em Cacilhas
Cacilhas vista do Tejo, em 1847
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Na Lapa de Cacilhas em 4 de junho de 1950
etc.

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