segunda-feira, 11 de maio de 2015

Reviralho

Logo que chegou à chefia do poder, em 5 de Julho de 1932, António de Oliveira Salazar começou a elaborar a Constituição sobre a qual assentaria o seu novo regime, o Estado Novo.

António de Oliveira Salazar, Associated Press, 1966.
Imagem: The Delagoa Bay World

Após ser plebiscitado, o texto constitucional foi promulgado em Abril de 1933, no ano em que o novo regime salazarista criou a polícia política (PVDE) e o Secretariado de Propaganda Nacional (SPN) e lançou as bases da legislação corporativa, que assentaria, depois da proibição das associações operárias, em Sindicatos Nacionais (SN) únicos e Grémios patronais todo-poderosos.

Federação Nacional para a Alegria no Trabalho (F.N.A.T.).
Costa da Caparica, aspecto do almoço dos trabalhadores dos Sindicatos Nacionais, 1937.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

Na luta contra o processo da chamada "fascização" dos sindicatos e num movimento de recusa de dissolução das organizações operárias nos SN e de formação de comités de base de luta por reivindicações económicas e liberdades políticas, ergueram-se os anarco-sindicalistas, os comunistas e alguns socialistas, respectivamente organizados na Confederação Geral do Trabalho (CGT), na Comissão Inter-Sindical (CIS) e na Federação das Associações Operárias (FAO), bem como elementos do Comité das Organizações Sindicais Autónomas (COSA). (1)

O Reviralho, Orgão do Comité de Defesa da República,
1a edição, 2o semestre de 1927.
Imagem: Hemeroteca Digital

Poder-se-ia dizer, como José Pacheco Pereira, que, sendo o "18 de Janeiro [de 1934] um dos mitos fundadores da imagem revolucionária do proletariado português", é "pouco importante saber quem e porquê" — "saber se foram os anarquistas da CGT ou os comunistas do PCP", "saber se o soviete da Marinha Grande" durou muito ou pouco tempo, no caso "cinco minutos" — argumentando que o "simbólico nunca precisou de enredos muito compridos para se agarrar desesperadamente ao fragmento do real sobre o qual se ergue" e que a força simbólica do "18 de Janeiro" começa "quando, no fim dos anos 30, os anarquistas desapareceram como organização e os comunistas se tornaram hegemónicos" no movimento operário.

O Reviralho, Orgão do Comité de Defesa da República, Ano 1, n° 7.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

Se o "simbólico não precisa, de facto, de enredos compridos", algum enredo há, e importa saber com que malhas ele se tece. E como se ganha e como se perde, já que também nas guerras do simbólico há vencedores e vencidos. A força simbólica do "18 de Janeiro" andará ligada ao facto de os comunistas terem conquistado a hegemonia. Mas esta última não chega para explicar os sucessivos desaires dos anarco-sindicalistas. (2)

Derrotado o levantamento popular, começaram as perseguições e as capturas aos dirigentes sindicais, na sua maioria comunistas. Na noite de 18 e nos dias seguintes, varreram toda a região, casa a casa.

Nem o Pinhal de Leiria ficou por varrer [...]

Para Joaquim Gomes, não é por acaso que o levantamento operário de Janeiro de 1934 tem na Marinha Grande uma dimensão diferente da que assumiu noutras localidades. A fascização dos sindicatos era, na terra do vidro, apenas a gota de água que fez transbordar toda uma luta, que se vinha já desenvolvendo. "O número de greves e manifestações era espantoso" lembra [...]

Este estado permanente de luta que se vivia na Marinha Grande inicia-se no começo dos anos 30, com a grave crise que afectou o sistema capitalista e muito particularmente a indústria vidreira: aumentou a exploração, os dias de trabalho foram reduzidos, algumas empresas foram temporariamente encerradas. Esta situação é acompanhada por um incrível reforço da organização do PCP na Marinha Grande, o que contrastava com outros locais, onde esta era ainda muito débil.

"Na Marinha Grande, a influência comunista era muito superior a qualquer outra, socialista ou anarquista", recorda Joaquim Gomes. Até ao 18 de Janeiro, havia células do Partido em todas as fábricas e as Juventudes Comunistas tinham também muita força, sobretudo entre os aprendizes. (3)

Os processos de actuação dos chefes bolchevistas são conhecidos: "todos os meios são bons para alcançarem os fins",... Desde a mentira à confusão, desde a intriga à calúnia.

Temos à nossa frente um Boletim assinado pelo Secretariado do Partido Comunista. É por consequência um documento oficial. Trata do movimento de 18 de Janeiro. O seu conteúdo não eleva quem o redigiu; revela apenas uma falta de honestidade moral que nunca pode triunfar no seio do proletariado.

A audácia das suas afirmações, o descaramento com que se pretende demonstrar uma grande preparação revolucionária comunista para o citado movimento, não consegue iludir a própria massa operária, fora, ou desviada, do âmbito destas lutas.

É nestes momentos que os "chefes" bolchevistas pretendem ganhar terreno. Para isso confundem, baralham, sofismam, porque sempre produzirá algum resultado...

Conhecemos, porém, esses processos. Andamos por cá há alguns anos e sabemos perfeitamente como a sua acção tem sido conduzida. Mas vamos ao documento em questão. O que diz ele, em resumo? 

Diz isto:

"O 18 de Janeiro caracterizou-se precisamente pela expressão do desejo das massas de seguirem as palavras de ordem do Partido Comunista".

Já é audácia! Como se o referido movimento fosse obra sua! Mais ainda, para que se observe até onde vai o arrojo:

"Na margem Sul do Tejo, em Almada, Cacilhas, Porto Brandão, Alfeite, Cova da Piedade a greve foi geral. No Algarve, houve greves e manifestações de massas, sobretudo em Silves, alguns pontos do Alentejo seguiram, também, as palavras de ordem do nosso Partido".

Querem melhor?

Então, toda a acção desenvolvida pela classe trabalhadora na margem Sul do Tejo não foi orientada pela C.G.T.?

Que influência exerce nesses locais, ou melhor, nas respectivas classes, o partido bolchevista?

A organização de Silves não é retintamente cegêtista?

Para quê tanta mentira? (4)

O Governo Mente, Sarmento Beires.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

Almada quase parou no dia 18 de Janeiro de 1934, devido à grande aderência dos trabalhadores do concelho à greve revolucionária, organizada pela Confederação Geral do Trabalho e pela Comissão Intersindical, as duas forças sindicais mais importantes na época junto dos trabalhadores.

Um aspecto do julgamento de Sarmento de Beires na Trafaria, 1934.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

A greve revolucionária deu-se devido à tentativa fascista de liquidar as Associações de Classe e os Sindicatos Livres, para quebrar a força e a união dos operários. Almada na época era um concelho razoavelmente industrializado, possuindo uma classe operária bastante esclarecida e aguerrida na defesa dos seus direitos. Os anarco-sindicalistas (CGT) eram a força política dominante junto dos trabalhadores da Margem Sul que operavam nas fábricas de cortiça e nos estaleiros navais.

Na manhã de 18 de Janeiro as fábricas de cortiça "Henry Bucknall", "Rankins & Sons", "Armstrong & Cook", de Almada, tal como a empresa moageira "Aliança", do Caramujo, e os estaleiros navais na Mutela em Cacilhas, tiveram de encerrar devido à ausência dos seus assalariados. Solidários com o movimento, os motoristas de autocarros e de automóveis de aluguer, interromperam as suas funções das 10.30 às 14 horas.

Como se não bastasse, não trabalharem, os operários invadiram as ruas de Cacilhas, Cova da Piedade e Almada, provocando alguma agitação que seria reprimida pelas forças da ordem.

Cacilhas, a revolta de 18 de Janeiro de 1934.
Imagem: Partido Comunista Português

Fracassada a greve revolucionária, a repressão não se fez esperar. Cerca de vinte trabalhadores foram apontados como os grandes causadores da paralisação, sendo presos e conduzidos para Lisboa, sob forte escolta policial.

Revolta de 18 de Janeiro de 1934, os presos são conduzidos a Lisboa.
Imagem: largo da memória

A maioria dos presos pertenciam aos movimentos anarquistas, afectos à CGT.

Uma das consequências desse movimento, foi a suspensão do semanário "O Almadense", e a prisão do seu director, Felizardo Artur, o qual seria libertado três semanas depois, do Forte da Trafaria, depois de se provar que não estava envolvido no movimento.

Mas o título "O Almadense" continuou proibido por largos anos. A grande contribuição dos trabalhadores almadenses nesta jornada de luta operária, ficou registada através do fabrico de engenhos explosivos e sua distribuição um pouco por todo o país. A "Fábrica de Bombas" situava-se na Cova da Piedade, num barracão alugado.

Os principais responsáveis da CGT por este sector eram, Manuel Augusto da Costa e Romano Duarte.

As maiores vitimas do movimento foram Manuel Augusto da Costa, natural do concelho do Seixal e os almadenses, Pedro Matos Filipe e Joaquim Montes, condenados a 14 anos de degredo. 


Joaquim Montes, ilustração de Ligia
in Milheiro, Luís Alves, Almada e a Resistência Antifascista
Imagem: largo da memória

Começaram a cumprir as suas penas na Fortaleza de Angra do Heroísmo, mas com o aparecimento do Campo do Tarrafal, a jóia da coroa das forças repressivas, foram transferidos para a malfadada Ilha de Santiago, fazendo parte da primeira leva de prisioneiros que foram estrear o presidio. (5)


(1) 18 de Janeiro de 1934
(2) O "18 de Janeiro": uma proposta de releitura
(3) 70 anos do 18 de Janeiro de 1934, na Marinha Grande
(4) 80 anos do 18 de Janeiro de 1934, in A Batalha, abril de 1934
(5) Milheiro, Luís Alves, Almada e a Resistência Antifascista, 2000

Artigo relacionado:
2 de fevereiro de 1926


Leitura relacionada:
Memórias e Identidades da Cooperativa de Consumo Piedense

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